Ana Alexandra Gonçalves* | opinião
As quintas-feiras e restantes
dias dos anos de presidência de Cavaco Silva foram marcadas, como se percebe
até pelos livros de sua autoria, pela mais inexorável inexistência de
autocrítica. Todos erraram, uns aparentemente de forma mais artística do que outros,
excepto, obviamente, ele próprio.
Paralelamente a essa ausência de espírito de auto-crítica, Cavaco presta-se à triste figura de revelar conversas com terceiros, tidas como conversas de Estado e, por inerência, privadas. Ao invés, o ex-Presidente preferiu revelá-las sem qualquer espécie de pudor, acrescentando as suas considerações sobre as conversas e sobre os interlocutores.
O segundo volume das
"Quintas-feiras e Outros Dias" de Cavaco Silva mais não são do que
mais um exercício próprio de um ressabiado que não quer ou não está preparado
para ser esquecido; um exercício próprio de quem se tornou absolutamente
irrelevante, apenas reconhecido pelo seu espírito tomado pela ignomínia.
Na verdade, as quintas-feiras de
Cavaco, as actuais, obrigam o antigo Presidente, até pelo vazio incomensurável
que arrastam consigo, a lembrar e a revelar ao mundo as outras quintas-feiras
(e restantes dias) em que sentia o peso do poder, da influência e da
relevância, em que se sentia determinante, até ao dia do nascimento de uma
geringonça que o contrariou e arrancou de si próprio a concretização de uma
solução governativa. Nesse dia e nos seguintes, Cavaco Silva percebeu que
afinal as circunstâncias sorriem, jocosamente, nas fuças do poder.
*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão
Imagem: Carton em Henry Cartoon - outubro de 2009
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