sábado, 25 de maio de 2019

Extradição de Chang para Moçambique: "Vontade do povo? Que povo?"


Governo de Moçambique disse que a extradição do ex-ministro das Finanças Manuel Chang para o seu país, no caso das dívidas ocultas, é a expetativa do povo. Mas cidadãos ouvidos pela DW discordam.

O ministro da Justiça de Moçambique, Joaquim Veríssimo, afirmou esta semana que o povo tem "todo o interesse" na extradição do antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, para o seu país.

"Pelas razões sobejamente conhecidas", justificou o ministro, "sendo uma delas aquela que visa fundamentalmente proteger os interesses mais nobres do povo moçambicano, porque é o mais lesado e tem todo o interesse em julgar aquele que realmente criou prejuízo ao seu erário público."

Chang está detido na África do Sul desde o final de dezembro, a pedido dos Estados Unidos da América (EUA), onde é acusado de crimes financeiros, no caso das "dívidas ocultas".

Mas vários cidadãos ouvidos pela DW - tanto nas ruas de Maputo, como nas redes sociais - questionam as palavras de Joaquim Veríssimo.

Vontade do povo

"Povo? Que povo?", pergunta Fred Sortinho Mucavel. "Parem de escamotear a verdade invocando o nome do povo", pede este utilizador na página da DW no Facebook.

Mucavel acredita que não é a população em geral que quer julgar o ex-ministro Manuel Chang em Moçambique, mas sim "um certo punhado de gente que desde o começo usou o nome do povo e a bandeira nacional para alcançar os seus objetivos obscuros".

O tom do debate é marcado por uma questão central: será que a Justiça moçambicana saberá lidar com o processo de Chang?

Em entrevista à Rádio Moçambique, o ministro da Justiça Joaquim Veríssimo garantiu que sim: "Nós sabemos que a Procuradoria e outras instituições desde o princípio cuidaram desta questão das dívidas ocultas com propriedade. Mesmo o Governo se posicionou perante esta situação", disse.

Mas, mais uma vez, vários cidadãos ouvidos pela DW duvidam das palavras do ministro. "Vamos ver se a Procuradoria, que dizia não ter instrumentos, agora vai ter", afirmou um deles em Maputo.

Julgado à revelia nos EUA?

Um dos grandes receios é que a política influencie as decisões da Justiça: "Em Moçambique não existe aquilo a que chamamos de separação de poderes. Até porque o Sr. Manuel Chang ainda é deputado da Assembleia da República. Ainda é imune", comenta Basílio Mbazo.

Hélio Reno Sale admite também que o sistema judiciário de Moçambique não tenha "capacidade, nem independência, para julgar um arguido como Manuel Chang. Por isso é que quase 90% dos moçambicanos desejam que o julgamento fosse nos EUA, onde há independência nos órgãos de Justiça".

Os EUA foram os primeiros a enviar à África do Sul um pedido para a extradição de Manuel Chang. Mas o ministro sula-africano da Justiça e Serviços Correcionais, Michael Masutha, disse que resolveu extraditar Chang para Moçambique por o ex-ministro ser cidadão moçambicano e por o alegado crime ser "cometido enquanto ele era ministro".

Além disso, Masutha declarou: "Tomei nota que o pedido feito pelos EUA foi submetido algumas semanas antes do da República de Moçambique. No entanto, tendo considerado o assunto no seu contexto total, tendo em conta os critérios previstos quer no Tratado de Extradição EUA-África do Sul, por um lado, e no Protocolo sobre Extradição da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral [SADC, na sigla em inglês), pelo outro lado, bem como os factos relevantes, acredito que o interesse da Justiça será mais bem servido acedendo ao pedido da República de Moçambique".

Ainda assim, em entrevista à DW, o analista político e advogado Job Fazenda refere que, mesmo sendo extraditado para Moçambique, o ex-ministro Manuel Chang poderá ainda enfrentar a Justiça norte-americana.

"A única coisa que vai acontecer a Manuel Chang, estando em Moçambique, é que o julgamento vai acontecer à revelia, porque ele não é único réu no processo. E, sendo ele condenado, nunca vai passar por um Estado que tenha acordo de extradição com os EUA", diz Fazenda.

Romeu da Silva (Maputo), Guilherme Correia da Silva | Deutsche Welle

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