terça-feira, 25 de junho de 2019

Portugal | Benefícios fiscais para quê e para quem


Ricardo Paes Mamede | Diário de Notícias | opinião

São mais de 500 os benefícios fiscais existentes em Portugal. Esta é uma das conclusões do relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais(GTEBF), tornado público na semana passada. O número impressiona por uma razão óbvia: um benefício fiscal é uma excepção às regras gerais sobre o pagamento de impostos. Meio milhar de casos soa mais a regra do que a excepção. Mas este é apenas um dos alertas que emergem do documento.

Na maioria das situações, os benefícios fiscais prosseguem objectivos extrafiscais. Ou seja, existem para promover comportamentos considerados socialmente desejáveis (investimento em zonas desfavorecidas, contratação de desempregados de longa duração, etc.) ou para aliviar as dificuldades de pessoas em situação de desvantagem (deficientes, por exemplo). No entanto, a análise desenvolvida pelo GTEBF mostra que em muitos casos não é possível identificar de forma clara os motivos que justificam a existência dos benefícios. Quem lê os textos legais que os criaram não consegue perceber que objectivos específicos visam atingir.

Para que uma dada política pública se justifique não basta identificar os objectivos que prossegue. É preciso também mostrar que esses objectivos não podem ser mais adequadamente atingidos por outras vias, como seja a regulação dos comportamentos ou a atribuição de subsídios. Também aqui os documentos legais não permitem perceber ou deduzir por que se optou por esta via e não outra.


A falta de clareza quanto aos seus objectivos e à sua justificação sugere que os benefícios fiscais têm sido utilizados em Portugal de forma pouco criteriosa e pouco selectiva. Há motivos para isso. Ao contrário dos subsídios, a despesa associada aos benefícios fiscais não é apresentada no Orçamento do Estado por função orgânica, o que significa que não afecta o orçamento de cada Ministério. Na perspectiva de um ministro ou de um secretário de Estado que, por algum motivo, queira satisfazer os interesses de qualquer grupo de pressão, os benefícios fiscais são uma forma barata de fazer política. Barata para os próprios, mas não necessariamente apropriada ou justa para o conjunto da sociedade.

O problema agrava-se porque em vários casos é muito difícil apurar a despesa fiscal associada ou sequer o número de beneficiários - seja antes ou depois da entrada em vigor do benefício. O resultado é a proliferação de excepções à regra que representam um custo para o país, mas que não sabemos de facto se cumprem uma função útil do modo mais adequado.

Perante este cenário, o GTEBF (que tive o prazer de integrar) propôs um conjunto de princípios orientadores simples para a utilização de benefícios fiscais em Portugal: transparência, monitorização e avaliação. É possível aumentar a transparência na criação de benefícios fiscais exigindo a quem toma a iniciativa de os criar que identifique de forma clara os objectivos, os beneficiários potenciais, os resultados esperados e a forma de os medir. A identificação de indicadores de execução permite monitorizar a implementação dos incentivos, tanto do ponto de vista financeiro como do seu grau de utilização pelos beneficiários potenciais. A avaliação dos resultados pode ser mais exigente e nem sempre será possível concluir de forma inequívoca se um benefício fiscal cumpriu ou não os objectivos para os quais foi criado. Em qualquer caso, é desejável a existência de momentos públicos de balanço, que contribuam para identificar as potencialidades e as limitações de cada medida, tirando partido da informação disponível.
Na verdade, as propostas do GTEBF não se aplicam apenas a este tipo de intervenção do Estado. A necessidade de melhorar os processos de concepção e acompanhamento aplica-se a vários outros instrumentos e medidas de política.

As finanças públicas ficariam provavelmente a ganhar caso aquelas propostas fossem acolhidas, mas esta não é sequer a maior vantagem. Mais transparência nas tomadas de decisão, mais racionalidade nas opções e mais discussão aberta sobre as orientações de política pública contribuem para construir uma democracia mais sólida. Mais do que as contas certas, é isto que nos deve preocupar.

*Economista e professor do ISCTE-IUL. Escreve de acordo com a antiga ortografia.

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