quinta-feira, 18 de maio de 2017

Brasil | LULA: "UM JULGAMENTO FEITO PELA E PARA A IMPRENSA"


A questão não é mais "o que esperar desta imprensa", mas como alertar os brasileiros que se informam apenas por ela sobre o que está acontecendo no país

Tatiana Carlotti | Carta Maior

Quem acompanhou a cobertura do depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sérgio Moro, na última quarta-feira (10.05.2017), pode notar a ferocidade com a qual os veículos do oligopólio midiático apresentaram as declarações do ex-chefe de Estado.

Jornalistas, comentaristas, os ditos especialistas e quem mais se submetesse a vestir a toga de ocasião entraram em cena para achincalhar a fala do ex-presidente. Embora escandalosa, a manifestação de parcialidade não surpreende. Faz parte do modus operandi do golpe que vem tornando letra morta a Constituição de 1988.

A questão não é mais “o que esperar desta imprensa”, mas como alertar milhões de brasileiros que se informam apenas por ela sobre o que está acontecendo no país. Afinal, conforme se retira o pão -  estamos falando de direitos trabalhistas e sociais – mais se aprofunda o circo midiático.

A cobertura do depoimento de Lula foi emblemática. Anunciando o Fla X Flu, o ingresso foi estampado nos semanários da direita. A pergunta legítima “onde está o juiz”, questão óbvia frente às capas da ISTO É e VEJA, foi substituída pelo placar forjado na última semana.

É como agem, sem votos, os vencedores no tapetão. Lalo Leal Filho ensina: vivemos em um país das capitanias midiáticas. Nelas, o slogan prevalece sobre o argumento. A espetacularização do inquérito – antes, durante e depois – foi explícita na seleção dos trechos e das aspas incensadas desde quarta-feira.

No Jornal Nacional daquele dia, a edição foi primorosa. A cobertura da manifestação popular em Curitiba ganhou uma imagem panorâmica do final do ato, portanto, já esvaziado. O espaço curtíssimo dado à fala do advogado, foi sucedido pelo corolário de todas as ações e pedidos de investigação contra o ex-presidente.

Presunção da inocência? Evidente que não.

No dia seguinte, no mesmo JN, o juiz de Curitiba ganhou destaque com suas reprimendas e as perguntas o mesmo Jornal se esmerou em destacar a atuação de Sérgio Moro, enfatizando suas reprimendas e as perguntas não respondidas por Lula. Na sexta-feira, as delações de João Santana e Mônica Moura preencheram a lacuna da ausência de provas.

O timing foi preciso.

Nos onlines, os portais bateram na mesma tecla de demolição da imagem do ex-presidente, “Lula disse ´não sei´ 82 vezes a Moro durante depoimento”, estampava o UOL. Enquanto isso, os três principais jornais do país deram manchetes praticamente iguais:

No dia do julgamento, lia-se nas bancas: “Lula sofre reveses antes de depor a Sergio Moro” (Folha), “Lula ainda tenta adiar depoimento a Moro” (O Globo), “Juiz mantém depoimento de Lula a Moro hoje” (Estadão). No dia seguinte: “Lula nega posse de tríplex e atribui decisões a Marisa” (Folha), “Interesse no triplex era de Marisa, diz Lula a Moro” (Estadão); “Lula atribui a Marisa decisões sobre tríplex e confirma reunião com Duque” (O Globo).

Na sexta-feira, o veredicto ancorado na delação de Santana: “Lula dava aval para caixa dois, afirma marqueteiro” (Folha); “Lula tinha ´a palavra final, de chefe´, diz João Santana” (Estadão); “Lula dava ´palavra final´ sobre caixa 2, diz Santana” (O Globo)”.

Com os olhos cravados em 2018, além da presunção da inocência, esses veículos não mais se importam o pouco da credibilidade que lhes resta. Quem viu a capa de VEJA da última semana, com um retrato de dona Marisa Letícia, pode ter a dimensão do abismo em que estão dispostos a pular.

Em meio a tantos ataques, vale o alerta.

Pesquisadores do Monitor do debate político no meio digital divulgaram na quinta-feira (11.05.2017) um balanço sobre o compartilhamento das notícias no Facebook no dia do depoimento de Lula. Segundo eles, “o campo antipetista esteve muito mais ativo do que a esquerda”.

