sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Portugal | Governador no reino das castas


Miguel Guedes | Jornal de Notícias

Dizer que o governador do Banco de Portugal goza de crédito, só mesmo como um exercício de ironia. Acreditar nessa possibilidade é exercício de fé, dedicado e extremoso.

Não é possível sustentar Carlos Costa sem que se alimente a suspeição de que reina a impunidade no reino das castas. A falta de competência revelada na percepção dos buracos e aldrabices do BES, Banif e CGD só encontra uma atenuante: cegueira. Mas não consta que se aprovem créditos de olhos fechados. Perto do fim da legislatura, António Costa terá que optar por uma das duas hipóteses: manter Carlos Costa no cargo (como fez, no início de 2016, apesar das críticas que lhe dirigiu a propósito do processo de decisão sobre os lesados dos BES ou sobre as conclusões da comissão de inquérito ao Banif) ou avançar para a sua exoneração. A credibilidade e equilíbrio do sistema financeiro também dependem da supervisão do Governo.

O histórico das suspeitas de desregulação de Carlos Costa é aterrador e a recusa do Banco de Portugal em que seja avaliado pela sua responsabilidade enquanto administrador executivo na CGD (ao contrário do que sucede com outros ex-administradores) na aprovação de créditos que não cumpriram os critérios do comité de risco, só sustenta a tese de que os esconderijos são a melhor forma de encontramos buracos. Não vai longe o tempo em que Carlos Costa insinuava que Portugal, à semelhança de outros países, procurava "reduzir a independência dos bancos centrais", no momento em que o Governo pretendia criar uma autoridade nacional que reformulasse a supervisão bancária. As acções de Joe Berardo, Manuel Fino e os 170 milhões de euros do empréstimo para o empreendimento Vale do Lobo estão a rir-se, certamente, gozando da sua indiscutível independência.

Responsabilidade é valor acrescido que decorre da independência mas é valor que Carlos Costa desconhece. As castas protegem-se pelo cerco dos limites. É certo que a protecção ao governador por parte da lei orgânica do Banco de Portugal e do Banco Central Europeu o torna quase intocável ou inamovível. Mas os contribuintes perguntam-se, legitimamente, quantos mais bancos terão que ser intervencionados para que haja uma admissão de vergonha. O BE propõe o afastamento de Carlos Costa, em aditamento à viabilização da terceira comissão de inquérito à CGD. E à medida que o tempo decorre, à espera das conclusões requentadas sobre a dimensão do assalto à Caixa Geral, assistimos à forma como PS, PSD e CDS hesitam entre defender a exoneração do governador ou a imoralidade de nada fazer enquanto esperam. A cumplicidade não é um descuido e em democracia paga-se caro. Os contribuintes que o digam.

* Músico e advogado

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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