Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias
| opinião
A Direita portuguesa bem se tem
esforçado por moderar o discurso face ao evidente fracasso da estratégia de
empobrecimento e austeridade que apresentaram como inevitável. Mas não é
preciso procurar muito para encontrar no discurso de CDS e PSD as linhas mestras
do programa que, com a ajuda da troika, impôs ao país a mais violenta
austeridade. Afinal de contas, pode tirar-se o Governo da troika do país, mas
não se tira a troika do CDS e PSD.
Desta vez foi Assunção Cristas.
Questionada sobre as 35 horas semanais de trabalho, não hesitou em afirmar que
"precisamos de trabalhar muito porque infelizmente continuamos a estar
atrás dos outros países no que diz respeito à competitividade da nossa economia".
Por outras palavras, diz-nos Cristas que a competitividade da economia depende
de mais horas de trabalho, isto é, de mais trabalho por menos salário. Numa
única frase, a presidente do CDS resumiu o pensamento bafiento da troika sobre
o trabalho que, como se vê, não se distingue do seu. Em 2016, a Esquerda
conseguiu aprovar a reposição das 35 horas no setor público. Os partidos que
tinham aumentado o horário de trabalho no tempo da troika, PSD e CDS, votaram
contra a medida e justificaram o voto também com a ideia de que estaria a ser
criada uma desigualdade entre trabalhadores do público e do privado. Menos de
um ano depois, CDS, PSD e PS chumbaram as propostas da Esquerda para alargar o
horário de 35 horas semanais ao privado. A igualdade nunca foi e nunca será uma
preocupação para a Direita, porque a desigualdade é e sempre foi a sua única
política.
A ideia de que mais horas de
trabalho significam mais competitividade da economia levou a Direita a aumentar
o horário de trabalho e diminuir o salário, mas serviu também para justificar a
eliminação de feriados e dias de férias ou os cortes nos salários e horas
extras durante o tempo da troika. Três anos passados, Cristas ainda não
compreendeu que a fragilidade da economia portuguesa não está no pouco tempo de
trabalho, ou nos altos salários. É precisamente o contrário.
Até hoje, a aposta nos baixos
salários não fez mais que deixar o país preso a uma economia fraca, de baixas
qualificações, centrada em atividades de pouca intensidade tecnológica e valor
acrescentado. É esse o caminho que é preciso reverter. E a solução não é impor
jornadas de trabalho mais longas, como propõe Cristas. Em Portugal já se
trabalha mais tempo que a média europeia.
A solução está em menos horas de
melhor trabalho. E melhor trabalho, ou trabalho mais produtivo, resulta de uma
combinação de fatores em que o CDS não quer nem sequer pensar. Porque não é
possível pensar a sério em trabalho qualificado sem um forte investimento
público em educação, em ciência e investigação. Porque trabalho empenhado
requer um bom salário, segurança no vínculo laboral em vez de precariedade.
Numa palavra: dignidade. Ou seja, muito longe da visão elitista da educação que
o CDS defende e o contrário da prática de precarização laboral que o Governo da
troika impôs ao país.
O país precisa de discutir a sua
estratégia económica de futuro. Mas devemos rejeitar soluções que já
conhecemos, e que falharam. A proposta de Cristas não é mais que um regresso ao
passado.
*Deputada do BE
Sem comentários:
Enviar um comentário