Governo gasta, sistematicamente,
mais do que arrecada. Para as teorias convencionais, país estaria quebrado. Mas
tornou-se uma superpotência global. Haverá algo errado com as velhas fórmulas
de “austeridade”?
David Deccache, editor do Economia à Esquerda | em Outras Palavras
No início de março, a China
anunciou um plano fiscal extremamente agressivo: dentre outros, irá injetar 800
bilhões de yuans [equivalentes a US$ 120 bi] na construção de
ferrovias e 1,8 trilhão de yuans [US$ 270 bi] para construir estradas
e transporte aquaviário.
Um desavisado poderia sugerir que
tanto investimento teria que ter como contrapartida aumentos de tributos.
Contudo, o Partido Comunista Chinês pretende fazer o oposto disso: uma mega
redução dos tributos. O governo cortará impostos e taxas para as empresas em um
total de 2 trilhões de yuans (US$ 298 bilhões).
Um questionamento surge
automaticamente ao nos depararmos com essa proposta de política fiscal: seriam
sustentáveis gastos acima da arrecadação por um longo período de tempo? Isso
não geraria uma crise econômica? Algum economista heterodoxo mais desconfiado
poderia alegar que uma política tão ousada só poderia ser realizada em um país
como os EUA, que possui como moeda o dólar (o Yuan só passou a fazer
parte da cesta de moedas de reserva do FMI em 2015).
Para respondermos a questão basta
olharmos para as finanças públicas da própria China nas últimas décadas: ao
analisar os anos de 1996 até 2016 constatamos que por todo o período a China
gastou mais do que arrecadou, ou seja, a política fiscal chinesa é
estruturalmente deficitária. Veja o gráfico:
E este modelo, baseado em uma
política fiscal estruturalmente deficitária em paralelo a um mega
intervencionismo estatal, culminou em um desastre econômico e social?
A resposta é um enfático
NÃO.
A China, que era um país
semi-feudal e miserável até metade do século passado, segundo o FMI poderá
ultrapassar os EUA e se tornar a maior potência econômica do planeta até
2030.
E o sucesso econômico chinês tem
se materializado em um verdadeiro milagre social: sob a liderança do Partido
Comunista Chinês, desde 1981,
a China retirou 853 milhões de pessoas da linha da
pobreza – 78% da redução do número de pessoas que vivem na pobreza no mundo.
Muitos alegariam que o fenômeno se dá por conta dos baixos salários. Porém, nos
últimos 11 anos, os salários horários na indústria chinesa cresceram 200%, ou
seja, um crescimento anual médio de 9,6%. Algo impressionante. Os salários na
China já são superiores aos pagos em outras economias periféricas como Brasil,
México e Argentina.
A China é a grande prova do que o
bom uso da soberania monetária é capaz.
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