Fernanda
Câncio | TSF | opinião
Esta semana, um artigo
abertamente racista foi publicado no Público.
Como há quem insista em que o
artigo não é racista, mas "apenas uma opinião", é preciso explicar o
óbvio: o racismo é isso mesmo, uma opinião. A opinião de que há raças humanas;
que isso, a "raça", define os indivíduos; que há raças superiores e
inferiores. E essa opinião costuma ter consequências. Foi ela que, por exemplo,
em Portugal determinou a legalização da escravatura dos negros até ao século
XIX e do trabalho forçado dos negros até 1962; a perseguição aos ciganos ao
longo da história da Europa; os holocaustos judeu e cigano perpetrados pelos
nazis; e muitas outras atrocidades do passado, presente e, pelo que se vai
vendo, do futuro.
Isto assente, vamos ao ponto
seguinte: porque é que o tal artigo é racista?
Para começar, divide as pessoas
que vivem em Portugal em três categorias: "lusitanos, africanos e
ciganos." Partindo do princípio de que não se refere à mítica tribo de
Viriato, concluímos que a categoria "lusitanos" se define por oposição
a "africanos" e "ciganos", os quais também apelida de
"minorias exóticas", que, frisa, "nunca se dissolverão na
comunidade autóctone".
Estes "lusitanos" ou
"comunidade autóctone" são o "nós" que, diz o artigo,
"nada tem a ver" com "o mundo deles".
Temos pois um "mundo do
nós", que nesta altura já todos percebemos que para a autora é dos brancos
(seja lá isso o que for). E uma divisão das pessoas - supondo que a autora
considera as três categorias pessoas - com base na ideia de "raça";
sendo que as "raças" correspondem a "mundos que nada têm a ver
uns com os outros".
O racismo do texto não é pois só
- e já seria suficientemente racista - definir grupos de pessoas com base na
categorização racial. É um racismo que faz a apologia da segregação ao afirmar
que nesse mundo do "nós", dos "brancos", os ciganos
"são inassimiláveis". Ou seja, nunca poderão fazer parte da
comunidade do "nós". O mesmo vale para "os africanos" e
para "as tribos muçulmanas", nas quais, garante - é uma das
repelentes falsidades de que o texto está repleto --, "a excisão genital
feminina é imperativa".
Se tais grupos de pessoas não são
"assimiláveis", a autora só pode estar a defender que vivam à parte -
isto, claro, na melhor das hipóteses. Até porque, diz, ciganos e africanos não
são assimiláveis porque nem uns nem outros "descendem dos Direitos
Universais do Homem decretados pela Revolução Francesa", nem
"partilham, de um modo geral, os mesmos valores morais".
Ou seja: se não têm os valores
dos direitos humanos e os "valores morais" da comunidade, são selvagens,
não é isso? E selvagens, frise-se, sem sequer hipótese de serem
"elevados" à civilização.
Não, não é fácil encontrar uma
tão clara e descomplexada expressão de racismo fora de manifestos de
terroristas supremacistas, de grupelhos nazis e das caixas de comentários. Encontrámo-la no Público, porém. Que o jornal tenha publicado tal coisa já é
mau que chegue; mas vemos ainda quem protesta a ser acusado de
"perseguição" e de querer "proibir opiniões contrárias".
Como se dizer que a um texto assim não podia ser dado visto de publicável fosse
o mesmo que calar a autora. Ou decretar que, por não comungar dos nossos
valores, não tem lugar na comunidade.
Como se chamar-lhe racista fosse
impedi-la de o ser.
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