Miguel Guedes | Jornal de
Notícias
Dizer que o governador do Banco
de Portugal goza de crédito, só mesmo como um exercício de ironia. Acreditar
nessa possibilidade é exercício de fé, dedicado e extremoso.
Não é possível sustentar Carlos
Costa sem que se alimente a suspeição de que reina a impunidade no reino das
castas. A falta de competência revelada na percepção dos buracos e aldrabices
do BES, Banif e CGD só encontra uma atenuante: cegueira. Mas não consta que se
aprovem créditos de olhos fechados. Perto do fim da legislatura, António Costa
terá que optar por uma das duas hipóteses: manter Carlos Costa no cargo (como
fez, no início de 2016, apesar das críticas que lhe dirigiu a propósito do
processo de decisão sobre os lesados dos BES ou sobre as conclusões da comissão
de inquérito ao Banif) ou avançar para a sua exoneração. A credibilidade e
equilíbrio do sistema financeiro também dependem da supervisão do Governo.
O histórico das suspeitas de
desregulação de Carlos Costa é aterrador e a recusa do Banco de Portugal em que
seja avaliado pela sua responsabilidade enquanto administrador executivo na CGD
(ao contrário do que sucede com outros ex-administradores) na aprovação de
créditos que não cumpriram os critérios do comité de risco, só sustenta a tese
de que os esconderijos são a melhor forma de encontramos buracos. Não vai longe
o tempo em que Carlos
Costa insinuava que Portugal, à semelhança de outros países,
procurava "reduzir a independência dos bancos centrais", no momento
em que o Governo pretendia criar uma autoridade nacional que reformulasse a
supervisão bancária. As acções de Joe Berardo, Manuel Fino e os 170 milhões de
euros do empréstimo para o empreendimento Vale do Lobo estão a rir-se,
certamente, gozando da sua indiscutível independência.
Responsabilidade é valor
acrescido que decorre da independência mas é valor que Carlos Costa desconhece.
As castas protegem-se pelo cerco dos limites. É certo que a protecção ao
governador por parte da lei orgânica do Banco de Portugal e do Banco Central Europeu
o torna quase intocável ou inamovível. Mas os contribuintes perguntam-se,
legitimamente, quantos mais bancos terão que ser intervencionados para que haja
uma admissão de vergonha. O BE propõe o afastamento de Carlos Costa, em
aditamento à viabilização da terceira comissão de inquérito à CGD. E à medida
que o tempo decorre, à espera das conclusões requentadas sobre a dimensão do
assalto à Caixa Geral, assistimos à forma como PS, PSD e CDS hesitam entre
defender a exoneração do governador ou a imoralidade de nada fazer enquanto
esperam. A cumplicidade não é um descuido e em democracia paga-se caro. Os
contribuintes que o digam.
* Músico e advogado
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
Sem comentários:
Enviar um comentário