Rui
Sá* – Jornal de Notícias, opinião
Esta
semana ficou marcada pelo escândalo dos "Panamá Papers". Não pela
existência de uma empresa panamiana dedicada à gestão de entidades offshore
(curiosamente o eufemismo de paraísos fiscais que, por sua vez, são um
eufemismo para empresas veículo de fuga ao Fisco e/ou de branqueamento de
capitais). Isso toda a gente sabia...
O
que marcou a semana foi, isso sim, a divulgação de nomes de
personalidades/entidades com contas offshore. E pela consciência de que são
milhares os titulares dessas contas, sendo que a Mossak Fonseca, apesar de
grande, não é a maior das empresas que vivem deste negócio...
Recorrendo
à citação de um relatório feito em 2013 pela ONG Oxfam, efetuada por Bagão
Félix (que a considera conservadora), "o dinheiro em paraísos fiscais terá
atingido um valor de catorze milhões de milhões (são muitos zeros!) de euros, o
que equivale a 19,5% do total mundial de depósitos e a 82 vezes o nosso
PIB", estimando-se que "a perda de receitas fiscais diretas que
resultam desta evasão tenha chegado a 160 mil milhões de euros"!
Podemos,
naturalmente, questionar se a divulgação dos nomes de titulares destas contas é
seletiva, procurando apontar o dedo a uns e poupando outros. Mas a questão
fundamental é constatarmos, mais uma vez, como o Mundo está cheio de gente que
enche a boca com a virtude, procurando esquecer os seus pecados...
É
evidente que os offshore mais não são do que um instrumento para permitir a
fuga ao Fisco e para a lavagem de dinheiros sujos. Mas, apesar de todos o
saberem e das denúncias pontuais de uns escândalos (mais relacionados com os
nomes envolvidos do que com a essência do problema), a verdade é que tudo acaba
por ficar na mesma. Porque, apesar de alguns o procurarem negar (tentando
salvaguardar o essencial), os offshore correspondem à essência do capitalismo,
ou seja, à acumulação de capital. Como os "vistos Gold" nacionais,
que mais não visam do que escoar imóveis de luxo, dando a nacionalidade
portuguesa a uns magnatas que obtiveram dinheiros ilícitos e que os querem branquear
ao mesmo tempo que se salvaguardam da Justiça nos seus países com a obtenção da
dupla nacionalidade - o que choca ainda mais quando fazemos o paralelismo com
as dificuldades que os refugiados de guerra têm para conseguirem entrar nesta
Europa! Ou como quando vemos o sr. Juncker a bolsar umas "postas de
pescada" sobre os sacrifícios que os portugueses "devem fazer",
quando se sabe que foi o executor de um sistema de taxas de imposto bonificadas
que permitiu a diversas das maiores multinacionais sediarem-se no Luxemburgo
para fugirem aos impostos nos seus países de origem. Ou quando vemos que a
maior parte das empresas que integram o PSI20 nacional têm sede na Holanda,
onde pagam impostos menores.
Naturalmente
que estes mecanismos, que existem para o capital, estão vedados aos rendimentos
do trabalho. Sabendo-se que em Portugal o peso dos rendimentos do trabalho
continua a descer (como contrapartida pelo aumento dos rendimentos do capital),
tendo atingido o mais baixo valor dos últimos 50 anos.
Por
isso não podemos escandalizar-nos pontualmente. Temos de estar escandalizados
permanentemente. E atuar! O que, e tendo em conta a (outra) frase da semana,
implica bem mais do que umas bofetadas...
*Engenheiro
Sem comentários:
Enviar um comentário