O
procurador do Ministério Público (Portugal), Orlando Figueira, foi detido pela
Polícia Judiciária por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais.
Ficou em prisão preventiva. Como está no ADN de Portugal e de Angola, qualquer
escândalo de alto gabarito tem de envolver altos dignitários do regime de José
Eduardo dos Santos. Desta vez, como de outras, está em causa o vice-presidente
de Angola, Manuel Vicente.
Norberto
Hossi*
No
dia 8 de Janeiro o Governo angolano considerou existir “maturidade e serenidade
bastantes” entre Lisboa e Luanda para “resolver e ultrapassar os eventuais
mal-entendidos” e transmitiu a Portugal a sua “vontade política de sedimentar
as relações” entre os dois países.
Para
melhor oportunidade ficou o agradecimento do regime ao facto de a “coligação”
PSD, CDS-PP e PCP terem rejeitado um voto de condenação apresentado pelo Bloco
de Esquerda sobre a “repressão em Angola” e com um apelo à libertação dos
“activistas detidos”, iniciativa que teve a abstenção do PS.
A
mensagem do Governo de José Eduardo dos Santos foi transmitida pelo embaixador
angolano em Portugal, José Marcos Barrica, ao ministro dos Negócios
Estrangeiros português, Augusto Santos Silva.
O
embaixador sustentou que há “maturidade e serenidade bastantes entre as legítimas
autoridades de ambos os Estados para que, em sede própria, sejam resolvidos e
ultrapassados os eventuais mal-entendidos ou até espevitações mal-intencionadas
de quem, por qualquer razão subjectiva, esteja a desfavor de um bom
relacionamento entre os nossos países e povos”.
Marcos
Barrica considerou haver “relações de cooperação entre Estados que devem ser
mantidas e incrementadas na base da confiança mútua e respeito recíproco”.
O
diplomata mostrou-se convicto que os executivos dos dois países “continuarão a
trabalhar nesse sentido, apesar de haver alguns ruídos nas relações, o que é
natural na dinâmica dos processos de interacção humana”.
Na
audiência, o diplomata angolano entregou ao ministro português uma missiva, na
qual o chefe da diplomacia angolana, Georges Chikoti, o felicita pela sua
nomeação e apresenta em nome do Governo de Angola e em seu nome pessoal, “as
sinceras felicitações, assim como os votos de prosperidade para o povo
português”.
Na
missiva, o ministro angolano exprime “o desejo de continuar a trabalhar para
que as relações de amizade e de cooperação existentes entre a República de
Angola e a República Portuguesa se fortaleçam nos mais variados domínios, no
interesse dos dois povos e governos”.
Segundo
a nota da embaixada angolana, a mensagem que José Marcos Barrica entregou a
Augusto Santos Silva “traduz um sinal claro e inequívoco da vontade política
continuada do Governo de Angola de sedimentar as relações entre ambos os
governos, mas sobretudo entre os povos, que se ligam por laços históricos e
afectivos profundos e que não devem, por isso, ser negligenciados”.
Em
Outubro de 2013, o Presidente angolano (no poder desde 1979 sem nunca ter sido
nominalmente eleito), José Eduardo dos Santos, anunciou o fim da parceria
estratégica com Portugal. Os dois países tinham previsto realizar, em Luanda,
em Fevereiro de 2014, a primeira cimeira bilateral, encontro que nunca chegou a
acontecer.
Nada
se perde… sempre para os mesmos
No
caso do eventual envolvimento de Manuel Vicente, tal como no de Álvaro Sobrinho
(BESA), e como é esperado, sobretudo a partir da altura em que o dono de Angola
deu um ultimato político a Portugal, consubstanciado no fim, ou no adiamento
sine die, da parceria estratégica, os tribunais portugueses – por determinação
política – subjugaram-se e passaram a, juridicamente, ter uma só sentença em
relação a qualquer questão que envolva altos dignitários do regime: arquive-se.
Isso
mesmo se passou, recorde-se, com um tribunal português que recusou o pedido de
abertura de instrução do caso ligado exactamente ao vice-Presidente de Angola,
ao general Higino Carneiro e à empresa Portmil, cujo inquérito fora arquivado
pelo Ministério Público português. E, pelo menos nos próximos anos, não vale a pena
intentar qualquer acção. Lisboa rendeu-se e, como tal, encontra todos os
subterfúgios legais, mas sobretudo políticos, para nada fazer.
O
juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Portugal, Carlos Alexandre,
considerou que o jornalista Rafael Marques, que pediu a abertura da instrução,
“não tem legitimidade para interferir nos autos na qualidade de assistente,
relativamente ao crime de branqueamento de capitais, que constitui o novo
objecto dos autos”. Nesta matéria de inconformidade de legitimação há pano para
mangas, pelo que o regime angolano pode estar descansado, impávido e sereno.
Nada será feito pelas autoridades portuguesas.
O
inquérito surgiu após uma queixa sobre factos susceptíveis de serem crimes de
associação criminosa e branqueamento de capitais, alegadamente praticados em
Portugal, precedidos de “corrupção, burla e fraude fiscal alegadamente
praticados em Angola”. Em causa estavam operações bancárias efectuadas em 2009
e 2010, num montante de cerca de 294 milhões de euros.
E,
de facto – não de jure -, as razões de Estado são uma espécie de albergue onde
cabe tudo o que interessa a Portugal, nem que isso seja um atropelo às regras
de um Estado de Direito. Ou seja, permite que se lavre a sentença antes da
averiguação dos factos. Primeiro arquiva-se e depois articula-se juridicamente
os argumentos que sustentem esse mesmo arquivamento. Simples.
Num
Estado de Direito uma das regras fundamentais é dar à política o que é política
e aos tribunais o que é dos tribunais. Em Portugal nada disso é assim. E então
em Angola nem vale a pena falar. A promiscuidade é tal que, cada vez mais, os
tribunais fazem política e a política investiga e dá sentenças.
Cérebros
vazios de Lisboa
Os
cérebros que gravitam no governo de António Costa, tal com os que antes faziam
o mesmo no de Passos Coelho, sabem que o futuro de uma qualquer parceria
estratégica passa pelo índice de bajulação e subserviência de Lisboa.
O
caso Manuel Vicente revelará que, mais do que declarações políticas de
ministros portugueses, o regime do MPLA exige que os seus dirigentes estejam
acima das leis e que, como por cá, gozem de total imunidade e impunidade.
Enquanto isso não for assumido sem subterfúgios por Lisboa, Portugal chupará
cada vez menos nas tetas que produzem dólares.
Luanda
não aceita, repita-se, desvincular seja o que for do direito – que entende
soberano – de exigir ao antigo colonizador que os seus dilectos e impolutos
dirigentes estejam sempre acima de qualquer suspeita, por mínima que seja.
E
Angola, até porque não lhe faltam parceiros mais poderosos e incólumes ao
rótulo colonial, mantém-se firme como, aliás, vincula a posição de Manuel
Vicente, vice-presidente e ex-presidente executivo da petrolífera Sonangol. Nem
mesmo os supostos pesos-pesados de Lisboa conseguirão demover o radicalismo de
Luanda.
*Folha
8
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