Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de
Notícias | opinião
Aparentemente, durante cerca de
três anos, nenhum dos sete deputados dos Açores e da Madeira que receberam em
duplicado subsídios de deslocação se questionou sobre a justeza desse apoio.
Para eles, era absolutamente normal receberem 500 euros por semana do
Parlamento para poderem efetuar uma viagem a casa (se não forem auferem na
mesma) e um subsídio à mobilidade extra-Parlamento pago aos residentes nas
regiões autónomas exatamente para o mesmo fim (para os Açores, o reembolso é
acima dos 134 euros, sem teto máximo; para a Madeira, acima dos 90 euros, até
um máximo de 400 euros). Durante cerca de três anos, pelo menos estes sete
deputados (cinco do PS, um do PSD e um do BE) foram reembolsados por viagens
que já estavam pagas. Enriquecendo, assim, à custa do erário público.
A lei não é clara sobre a
possibilidade de haver uma conjugação destas ajudas de custo, mas o mais
elementar bom senso e ética republicana não deixam dúvidas: trata-se de um
chico-espertismo politicamente inaceitável. Nesta, como noutras ocasiões, as
zonas cinzentas são usadas sempre em proveito dos "infratores".
Receber por dois lados até pode ser legalmente permitido, mas não deixa de ser
moralmente proibido. Deem as voltas que derem. O caso começa e acaba aí.
Não deixa, por isso, de ser
surpreendente que a segunda figura do Estado, o presidente da Assembleia da
República, Ferro Rodrigues, se tenha apressado a desembainhar a espada da
seriedade suprema para ilibar os deputados em causa, garantindo que "não
cometeram nenhuma ilegalidade, tendo beneficiado dos abonos e subsídios que
sempre existiram, sem polémicas ou julgamentos de caráter".
A linha de raciocínio é pobre. Se
sempre existiram, qual é o mal? Lamento, mas uma asneira não é atenuada por ser
muitas vezes repetida. Depois, a questão do caráter. Caráter? Deputados que
recebem dinheiro público para comprarem viagens que já estão pagas têm, nesse
particular, pouca defesa.
Teria sido mais prudente que
Ferro Rodrigues esperasse por todos os esclarecimentos legais para se vir
atravessar desta forma pela probidade dos deputados, incluindo, naturalmente,
pela probidade do presidente do PS e líder da bancada parlamentar, o açoriano
Carlos César, também ele em xeque.
Com isto, Ferro Rodrigues só
consegue que esta nova nódoa lançada sobre o Parlamento se espalhe com mais
rapidez junto daqueles que, por tudo e por nada, metem os políticos, e os
deputados, todos no mesmo saco. Ao querer dar uma lição de moral aos
populistas, Ferro Rodrigues só lhes amparou o discurso.
*Subdiretor
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