quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Portugal | O voto útil renasce nas próximas eleições


Paulo Baldaia * | Jornal de Notícias | opinião

O voto útil da Esquerda no PS ou da Direita no PSD morreu, mas pode vir aí o voto útil do centrão e uma eventual maioria absoluta de António Costa pode ser conseguida assim.

Há um eleitorado moderado, receoso de uma excessiva influência da Esquerda no Governo do PS, votante tradicional no PSD ou no CDS, que pode aparecer disponível para contribuir para uma maioria absoluta dos socialistas. Não é possível saber ainda quanto vale esse eleitorado, mas é certo que ele existe e mais se fará notar com a expectativa de que a Direita está muito longe de conseguir formar uma maioria. Um voto útil para muitos eleitores sociais-democratas, sem vontade de votar no PSD por causa da permanente guerrilha em que vive o partido, ou mesmo para eleitores mais à Direita que não ouvem o canto de sereia de Assunção Cristas, com promessas de vitória, e que preferem uma maioria de Costa a uma maioria com o Bloco e o PCP lá dentro.

Na convenção do Bloco de Esquerda, Catarina Martins recordou a morte do voto útil e desejou paz à sua alma. Com a solução parlamentar encontrada à Esquerda em 2015, viabilizando o Governo de um partido que não tinha ganho as eleições, tornou-se evidente, de facto, que deixou de fazer sentido o voto útil à Esquerda no PS para impedir um Governo de Direita ou no PSD para impedir um Governo do PS. Mas, se esse voto útil morreu, as campanhas do Bloco e PCP podem fazer crescer um outro voto útil nas próximas eleições. Um voto que só é possível depois de desfeito o tabu sobre a possibilidade de Bloco e PCP fazerem parte de uma solução governativa. Agora com mero apoio parlamentar, no futuro com a expectativa de integrarem esse Governo.

A diferença em relação aos socialistas, que o Bloco e o PCP quiserem mostrar em campanha, será tão mais eficaz quanto mais estes partidos estiverem perto do seu ADN político. Para captarem a atenção deste eleitorado de Esquerda, bloquistas e comunistas vão ter de regressar a alguma radicalização das propostas com que viveram antes de dar a mão ao PS. Dizer que a política do BE "é incompatível com o Tratado Orçamental", como lembrou Marisa Matias, ao mesmo tempo que Joana Mortágua garante que o Bloco quer "um Governo de Esquerda, com um programa de Esquerda", serve para segurar eleitorado à Esquerda mas também empurra eleitores do centro para o PS, procurando dar-lhe uma maioria absoluta que o liberte de uma radicalização no Governo.

Em campanha, Catarina Martins vai ter de repetir que "a política mudou porque o PS não teve maioria absoluta". É uma faca de dois gumes, porque com isso lembrará aos eleitores de Esquerda que uma maioria socialista traz o perigo de uma deriva à Direita e essa mesma perceção servirá para muitos dos eleitores de Centro-Direita procurarem evitar a repetição de uma "geringonça", dando ao PS mais força do que tem hoje. Afinal, quando o Bloco de Esquerda, como já antes tinha feito o PCP, diz que o atual acordo das esquerdas não é repetível e acrescenta estar pronto a ir para o Governo, para esses eleitores que temem uma radicalização de Esquerda, o que importa é saber o que querem os bloquistas fazer no Governo. Ouvir Catarina Martins, na convenção deste fim de semana, clamar que "a urgência é derrotar o Tratado Orçamental", porque "quando os tratados atacam o povo, é preciso mudar os tratados", assusta os eleitores mais moderados, que podem querer evitar chatices com a União Europeia. Dar uma maioria absoluta ao PS pode parecer, para esses eleitores do centrão, a melhor forma de evitar um reforço da Esquerda no poder.
O voto útil está morto. Longa vida ao voto útil!

*Jornalista

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