No total, afirma o balanço, “foram 4,7 milhões de compartilhamentos de links de notícias sobre Lula e outros 2,5 milhões de compartilhamentos de posts das 500 páginas políticas monitoradas”.

Segundo os dados, “entre as notícias compartilhadas, 48% vieram da grande imprensa e do jornalismo digital, 36% do jornalismo de direita, e apenas 18% do de esquerda. Entre os posts sem links, 73% vieram do campo antipetista e 16% da esquerda (os demais estavam fora dos dois grandes clusters polarizados)”.

E mais: “entre as 15 notícias mais compartilhadas e entre os 19 posts mais compartilhados, nenhum é do campo da esquerda”, apontam os dados. Eles também identificaram neste conteúdo compartilhado pela direita, a prevalência de “denúncias dos crimes de Lula, notícias sobre a impopularidade do presidente (por exemplo, que os hotéis se negaram a hospedá-lo) e a caracterização dos seus partidários como arruaceiros”. (Confira a íntegra do balanço)

Indignação

Frente ao circo armado em Curitiba, personalidades do meio jurídico se manifestaram. Em um desabafo postado no Facebook, um dos maiores processualistas do país, o professor Afrânio Silva Jardim (UERJ), até então apoiador da Operação Lava Jato, afirmou ter se sentido indignado com a condução do inquérito por Sérgio Moro.

Ele, inclusive, solicitou a retirada de um artigo de Moro nas próximas edições do livro “Tributo a Afrânio Silva Jardim”, escrito em sua homenagem. “Posso estar errado, mas o ex-presidente Lula não está tendo o direito a um processo penal justo (...) Confesso que continuo amargurado e termino dizendo que, se o ex-presidente Lula restou humilhado, de certa forma, também restou humilhado o provo brasileiro, que nele deposita tantas esperanças” (Leia a íntegra da declaração).

Ao desabafo de Silva Jardim, soma-se a manifestação de vários juristas do país. Quem acompanhou o mês de abril das nossas Jornadas de 2017, está inteirado sobre a escalada da judicialização da política e a politização do sistema de Justiça no Brasil.

Estão todos convidados a ouvir a íntegra das conferências de juristas, advogados e especialistas no tema como Rogério FavretoAlamiroVelludo Salvador NettoGilberto BercoviciPedro SerranoLuciana ZaffalonFrancisco Fonseca.

O fato é que apesar da cortina de fumaça perpetrada pela mídia oligárquica, diante do assalto a seus direitos -  sociais, trabalhistas e democráticos – a população vem se manifestando, vide o impacto da última Greve Geral e a presença de apoiadores de Lula, de várias regiões do país, em plena quarta-feira útil, marchando pelas ruas de Curitiba e exigindo um processo justo e o retorno do Estado Democrático de Direito.

Uma exigência que encontra espaço apenas na mídia alternativa, onde ainda é possível o contraditório frente à asfixia do pensamento único que fere gravemente a democracia brasileira. Milhares de notícias, denúncias, críticas e análises quem mantêm viva a nossa luta de cada dia.

Em meio à batalha, vale destacar do depoimento de Lula um trecho que, obviamente, não saiu nos noticiários:

LULA: Esse julgamento é feito pela e para a imprensa.

MORO: O julgamento será feito sobre as provas. A questão da imprensa está relacionada a liberdade de imprensa e não tem ligação com o julgamento.

LULA: Talvez o senhor tenha entrado nessa sem perceber, mas seu julgamento está sim ligado a imprensa e os vazamentos. Entrou nessa quando grampeou a conversa da presidente e vazou, conversas na minha casa e vazou, quando mandou um batalhão me buscar em casa, sem me convidar antes, e a imprensa sabia. Tem coisas nesse processo que a imprensa fica sabendo primeiro que os meus advogados. Como pode isso? E, prepare-se, porque estes que me atacam, se perceberem que não há mesmo provas contra mim e que eu não serei preso, irão atacar o senhor com muito mais força.

Confira aqui a íntegra do depoimento do ex-presidente Lula.

Créditos da foto: Reprodução

Registos áudio

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