As orientações existem e são
claras: se um conselheiro escolar precisar de avaliar se um aluno é
homossexual, este terá que ser encaminhado para o hospital. Isto mesmo
confirmou um ex-conselheiro escolar ao PONTO FINAL. A este jornal, o psicólogo
Henrik Hoeg alertou para os danos que tais “exames” podem trazer, e classificou
as afirmações da vice-directora da Direcção dos Serviços de Educação e
Juventude como “moralmente abomináveis”.
Um ex-conselheiro escolar
confirmou ao PONTO FINAL as directrizes da Direcção dos Serviços de Educação e
Juventude (DSEJ) de encaminhamento dos alunos homossexuais para o hospital
público. Ng (nome fictício), que actualmente é professor de Educação Moral e
Cívica numa escola secundária de Macau, garantiu que as orientações assumidas
na semana passada por Leong Vai Kei, vice-directora da DSEJ, existem, e
explicou que se devem ao facto da maioria dos conselheiros escolares serem
assistentes sociais, não tendo qualquer formação em aconselhamento ou psicologia.
Henrik Hoeg, psicólogo em
Hong Kong , afirmou, em declarações a este jornal, que estes
“exames”, para além de não serem “clínicos, científicos ou válidos”, são uma
“violação do direito à privacidade”.
Ainda que, segundo Ng, as
orientações da DSEJ refiram que um conselheiro escolar deve ser especializado
em psicologia, aconselhamento ou serviço social, a realidade é que a maioria
destes profissionais são assistentes sociais. Como consequência, continua o
professor, “se um conselheiro escolar precisar de uma avaliação oficial, a
única forma de o fazer é no hospital e existem orientações claras para isso”.
“A DSEJ tem um departamento para avaliar os estudantes com necessidades
educativas especiais, contudo, no que diz respeito à homossexualidade, não
existe nem um departamento nem psicólogos que possam escrever a avaliação
oficial para classificar as preferências do estudante. Por isso é que a
vice-directora disse que se um estudante está confuso quanto às suas
preferências homossexuais, a única forma é enviá-lo para um médico no
hospital”, explicou o ex-conselheiro, formado em Psicologia nos Estados Unidos
da América.
Ainda que Ng considere que esta
prática “não é a coisa correcta a fazer” e que “os conselheiros escolares podem
fazer mais antes de enviar os alunos para o hospital”, o professor sublinha que
“o sistema indica que o conselheiro escolar tem de enviar os alunos para lhes
ser feita uma avaliação antes de lhes dar apoio”. “Estas são as direcções da
DSEJ que nós temos de seguir. Se um conselheiro escolar suspeita que um aluno
tem preferências homossexuais, a única forma deles terem uma avaliação é
através de um médico no hospital. Muitos dos conselheiros não têm formação em
psicologia e por isso é que, se um assistente social tem problemas em classificar
um aluno como homossexual, apenas o pode encaminhar para o hospital”, explicou.
“OS DANOS PSICOLÓGICOS QUE TAIS
IDEIAS CAUSARAM HISTORICAMENTE SÃO TÃO ESMAGADORES QUE SÃO QUASE IMENSURÁVEIS”
Questionado quanto aos efeitos
que tais avaliações podem ter nos alunos, o psicólogo Henrik Hoeg começa por
afirmar que “tais ‘exames’ não são, de forma alguma, clínicos, científicos ou
válidos, são uma violação do direito à privacidade ao tentar excluí-los e os
seus efeitos provavelmente serão psicologicamente nocivos”. “Tentar
diagnosticar a homossexualidade nunca é um fim em si e invariavelmente leva à
discriminação e perseguição. O ‘diagnóstico’ ou quaisquer tentativas de
‘conversão’ não só são ineficazes mas profundamente inumanos e prejudiciais”,
declarou o também director-geral do Jadis Blurton Family Development Center.
Quanto às declaração de Leong Vai
Kei, que se referiu à homossexualidade como uma doença que requere um
“diagnóstico clínico”, Henrik Hoeg classificou-a de “moralmente abominável”.
“Não só está o consenso científico e psicológico em completo desacordo com a
afirmação da vice-directora, como a afirmação é moralmente abominável. Os danos
psicológicos que tais ideias causaram historicamente são tão esmagadores que
são quase imensuráveis. Recai não só nos profissionais médicos e psicólogos,
mas também nos aliados LGBTQ+ e cidadãos, denunciar os dirigentes que fazem
estas declarações danosas, discriminatórias e ultrapassadas”, afirmou.
Henrik Hoeg explicou ainda que o
“livro de psicologia que tem algumas descrições sobre o homossexual”, a que se
referiu Leong Vai Kei – o “DSM-5”
(“Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders”) –, “não pode ser
usado para diagnosticar a homossexualidade”. “A homossexualidade, como a
vice-directora a entende, não aparece desde a versão de 1973 do ‘DSM-II’. O
‘DSM-V’ não pode ser usado para diagnosticar a homossexualidade, nem faz
qualquer sentido usar a palavra ‘diagnóstico’ uma vez que a homossexualidade
não é absolutamente uma doença”, explicou o psicólogo. “Tendo em conta os
comentários, eu duvido muito que a vice-directora alguma vez tenha olhado para
o ‘DSM-V’”, acrescentou Hoeg.
Numa resposta enviada ao PONTO
FINAL, a Associação de Psicologia de Macau recorda que a Organização Mundial de
Saúde desclassificou a homossexualidade como uma doença em 1990. “Por outras
palavras, não existe qualquer associação inerente entre a orientação sexual e a
psicopatologia”, indicou. Por outro lado, a associação aponta que o estigma
social tem um impacto psicológico negativo nos indivíduos homossexuais. “O
preconceito e a discriminação limitam o seu acesso a apoio social e aumentam os
seus desafios com auto-aceitação, ansiedade, depressão e suicídio”, afirmou a
associação.
“É UM PROBLEMA SEVERO PORQUE
AFECTA MUITO A PRÓXIMA GERAÇÃO”
Para Ng, as declarações de Leong
Vai Kei reflectem um problema mais generalizado e não apenas as opiniões
pessoais da vice-directora. “O sistema de aconselhamento em Macau está muito atrasado.
Eles não contratam os profissionais para serem conselheiros escolares. Os
conselheiros escolares deviam ter algum treino em psicologia”, defendeu. Como
exemplo, o professor aponta os quatro anos em que foi conselheiro escolar,
durante os quais, apesar de ser formado em Psicologia, se um aluno precisasse
de uma avaliação formal, tinha que ser encaminhado para o hospital público.
“Ainda que a minha licenciatura me desse a autoridade de fazer o teste, eu não
o podia fazer por causa do meu título”, explicou.
Por outro lado, o professor
lamenta que a legitimidade dos psicólogos seja “minimizada” em Macau. “Muitas
pessoas não percebem aquilo que fazemos e por isso é que os casos de
homossexualidade são directamente enviados para os médicos. Muitos psiquiatras
não têm formação em aconselhamento, mas os psicólogos têm. Por isso é que eu
acho que alguns casos devem ser enviados para psicólogos, contudo, em Macau,
são todos enviados para psiquiatras”, critica. “O sistema em Macau tem de ser
actualizado. É um problema severo porque afecta muito a próxima geração. É um
problema e a DSEJ tem de saber que é um problema”, declarou Ng.
Catarina Vilanova | Ponto Final |
Foto: Eduardo Martins
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