Manuel Carvalho da Silva* | Jornal
de Notícias | opinião
O significativo debate público e
o comentário político sobre a "descomendarização" de Joe Berardo
necessitam de alguma arrumação para nos focarmos no que é fundamental.
Berardo é um indivíduo um pouco
tosco e não é filho de "boas famílias". Essa condição propicia à
Direita uma oportunidade única de se mostrar indignada com vilões e malandros e
de, com essa atitude, procurar esconder o que é sistémico e deve ser resolvido.
Enquanto vilão que é, este senhor terá de ser punido, obrigado a pagar as
dívidas e ainda ser penalizado por obrigações que não cumpriu. Mas, ele é
apenas um de muitos oportunistas que ao longo de décadas se aproveitaram das
práticas promíscuas e de leis feitas à medida pelo centrão de interesses que
nos tem governado.
É preciso uma identificação dos
negócios desastrosos e das promiscuidades entre interesses públicos e privados:
quais as suas causas e consequências e de quem foram os seus responsáveis, numa
perspetiva sistémica e não num exercício de tiro ao alvo. Não podem passar
impunes os banqueiros pilha-galinhas, os seus amigos credores privilegiados, os
falsos "empresários de sucesso" (andam por aí discretos mas não
desativados) tão vergonhosamente incensados em atos políticos e na Comunicação
Social.
Não podemos permitir o parasitismo
que tem tolhido o país e agravado as injustiças. Reparemos no que se passa com
a Banca. Depois de receber mais de 20 mil milhões de euros de dinheiro público
continua, com todo o à-vontade, a parasitar a sociedade portuguesa. Agora, que
os bancos se gabam de estar a voltar aos lucros, seria de esperar práticas mais
justas, mas não. O que está a acontecer é que todos, incluindo o banco público
gerido como se fosse privado, se lembraram, de forma concertada ou não, de
aumentar as comissões - as taxas e taxinhas - sobre toda a qualidade de
transações.
Num sistema em que os cidadãos
são dependentes dos serviços bancários, nem que seja pelo facto de serem
obrigados a receber os ordenados, os vencimentos e as pensões por
transferência, aumenta a comissão sobre um simples levantamento de numerário ao
balcão, sobre a atualização de uma caderneta da CGD, sobre um pagamento por
transferência e ainda, como cereja em cima do bolo, a "taxação" dos
levantamentos nos multibancos. Apanham o povo prisioneiro deste parasitismo e
teimam na missão de o ensinar a viver com menos rendimentos.
É tempo de se concluir que há
algo de muito errado com a Banca. Algo que não pode ser corrigido com mais
regulação, sobretudo quando os reguladores são intérpretes daqueles cambalachos
e gente que veio da própria Banca, ou a ela tenciona regressar, no final dos
seus mandatos. Os bancos são entidades que prestam um serviço público, são de
missão pública por natureza. São os cidadãos que pagam a fatura quando as
coisas correm mal, se bem que não seja o público que recebe quando as coisas
correm bem. O que está então fundamentalmente errado? É a "concessão"
dos serviços bancários a entidades privadas, que os gerem a seu belo prazer,
apenas com o intuito de maximizar os lucros dos seus acionistas.
No que à retirada de comendas diz
respeito, se for constituída uma comissão com essa missão ela vai ter um
trabalho muito prolongado.
*Investigador e professor
universitário
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