Zillah
Branco*
As
mudanças não ocorrem por acaso, não caem do céu nem com rezas fortes, nem
dependem de ideias geniais ou do peso das leis e forças das armas. Sendo um
processo de transformação, as mudanças resultam de paciente demonstração de que
a humanidade evolui selecionando soluções para os erros de percurso e para as
carências impostas aos povos para satisfazer ambições mesquinhas de poder de
uma elite privilegiada e cruel.
Tomando
os países mais pobres da Europa, vemos que eles carregam uma história marcada
pelo êxito da coragem e criatividade da sua gente - os grandes filósofos
gregos, os grandes navegadores e geógrafos portugueses, os valentes guerreiros
espanhóis - que além das ações práticas que abriram o mundo à toda a humanidade,
aprofundaram conhecimentos científicos enriquecidos pelo desvendar de novas
culturas consideradas exóticas, foram cruelmente explorados pelos mais ricos
agarrados ao poder monárquico e clerical que deu origem ao sistema financeiro
com a ganância do lucro e a frieza dos cálculos acima dos sentimentos
humanistas.
Em
1974, como resultante de um longo processo tão claramente analisado por Álvaro
Cunhal desde 1947, a mais velha e carcomida ditadura da Europa é derrubada por
militares (com as suas razões específicas) apoiados pelo povo que descobria a
injustiça do sofrimento que sempre sofre por não ter os privilégios da elite.
Jovens de todos os países ricos da Europa ofereceram a sua solidariedade, mesmo
aqueles que usufruíam dos privilégios de classe das elites. Despertava a
consciência e o respeito pelos princípios fundamentais da humanidade.
Nascia
uma nova esquerda, confusa e anárquica, que foi manipulada pelos políticos
oportunistas que davam uma lágrima ao povo sofredor e um riso esperto à elite política
aliada do imperialismo - os polícias do mundo. A esquerda experiente chegou ao
Governo por alguns meses em que fez nacionalizações, reforma agrária e definiu
apoios aos pequenos agricultores e pescadores, abriu caminho para sistemas
públicos de saúde, educação e previdência, mas não pode vencer a direita que
através da hegemonia da informação, nacional e internacional, criou um ambiente
de guerra civil e manipulou consciências recém-abertas ao conhecimento
revolucionário. Deixou a sua marca na Constituição assinada por todas as forças
políticas na época dos Cravos de Abril.
Vieram
os governos de direita. Com duas coligações que se sucediam mas que igualmente
mergulharam o país na dependência financeira que era delineada pelo projeto de
unificação do capital armado de todo o continente europeu - CEE/Nato, UE - com
seu banco e seus conselheiros técnicos. Os países pobres foram submissos e os
ricos coniventes com a implantação do modelo imperialista na Europa com uma
moeda forte que compete com o dollar, irmão mais velho.
Mas
o movimento das ideias seguiu o seu curso, alimentando as consciências
despertas pelo tremer das estruturas do poder que deixaram à vista as
rachaduras causadas pela força popular quando unida. O conhecimento
democratizado das ciências sociais limou arestas, reduziu rompantes
individualistas, corrigiu erros pessoais com os ensinamentos da realidade. A
semente da esquerda ficou apta a crescer em solo fértil.
O
imperialismo liderado pelos Estados Unidos, aperfeiçoou o seu fortalecimento
bélico e de informação midiática aproveitando os recursos da ciência e da
tecnologia informatizada para avançar na destruição de civilizações milenares
do oriente (onde foi parado pelo Vietnam, Coreia e China) e do Oriente Médio
onde plantou suas bases em Israel e comprou monarquias árabes subalternas. Com
o apoio da UE derrubou o muro de Berlim e provocou a derrota do socialismo na
Europa, destruiu o Afeganistão, invadiu o Iraque, penetrou nas lutas intestinas
dos árabes enfraquecendo nações fortes que se modernizavam, assassinou
governantes e destruiu o equilíbrio da Líbia, o Egito, a Somália e Etiópia
minou o Estado das ex-nações socialistas assim como de países árabes que
enfrentavam os apetites de Israel - Palestina, Líbano, Jordânia, Síria, Irão,
Paquistão e outros. Neste caminho sangrento deu-se a grande crise financeira do
sistema, o que levou o império a comer das próprias bases o sangue dos pobres,
a que chamou tecnicamente de Plano de Austeridade. E criou o Estado Islâmico no
bojo de uma mal explicada luta contra um terrorismo aparentemente árabe e
muçulmano mas nascido dos jogos e filmes que o império usa como pedagogia das
jovens gerações.
