segunda-feira, 11 de abril de 2016

É O CAPITALISMO, ESTÚPIDO!



Rui Sá* – Jornal de Notícias, opinião

Esta semana ficou marcada pelo escândalo dos "Panamá Papers". Não pela existência de uma empresa panamiana dedicada à gestão de entidades offshore (curiosamente o eufemismo de paraísos fiscais que, por sua vez, são um eufemismo para empresas veículo de fuga ao Fisco e/ou de branqueamento de capitais). Isso toda a gente sabia...

O que marcou a semana foi, isso sim, a divulgação de nomes de personalidades/entidades com contas offshore. E pela consciência de que são milhares os titulares dessas contas, sendo que a Mossak Fonseca, apesar de grande, não é a maior das empresas que vivem deste negócio...

Recorrendo à citação de um relatório feito em 2013 pela ONG Oxfam, efetuada por Bagão Félix (que a considera conservadora), "o dinheiro em paraísos fiscais terá atingido um valor de catorze milhões de milhões (são muitos zeros!) de euros, o que equivale a 19,5% do total mundial de depósitos e a 82 vezes o nosso PIB", estimando-se que "a perda de receitas fiscais diretas que resultam desta evasão tenha chegado a 160 mil milhões de euros"!

Podemos, naturalmente, questionar se a divulgação dos nomes de titulares destas contas é seletiva, procurando apontar o dedo a uns e poupando outros. Mas a questão fundamental é constatarmos, mais uma vez, como o Mundo está cheio de gente que enche a boca com a virtude, procurando esquecer os seus pecados...

É evidente que os offshore mais não são do que um instrumento para permitir a fuga ao Fisco e para a lavagem de dinheiros sujos. Mas, apesar de todos o saberem e das denúncias pontuais de uns escândalos (mais relacionados com os nomes envolvidos do que com a essência do problema), a verdade é que tudo acaba por ficar na mesma. Porque, apesar de alguns o procurarem negar (tentando salvaguardar o essencial), os offshore correspondem à essência do capitalismo, ou seja, à acumulação de capital. Como os "vistos Gold" nacionais, que mais não visam do que escoar imóveis de luxo, dando a nacionalidade portuguesa a uns magnatas que obtiveram dinheiros ilícitos e que os querem branquear ao mesmo tempo que se salvaguardam da Justiça nos seus países com a obtenção da dupla nacionalidade - o que choca ainda mais quando fazemos o paralelismo com as dificuldades que os refugiados de guerra têm para conseguirem entrar nesta Europa! Ou como quando vemos o sr. Juncker a bolsar umas "postas de pescada" sobre os sacrifícios que os portugueses "devem fazer", quando se sabe que foi o executor de um sistema de taxas de imposto bonificadas que permitiu a diversas das maiores multinacionais sediarem-se no Luxemburgo para fugirem aos impostos nos seus países de origem. Ou quando vemos que a maior parte das empresas que integram o PSI20 nacional têm sede na Holanda, onde pagam impostos menores.

Naturalmente que estes mecanismos, que existem para o capital, estão vedados aos rendimentos do trabalho. Sabendo-se que em Portugal o peso dos rendimentos do trabalho continua a descer (como contrapartida pelo aumento dos rendimentos do capital), tendo atingido o mais baixo valor dos últimos 50 anos.

Por isso não podemos escandalizar-nos pontualmente. Temos de estar escandalizados permanentemente. E atuar! O que, e tendo em conta a (outra) frase da semana, implica bem mais do que umas bofetadas...

*Engenheiro

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