Martinho Júnior | Luanda
O
homem, esse passou como um cometa em vida, um cometa plasmado duma mensagem de
liberdade milenar e a nós cidadãos do mundo, honra-nos em vida seu exemplo, sua
clarividência e sua coragem, própria dum resgate de milenar dignidade e
identificada com as mais justas aspirações de toda a humanidade!
1-
A primeira coisa que há a avaliar quando a referência é o Che, é a exigência a
cada um de nós, cidadãos do mundo: até onde e até que ponto se interiorizaram a
memória e os ensinamentos essenciais do Che, de forma a transformá-los em
prática?... Até que ponto ousamos sonhar face aos imensos resgates que se nos
impõem, mais ainda quando o capitalismo neoliberal assola todos os obscuros
rincões do mundo?...
Se
em África fizéssemos uma viagem de moto, para ler ao vivo nas veias abertas do
continente, provavelmente os percalços seriam ainda maiores dos que os vividos
pelo Che, por que às feridas sociais que se colocavam então na América,
juntar-se-iam as feridas antigas de África e as de hoje, levadas a cabo pelas portas
escancaradas pelo neoliberalismo, sem qualquer visível obstrução!
Minha
própria vida tem sido vivida na poalha do Che, de sua passagem por África, em
especial com sua guerrilha no Congo (esse assunto inesgotável que África tarda
em coerentemente decifrar), por que a IIª coluna do Che faz parte da história
do MPLA e a estreita aliança de Cuba Revolucionária com Angola tem perseguido,
com muitos momentos decisivos, essa poalha do Che, também interpretada pelos
maiores da Luta de Libertação em África, por Amílcar Cabral, por Agostinho
Neto, por Samora Machel, por Sam Nujoma, por Mugabe, por Oliver Thambo, por
Nyerere, por Laurent Kabila, por Thomas Sankara…
Essa
poalha tornada vida é própria até de muitos companheiros que sobreviveram ao
Che e, entre eles, destaco os exemplos de Rafel Moracén e de Viktor Drecke…
O
caudal da poalha do Che, que como um meteoro passou por África, vai estender-se
inexoravelmente por que sendo inspiração, o Che faz parte dos mais justos
sonhos para o continente-berço da humanidade!
2-
Os da “civilização judaico-cristã ocidental” não reconhecem a imensa
dívida que a humanidade tem para com África e para com todos os povos que
continuam, agora duma forma mais subtil por que alienada, oprimidos e
explorados.
…
E não reconhecem, por que julgam antes de tudo o mais, que essa seria uma forma
de lhes “ir ao bolso”, de os espoliar, como se do sul um redutor desejo de
vingança se impusesse em nome da história…
…
E não reconhecem por que habituados a dividir e dividir até às migalhas, usam e
abusam do pensamento estruturalista para impor suas versões sectárias de
história…
…
E não reconhecem por que não podem passar sem as cargas de alienação que se
arrastam do passado, quando dilatavam “a fé e o império” que, por
arrasto inerente a essa “civilização”, parece ser ainda hoje em pleno
século XXI, graças à contínua vassalagem aos Estados Unidos e à NATO, a única
versão possível de história!
Incapazes
de outra dialética senão a manipulada pela hegemonia unipolar, utilizam subvertendo,
até os conceitos inerentes à democracia, polvilhando-a com suas próprias
narrativas e alienações, conforme às medievas “lendas e narrativas”, não
importando quantas “veias abertas” dilacerem à faca num sul explorado
e vilipendiado até à medula!
3-
O Che inaugurou com seus pares libertários africanos, desde Patrice Lumumba,
uma outra história para África, da qual sou parte integrante, uma história cuja
dialética é inerente às sensibilidades e aos olhos do sul!
Reconhecendo
a dívida para com África, que passa por ser também uma dívida pessoal, tenho
assumido que neste continente foi possível constituir, voltada às paragens
austrais, uma linha da frente progressista que se empenhava directamente na
luta contra o obscurantismo, o colonialismo, o “apartheid” e as
sequelas daí advenientes… ”de Argel ao Cabo da Boa Esperança”!
