Ricardo Paes Mamede | Diário de
Notícias | opinião
São mais de 500 os benefícios
fiscais existentes em Portugal. Esta é uma das conclusões do relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos
Benefícios Fiscais(GTEBF), tornado público na semana passada. O número
impressiona por uma razão óbvia: um benefício fiscal é uma excepção às regras
gerais sobre o pagamento de impostos. Meio milhar de casos soa mais a regra do
que a excepção. Mas este é apenas um dos alertas que emergem do documento.
Na maioria das situações, os
benefícios fiscais prosseguem objectivos extrafiscais. Ou seja, existem para
promover comportamentos considerados socialmente desejáveis (investimento em
zonas desfavorecidas, contratação de desempregados de longa duração, etc.) ou
para aliviar as dificuldades de pessoas em situação de desvantagem
(deficientes, por exemplo). No entanto, a análise desenvolvida pelo GTEBF mostra
que em muitos casos não é possível identificar de forma clara os motivos que
justificam a existência dos benefícios. Quem lê os textos legais que os criaram
não consegue perceber que objectivos específicos visam atingir.
Para que uma dada política
pública se justifique não basta identificar os objectivos que prossegue. É
preciso também mostrar que esses objectivos não podem ser mais adequadamente
atingidos por outras vias, como seja a regulação dos comportamentos ou a
atribuição de subsídios. Também aqui os documentos legais não permitem perceber
ou deduzir por que se optou por esta via e não outra.
A falta de clareza quanto aos
seus objectivos e à sua justificação sugere que os benefícios fiscais têm sido
utilizados em Portugal de forma pouco criteriosa e pouco selectiva. Há motivos
para isso. Ao contrário dos subsídios, a despesa associada aos benefícios
fiscais não é apresentada no Orçamento do Estado por função orgânica, o que
significa que não afecta o orçamento de cada Ministério. Na perspectiva de um
ministro ou de um secretário de Estado que, por algum motivo, queira satisfazer
os interesses de qualquer grupo de pressão, os benefícios fiscais são uma forma
barata de fazer política. Barata para os próprios, mas não necessariamente
apropriada ou justa para o conjunto da sociedade.
O problema agrava-se porque em
vários casos é muito difícil apurar a despesa fiscal associada ou sequer o
número de beneficiários - seja antes ou depois da entrada em vigor do
benefício. O resultado é a proliferação de excepções à regra que representam um
custo para o país, mas que não sabemos de facto se cumprem uma função útil do
modo mais adequado.
Perante este cenário, o GTEBF
(que tive o prazer de integrar) propôs um conjunto de princípios orientadores
simples para a utilização de benefícios fiscais em Portugal: transparência,
monitorização e avaliação. É possível aumentar a transparência na criação de
benefícios fiscais exigindo a quem toma a iniciativa de os criar que
identifique de forma clara os objectivos, os beneficiários potenciais, os
resultados esperados e a forma de os medir. A identificação de indicadores de
execução permite monitorizar a implementação dos incentivos, tanto do ponto de
vista financeiro como do seu grau de utilização pelos beneficiários potenciais.
A avaliação dos resultados pode ser mais exigente e nem sempre será possível
concluir de forma inequívoca se um benefício fiscal cumpriu ou não os
objectivos para os quais foi criado. Em qualquer caso, é desejável a existência
de momentos públicos de balanço, que contribuam para identificar as
potencialidades e as limitações de cada medida, tirando partido da informação
disponível.
Na verdade, as propostas do GTEBF
não se aplicam apenas a este tipo de intervenção do Estado. A necessidade de
melhorar os processos de concepção e acompanhamento aplica-se a vários outros
instrumentos e medidas de política.
As finanças públicas ficariam
provavelmente a ganhar caso aquelas propostas fossem acolhidas, mas esta não é
sequer a maior vantagem. Mais transparência nas tomadas de decisão, mais
racionalidade nas opções e mais discussão aberta sobre as orientações de
política pública contribuem para construir uma democracia mais sólida. Mais do
que as contas certas, é isto que nos deve preocupar.
*Economista e professor do
ISCTE-IUL. Escreve de acordo com a antiga ortografia.
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