domingo, 17 de dezembro de 2017

MIL INQUIETANTES DIAS

Afonso Camões * | Jornal de Notícias | opinião

Em vésperas de Natal e dos festejos que todas as religiões devotam ao solstício, a ameaça de uma explosão de violência paira sobre Jerusalém, a capital disputada onde se trava a paz. O presidente norte-americano incendiou o pavio ao declarar a Cidade Santa como capital de Israel. De costas para o Mundo, contra a comunidade palestiniana e apesar das advertências da generalidade dos líderes muçulmanos e dos seus aliados ocidentais, Donald Trump dinamita, assim, 70 anos de consenso internacional sobre o delicado estatuto daquele solo de partilhas que acolhe lugares sagrados não só do judaísmo, mas também do islão e do cristianismo.

A aliança entre os Estados Unidos e Israel é, há décadas, o principal esteio do Estado judeu, que nasceu das cinzas morais da Segunda Guerra Mundial. Até hoje, porém, nenhum inquilino da Casa Branca tinha decidido ou anunciado transferir a embaixada americana de Telavive para Jerusalém, num espaço sagrado cuja parte oriental os palestinianos ainda reivindicam como capital do Estado que também reclamam - ali, onde a comunidade internacional nunca validou a soberania judaica.

Embora a mudança da sede diplomática seja uma operação para levar anos (e talvez nunca se concretize), a provocação de Trump rompe com décadas de política externa americana e abre um ciclo sombrio para as agonizantes negociações de paz entre israelitas e palestinianos, numa região do Médio Oriente onde os equilíbrios já estão muito abalados com a guerra da Síria, com as vagas de milhares de refugiados, com o terrorismo do autoproclamado Estado Islâmico e com os habituais conflitos na Cisjordânia e em Gaza. Eis como, no plano da política externa, e à parte a melena que lhe acentua o retrato, o presidente norte-americano ameaça virar a caricatura do homem-bomba que segura as calças com um cinturão de explosivos prontos a deflagrar, nem que seja verbalmente, sobre as gentes ou lugares de que ele não gosta ou desconhece. Eleito há um ano, e agora acossado internamente (acaba de perder as eleições para o Senado, no Alabama, onde o seu partido ganhava há 40 anos), Trump desafia a prudência para acenar aos seus eleitores mais radicais.

Podem não ter nenhuma razão os 27 psicólogos e psiquiatras norte-americanos que, em livro agora conhecido, afirmam que "uma pessoa mentalmente instável e de qualidades sociopáticas, como o senhor Trump, não deve exercer competências presidenciais com poder de vida ou morte". Mas é inquietante pensarmos que ainda lhe podem restar mais de mil dias com tal poder.

*Diretor do JN

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