Antes
de haver a Linha da Frente contra o “apartheid”, a linha da frente
informal que unia Brazzaville a Dar es Salam, passando pela guerrilha a oeste
do Lago Tanganika, no coração de África, no Congo, foi a semente que o Che
trouxe, com seu próprio exemplo, algo que não pode ser história dum fracasso,
por que em seu tributo e sob o comando de Fidel, os revolucionários cubanos
uniram seus esforços e aspirações, à premente necessidade de se libertar
África, como o mais importante dos direitos humanos de todos os povos, nações e
estados durante a segunda metade do século XX!
…
E não é um fracasso, por que também em África se nos assiste o direito, contra
todas as alienações, de ser um pouco como o Che!
4-
Esse direito não convencional de ser um pouco como o Che, numa era de
transversalidades impostas pelo capitalismo neoliberal após o choque e em plena
terapia conforme a que se vive em seus impactos aqui em Angola, é também uma
transversal persistente e única, que nos obriga à constância do amor e do
rigor, por que a alienação e a ausência de rigor por causa das inescrupulosas e
indevidas apropriações reduzidas à divisão entre umbigos, têm sido aqui e agora
uma quase constante do quotidiano!
A
oportunidade clarividente de ser um pouco como o Che, tem sido aberta sempre na
decorrência da história do MPLA e soldado-militante algum, dentro do MPLA e no
seu relacionamento com a vida humana em Angola em todas as suas facetas, dada a
fluência histórica da decisiva passagem por via da Libertação do continente,
pode alhear-se do cometa Che e de sua humana poalha!
5-
Na transversalidade da complexa sociedade angolana, continua na persistência do
amor e do rigor a Operação Carlota, por via da educação, da saúde e em outros
sectores das actividades humanas em Angola, por que resgatar das trevas do
obscurantismo e das sequelas dos longos processos que marcaram as trevas de
África e da América, é a obrigação decorrente na longa Luta contra o
subdesenvolvimento e a ideia de solidariedade e internacionalismo jamais assim
se esgotará!
Transversalidade
alguma na sociedade angolana e no seu espelho sócio-político, poderá intervir
para que essa conjuntura inerente ao sul seja dissipada como por magia, apesar
do bombardeamento massivo das alienações num estrito subproduto de
neoliberalismo, por que são os próprios expedientes neoliberais que, por via do
choque e da terapia, avivam os focos vitais das contradições!
Alguns
que se deixam alienar poderão levar ao clímax a afirmação de que a história da
passagem do Che por África, terá sido “a história dum fracasso”, presos às
palavras do Che enquanto rigorosa mas não alienada autocrítica, uma autocrítica
relativa ao seu próprio desempenho perante o desconhecido que África era em
meados da década de 60 do século passado até para os mais puros dos
revolucionários…
Aqueles
que sustentam a poalha de sua passagem, demarcam-se por que tiveram a
oportunidade única de vida em função das linhas da frente, informais e formais,
para arrancar as grilhetas e as amarras do passado de trevas, a que se obrigam
por via de suas acções e não alienada sabedoria!
Esse
é também uma qualidade do próprio Movimento Não-Alinhado, na sua interpretação
de justiça mais activa!
Estamos
aqui para afirmar a sua poalha e dizer que essa longa e dialética Luta contra o
subdesenvolvimento é inerente a todas as transversalidades que se identificam
um pouco com a lógica de vida implementada com o exemplo do Che, por que essa
marca tem sido também intrínseca à própria trajectória dos maiores da
Libertação de todo o continente e essa chama subsiste, geração após geração,
mesmo que hajam tantos reveses no caminho, que não são reveses no fulcral, que
se prende à própria essência da vida!
Martinho
Júnior - Luanda,
9 de Outubro de 2017.
Fotos:
1-
O Che médico de crianças, à sua passagem libertária pelo Congo – médico algum,
imune da transversalidade mercenária do capitalismo neoliberal, poderá deixar
de reconhecer a essência da vida exposta por esta imagem;
2-
A revolução Simba no Congo, após o assassinato de Patrice Lumumba;
3- Memória em La Higuera, Valegrande, Bolívia;
4- 50 anos de memória dum meteoro que em vida se tornou no Che.
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