Natália
de Santana Revi* - Afropress, opinião
Há
no imaginário do Brasil que se acha europeu, mas que nunca o será, um grande
pavor ao exotismo cultural, à forma como ele pode ser objeto do olhar curioso,
fascinado e avaliador do estrangeiro, particularmente do hemisfério norte,
quando o mundo quer apenas que o Brasil seja simplesmente BRASILEIRO dentro da
sua rica diversidade cultural.
Esse
pavor resulta, como o demonstram estudos pós-coloniais, da conotação negativa
associada ao exotismo, presente na estratégia discursiva colonial que o
ligava negativamente ao mito do bom selvagem, ao outro ameaçador ou ao outro
visto meramente como objeto de desejo.
Vem
este artigo na sequência do editorial da Afropress com o título
"O racialismo não é saída, é cilada". Nele o editor desanca nos
afrodescendentes que assumem suas origens ancestrais e a afirmam nas mais
variadas formas, vendo-os como sujeitos de um "exotismo despropositado e
folclórico".
Não
vejo exotismo como algo de despropositado ou folclorizado na afirmação da
componente AFRO no Brasil. O próprio termo folclórico, do qual o
editor nítidamente se distancia, é apresentado de forma negativa, como se
tratasse de algo inferior e baforento e não de narrativa positiva de
significativa parte da cultura de um povo.
No
Brasil não é narrado negativamente como exotismo e folclore a afirmação da
eurodescendência manifestada em festas e eventos comemorativos de
ancestralidades européias e feita cotidianamente no uso de expressões como
"papai é português", "mamãe é italiana", vovô é
"alemão", "vovó é francesa", "bisa era inglesa",
"trisa era holandesa", e por aí a fora.
Foi
precisamente o preservar da africanidade nas suas mais diversas expressões
culturais que permitiu ao negro brasileiro resistir às marcas da escravidão, ao
extermínio pelo embranquecimento e se diferenciar no contexto da brasilidade,
se tornando em seu componente de identidade cultural mais vibrante.
É
precisamente devido à conscientização da nossa diferença, em sequência de lutas
vindas desde o primeiro rebelde escravizado que pisou o Brasil, que hoje
estamos assumindo descomplexadamente as nossas origens afro e forçando para
políticas de ações afirmativas inclusivas da plenitude de nossa cidadania.
Ser
afrodescendente ou afro-brasileiro é uma condição de identidade cultural que
não nega nossa brasilidade mas sim a valoriza, uma conscientização política de
nossas origens, não uma opção.
Penso
ter sido essa conscientização que esteve na origem da criação de AFROPRESS (não
afro qualquer coisa!). Uma nação multirracial e multicultural como Brasil,
apenas se fortalece se cada um tiver orgulho de suas raízes e as souber elevar,
afirmar.
O
discurso de negação ou de diminuição da raça, como categoria social que existe,
é perigoso e mais perigoso ele se torna quando, vindo de próprias lideranças
negras porque abre espaço para o aprofundar do racismo e de intolerâncias como
as que atingem cada vez mais as religiões de matriz africana.
Por
fim, vejo como enganoso o debate sobre racialização. Confundir conscientização
e afirmação da cor/raça, expressas em políticas afirmativas progressistas
para corrigir erros históricos, com racialização é como confundir
conscientização e afirmação de gênero com o discurso feminazi.
O
foco do debate deve continuar centrado de forma crescente e permanente no
RACISMO. Desviar o mesmo para a armadilha do discurso racialista é dar
argumentos de mão beijada aos que, confundindo o conceito científico da não
existência de raças, ou se aproveitando dele, apontam apenas o fator classe e
negam a existência do racismo como outra das contradições fundamentais da
sociedade capitalista brasileira, talvez a mais desumana.
*
É escritora, produtora cultural, bailarina popular, mestranda pela Universidade
de Londres
** Colaboração
de Alberto Castro para PG
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