A
esquerda em formação, seguindo mesmo a contra gosto o caminho revolucionário
imparável dos Partidos Comunistas, amadureceu as suas análises e somada a uma
franja de pessoas que são conservadoras por formação, mas que foram obrigadas a
pisar a lama da "austeridade", organizou manifestações a favor de
eleições democráticas - a Grécia contestou a UE e as suas sangrias para salvar
a banca; a Espanha elegeu governos de esquerda em grandes municípios e passou a
defender a independência da Cataluña; Portugal obteve a maioria de votos à
esquerda contra o Governo submisso da direita tradicional. A própria direita,
para não escorregar no falhanço dos seus partidos, começou a mostrar que sabe
ser de esquerda para parecer inteligente.
A
União Europeia, desmascarada pela defesa única do sistema financeiro contra o
bem-estar e desenvolvimento dos povos e suas forças produtivas, começa a
receber a ponta- pés e com arame farpado, as levas de emigrantes que fogem das
guerras imperialistas. A crueldade de assistir paralisada os afogamentos de
milhares de jovens, velhos e crianças, no mar Mediterrâneo - via especial do
turismo - e a ocupação de praias italianas e gregas por uma humanidade escorraçada
dos seus países de origem, para exibirem a sua miséria em locais de luxo,
despertou a ira dos Húngaros, Austríacos, Alemães, Suíços e Nórdicos que pendem
para a direita fascista contra a esquerda que germina nas suas próprias
sociedades onde oferecem solidariedade humana para os emigrantes.
A
"união europeia" deixou de existir dando lugar à " gestão do
capital europeu", sugerida pela a Inglaterra de Pilatos que aconselha a
dar dinheiro para países limítrofes dos guerreados para que segurem nos seus
campos os que ameaçam a rica europa com a sua miséria. Esta proposta recebe o
apoio da ex-humanista França e da equilibrista Alemanha de Merkel que oferece
grandes somas até mesmo à Turquia para que aguentem longe dos
"civilizados" as consequências das invasões feitas pela NATO e os
amigos norte-americanos. Prometem tudo, até um lugar na UE desmoralizada.
Enquanto isso os russos limpam a Siria dos esbirros do imperialismo, da CIA e
seus alunos ao EI e os norte-americanos aceitam dialogar com quem antes era inimigo
a abater. Um falhanço rotundo da política expansionista no mundo árabe.
A
direita fascista se distingue da outra, submissa, pois é nacionalista. Surge
como mais consequente aos olhos de povos enriquecidos e ganham eleições. Há uma
aliança anti- natura com alguma esquerda sem rumo, que substitui o impulso
revolucionário do Siriza na Grécia (que havia dado um primeiro passo maior que
as pernas) confundindo os apoiantes. Tudo isto serve de mostruário de hipóteses
para os povos onde a consciência germina. Daí as surpresas quando as esquerdas
se unem em Portugal e animam o resto da Europa.
Ninguém
aceita mais os antigos bonecos vestidos de Presidentes. Não querem reis de
gravata para fazer papel de autoridade sem voz nem vontade diante da
austeridade que assola e das invasões que trucidam. Todos agora querem mostrar
que são democratas e até aceitam alguma esquerda bem comportada. Vamos em
frente com candidatos que ainda assustam os conservadores: um padre comunista,
uma mulher que conhece e condena os podres da UE.
Dias
melhores virão quando a ignorância medieval e a cobiça de riquezas e poder
forem banidos das sociedades. Temos à vista outra experiência criadora, a da
América Latina onde as Uniões respeitam a moeda e a história de cada nação, e
unem esforços apenas para enfrentar inimigos comerciais, financeiros, que
expoliam para invadirem depois. E estes exemplos vão germinando em continentes
distantes, como a África e a Ásia.
Para
terminar com um quadro real (que a TV exibe) para ilustrar a intenção otimista,
refiro as manobras da Nato, com imensos barcos de guerra norte-americanos e
armados até os dentes, na manhã do dia 20 de Outubro, descarrega dois jeeps
todo-o-terreno que tentam invadir uma praia alentejana de Grândola (a Vila
Morena) e ficam irremediavelmente atascados nas areias. Até as areias
alentejanas resistem ao poder armado do imperialismo e sua aliada UE!
*Zillah
Branco: Cientista Social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e
trabalho no Chile, Portugal e Cabo Verde.