Fotógrafo moçambicano está a
construir residência artística longe de Maputo para aproximar arte e
comunidades. Em entrevista à DW, critica falta de apoio do Governo.
Mário Macilau quer levar a
fotografia às comunidades e acabar com a percepção, ou realidade, de que a arte
é só para as elites e de que o seu lugar é apenas a galeria.
Para isso, o fotógrafo
moçambicano está a construir uma residência artística longe da metrópole
Maputo, justamente para aproximar artistas e comunidades.
Quanto a parcerias com outros
fotógrafos moçambicanos, Macilau diz que desistiu, pois há muita coisa que
origina o seu fracasso, pelo que pode contar apenas com trabalho "a
solo".
DW África: O que tens estado a
fazer nos últimos tempos?
Mário Macilau (MM): Tenho
estado a fazer quase o mesmo: trabalhar à medida em que vou pesquisando. E
trabalhar para mim é muito consistente. Embora vá mudando com o tempo, vou
tendo novas ideias em termos de temas e também porque para mim a fortografia,
de uma forma geral, não é uma coisa estática. Então, tenho estado a aprender
com o avanço da tecnologia, com a introdução da fotografia digital, tenho
estado a trabalhar nisso. Isso criou alguma possibilidade de refletir sobre o
que eu fiz, despertando algo em mim.
A maioria do projetos que fiz no
passado era tão relevante que merecia uma continuação. Por mais que eu tenha
feito um projeto há três anos, os temas continuam lá e sofreram as suas
mudanças, evoluções e transformações. Eu também, como humano, tenho as minhas,
à medida em que vou crescendo e aprendendo, vejo a vida de uma outra forma. Com
isso, quero dizer que tenho estado a mexer nalguns projetos que não consigo
largar - como o movimento religioso Mazione, estou a trabalhar nisso desde
2016.
DW África: Para além dessa
recorrência de temáticas, alguma coisa mudou. O que é novo na tua temática?
MM: Como acabei de dizer,
Moçambique está a mudar. E o que mais me chama a atenção é a preservação de
valores culturais. Quando chegas a Maputo, vês na praia da Costa do Sol jovens
que praticam essas crenças e rituais [maziones], mas quando te encontras com
eles no escritório não querem que os reconheças. Para mim, isso tem a ver com o
capitalismo, com a globalização que estamos a viver. Estamos a tentar fugir da
nossa cultura para aceitar a cultura globalizada, algo que, a meu ver, não
deveria existir. Nesse sentido, uso a fotografia como uma forma de incentivar e
preservar esses valores culturais para que um dia sejam lembrados. Como se diz,
a fotografia é a memória e o testemunho.
DW África: Tens projetos
pessoais. Queres falar-nos de alguns deles?
MM: Esse é um dos projetos
pessoais que vai resultar num livro que vai sair já em março e também estou a
pesquisar outros temas em Moçambique.
DW África: E projetos que
beneficiem moçambicanos, como, por exemplo, oficinas de fotografia?
MM: Já há alguns anos que
tenho estado a tentar fazer em Moçambique e isso tem sido complicado devido ao
nosso famoso coro, que são as condições e os interesses do Governo. Mesmo
assim, não sou de culpar os outros e de parar, mas não é fácil. Tentei fazer
muitas coisas, como o festival de fotografia, que nunca chegou a funcionar,
tentei criar alguns prémios que não chegaram a funcionar e, neste momento,
estou a afastar-me um pouco de algumas energias a nível local, criando projetos
pessoalmente.
Estou a montar o meu centro de
residência na Ponta de Ouro e tenho o objetivo de convidar artistas de fora e
locais que possam criar projetos de modo a beneficiar a comunidade local e a
educar a mesma comunidade para que ela também entenda sobre a arte, porque
muitas vezes o artista cria projetos na comunidade e depois leva para uma
galeria que está no centro da cidade e quem frequenta é a elite. E depois,
quando criamos projetos, a comunidade não entende e reclamamos que a sociedade
não entende nada.
DW África: Disseste que tiveste
projetos que não funcionaram. Quais foram os entraves?
MM: Nesse projeto como
fotógrafo quis convidar pessoas para participarem, porque ninguém pode fazer
nada sozinho. Estava a andar tudo bem e as pessoas prometiam associar-se, mas,
na prática, não o faziam. Aquelas que aceitaram participar depois sentiram um
peso. porque não tinham nenhum retorno financeiro. porque não temos nenhum
apoio ou parceria a nível local. Até havia parcerias, mas só ofereciam o espaço.
DW África: E que tipo de
colaboração tens com o Ministério da Cultura?
MM: Não gosto muito de ser
pessimista, mas isso não existe.
DW África: Não há nenhum tipo de
aproximação? Não há fóruns específicos onde fotógráfos, por exemplo, se
encontrem periodicamente com algum departamento para discutir o andamento do
mundo da fotografia?
MM: Quanto ao Ministério da
Cultura, não existe mesmo nada, pelo que sei. Também reconheço que é uma
instituição política e administrativa, mas ela não funciona de modo a colaborar
com artistas a nível local. E não é só ao nível do Ministério, tenho estado a
expor muito pelo mundo fora e não existe nenhum interesse da embaixada de
Moçambique em querer, pelo menos, ver a exposição de um moçambicano. Existiram
apenas dois cônsules que foram muito simpáticos, como é o caso de Carlos dos
Santos, na altura em Londres e agora nos Estados Unidos, que faz sempre visitas
aos artistas e acomoda-os muito bem. Também há outro embaixador que está
no Dubai. Em quinze anos de exposições no estrangeiro, devo dizer que nunca
tive esse apoio do Governo.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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