Afonso
Camões * | Jornal de Notícias | opinião
Em
vésperas de Natal e dos festejos que todas as religiões devotam ao solstício, a
ameaça de uma explosão de violência paira sobre Jerusalém, a capital disputada
onde se trava a paz. O presidente norte-americano incendiou o pavio ao declarar
a Cidade Santa como capital de Israel. De costas para o Mundo, contra a
comunidade palestiniana e apesar das advertências da generalidade dos líderes
muçulmanos e dos seus aliados ocidentais, Donald Trump dinamita, assim, 70 anos
de consenso internacional sobre o delicado estatuto daquele solo de partilhas
que acolhe lugares sagrados não só do judaísmo, mas também do islão e do
cristianismo.
A
aliança entre os Estados Unidos e Israel é, há décadas, o principal esteio do
Estado judeu, que nasceu das cinzas morais da Segunda Guerra Mundial. Até hoje,
porém, nenhum inquilino da Casa Branca tinha decidido ou anunciado transferir a
embaixada americana de Telavive para Jerusalém, num espaço sagrado cuja parte
oriental os palestinianos ainda reivindicam como capital do Estado que também
reclamam - ali, onde a comunidade internacional nunca validou a soberania
judaica.
Embora
a mudança da sede diplomática seja uma operação para levar anos (e talvez nunca
se concretize), a provocação de Trump rompe com décadas de política externa americana
e abre um ciclo sombrio para as agonizantes negociações de paz entre israelitas
e palestinianos, numa região do Médio Oriente onde os equilíbrios já estão
muito abalados com a guerra da Síria, com as vagas de milhares de refugiados,
com o terrorismo do autoproclamado Estado Islâmico e com os habituais conflitos
na Cisjordânia e em Gaza. Eis como, no plano da política externa, e à parte a
melena que lhe acentua o retrato, o presidente norte-americano ameaça virar a
caricatura do homem-bomba que segura as calças com um cinturão de explosivos
prontos a deflagrar, nem que seja verbalmente, sobre as gentes ou lugares de
que ele não gosta ou desconhece. Eleito há um ano, e agora acossado
internamente (acaba de perder as eleições para o Senado, no Alabama, onde o seu
partido ganhava há 40 anos), Trump desafia a prudência para acenar aos seus
eleitores mais radicais.
Podem
não ter nenhuma razão os 27 psicólogos e psiquiatras norte-americanos que, em
livro agora conhecido, afirmam que "uma pessoa mentalmente instável e de
qualidades sociopáticas, como o senhor Trump, não deve exercer competências
presidenciais com poder de vida ou morte". Mas é inquietante pensarmos que
ainda lhe podem restar mais de mil dias com tal poder.
*Diretor
do JN
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