segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O VALOR DA COOPERAÇÃO



Rui Peralta, Luanda

Dos dogmas á realidade

A maximização das satisfações do individuo, dos benefícios e lucros do empresário e do investidor são, hoje, dogmas assumidos pela economia convencional e ensinados aos estudantes do ensino médio, da formação profissional ou das universidades como algo de normal, que impregnou as práticas culturais, sociais e económicas. É mesmo apresentado como um facto biológico, uma condição natural da espécie humana.

 No entanto os estudos antropológicos apresentam-nos sociedades que desde á 200 mil anos colaboram em pequenos grupos, levando uma vida satisfatória e mesmo com apreciáveis níveis de qualidade, podendo em alguns casos serem consideradas sociedades opulentas. A primatologia relata-nos imensos casos de comunidades de símios profundamente aparentadas connosco, compartilhando 99% do ADN, que nos antecederam em cerca de 6 milhões de anos e que eram comunidades caracterizadas por uma intensa vida social e de grandes laços solidários. A microbiologia e a sociobiologia demonstram que a vida conquistou o planeta através da cooperação, mesmo no caso em que os combates foram acérrimos e os níveis de competitividade exigentes. As formas de vida multiplicaram-se e tornaram-se mais complexas associando-se. Os mecanismos de adaptação e de selecção natural não são mais do que complexos sistemas de cooperação, estabelecendo-se alianças, associações, fusões de interesses em função das necessidades e cruzamentos. Os mecanismos de competição implicam cooperação.

Os traços cooperativos ficaram marcados na nossa fisiologia através de neurónios que induzem empatia e que nos levam a colocarmo-nos no lugar do outro, a sofrer, chorar e rir com os outros. Nos nossos olhos a colaboração manifesta-se na esclerótica – a parte branca do olho humano – que é três vezes maior que as outras 200 espécies de primatas e que constitui uma característica especificamente humana, que faz com que a direcção do nosso olhar seja detectada pelos demais e sirva para nos comunicarmos. Portanto a cooperação já se encontra na nossa condição natural, como espécie.

A eficácia autogestionária

A posse comum é muito mais eficaz no mercado do que a teoria convencional apregoa e formata na cabeça dos jovens estudantes e nos anfiteatros da propaganda. Não é uma panaceia, uma solução final, mas é um meio eficaz para atingir objectivos, virar a página de uma etapa e estabelecer novas metas. Observe-se os sistemas de irrigação do Nepal, por exemplo.  Os sistemas de irrigação geridos pelos camponeses e pelas comunidades rurais são mais eficazes em termos de aprovisionamento de água e apresentam maior produtividade e menos custos que os sistemas de irrigação construídos com a ajuda do Banco Asiático para o Desenvolvimento, do Banco Mundial, da USAID, etc. Ou seja, os grupos locais são mais eficazes, conhecem o terreno, conhecem a especificidade dos seus problemas, desenvolvem melhor os conceitos de gestão e solucionam de forma optimizada os seus problemas.

O mercado, entendido como esfera da vida humana, como “Ágora”, é o espaço social que demarca a relação entre o Eu e o(s) Outro(s). Torna-se congruente como esfera da vida social alicerçado na condição colaborativa, empática, amorosa e não-violenta. A destruturação causada pelo capitalismo no mercado, as relações introduzidas pelo capitalismo no mercado, baseadas na luta de todos contra todos, da competição feroz, da concorrência irracional, são factores que destroem o funcionamento do mercado, impedem a livre iniciativa e aprisionam o individuo num universo concentracionário.

A autogestão é possível e eficaz. Frente aos que argumentam que o Estado deve controlar a maioria dos recursos naturais para evitar a destruição e frente aos argumentos dos que sugerem a “panaceia” da privatização, os exemplos que nos chegam do mundo (da economia-mundo) apontam no sentido oposto ao destes dois argumentos. Distintas comunidades de indivíduos logram um uso produtivo e sustentável a longo-prazo na regulação e gestão de sistemas de recursos naturais. São reconhecidos os falhanços da privatização dos recursos não estacionários como a água e as pescas, assim como os desastres provocados pelas nacionalizações (estatizações) de recursos comuns que estavam nas mãos das comunidades, conforme nos apontam os exemplos dos bosques comunais na Tailândia, Nigéria, Nepal e India e como problemas similares ocorrem quando os organismos estatais pretendem ter uma jurisdição exclusiva sobre as águas costeiras, a começar pelos efeitos desastrosos na pesca e a acabar na tragédia da destruição dos ecossistemas costeiros e marítimos.

Algumas experiências centenárias

Os êxitos, no entanto, não são apenas em experiências recentes. Existem múltiplas experiências centenárias que continuam a funcionar em pleno. É o caso da aldeia de Torbel, na região alpina da Suíça. Torbel tem cerca de 600 habitantes e gere os bens comuns desde 1225. As terras, por exemplo, afectam 80% do território e a propriedade privada coexiste com a propriedade comunal, sendo esta exercida em regime de autogestão. Os direitos sobre os pastos são revistos de 10 em 10 anos.

Outra experiência centenária é nas Filipinas, com as comunidades formadas em torno dos regos. Existem comunidades cuja origem remonta ao século XVII e ainda existem cerca de 700 comunidades espalhadas por todo o país. As comunidades reúnem-se em assembleias, estabelecem as suas regras de funcionamento, elegem os seus funcionários, cuidam dos canais de irrigação e decidem qual a contribuição em trabalho de cada um dos seus membros para o colectivo.

No Japão existem desde o século XVI, pelo menos, a gestão de terras comunitárias geridas por instituições locais das aldeias. Entre 1600 e 1867 (período Tokugawa), milhares de aldeias administravam em comum cerca de 12 milhões de hectares de bosques e prados, sendo que actualmente este tipo de gestão cobre cerca de 3 milhões de hectares.

Alguns requisitos fundamentais

Estes são apenas alguns exemplos de autogestão centenária que persistem na actualidade. Um facto transparece destes e de outros exemplos: nenhum exemplo de bem comum sofreu qualquer deterioração ecológica. Mas para que a autogestão seja implementada e surta efeitos existem requisitos que permitem o êxito e viabilizam estes processos:

1) Limites claramente definidos. Limites de extracção e limites de recursos;

2) Coerência entre apropriação e provisão. As regras de apropriação restringem o tempo, o espaço, a tecnologia e a quantidade de unidades do recurso. Nem todas as instituições são iguais no espaço e no tempo. A diversidade biológica, cultural e ecológica tem de ser respeitada;

3) Auto-organização, autonomia e participação;

4) Supervisão. Funcionamento de estruturas internas de supervisão;

5) Sanções. Abolir a impunidade. Permanente exercício critico;

6) Mecanismos para a resolução de conflitos. Os conflitos são inerente às dinâmicas evolutivas de qualquer estrutura organizativa. Admitir os conflitos e geri-los, nunca evitá-los;

7) Direitos de organização. Os direitos dos usuários a construir as suas próprias instituições não dêem ser questionados pelas autoridades governamentais, nem devem ser proibidos;

8) Importante a expansão das experiencias com base em múltiplos níveis de entidades (união associativa, federações, etc.).

Concluindo 

A História não molda de forma unilateral o Futuro. Este constrói-se através de lógicas de negação e de rupturas, num conflito permanente entre a lei da acumulação e a sua negação.

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