Se há algo que devia unir a
humanidade é a inescapável conclusão de que todos precisamos de oxigénio. Se
isso bastasse para salvar a Amazónia poderíamos dormir descansados.
A Amazónia está a arder. Já todos
vimos as imagens, na descrição da tragédia não resta muito espaço para as
palavras. A Amazónia faz parte do nosso património afetivo e de sobrevivência
com o planeta que habitamos. Se há algo que devia unir a humanidade é a
inescapável conclusão de que todos precisamos de oxigénio. Se isso bastasse
para salvar a Amazónia poderíamos dormir descansados. Não basta, e é preciso
entender porquê.
Bíblia, Boi e Bala. Um B para a
frente parlamentar evangélica, defensora da generalização da “cura gay” e
outros atentados aos direitos humanos. Um B para agrupar todos os parlamentares
com interesses no agronegócio, também chamada de bancada ruralista. Um B para
os armamentistas, frente parlamentar de militares e polícias convictos de que
os problemas de segurança do Brasil se resolvem pondo uma arma na mão e uma
bomba nas garantias democráticas de cada cidadão. E um B para os unir a todos:
Bolsonaro.
Um dos setores mais poderosos é o
da agropecuária, atividade exportadora encarada como um dos suportes da
economia brasileira. A agenda política desse setor serve um único objetivo:
expandir o agronegócio aumentando a área de exploração e as margens de lucro.
Para isso é preciso 1)
enfraquecer a proteção dos indígenas e ocupar os seus territórios protegidos;
2) alargar a malha da definição de trabalho escravo e indigno, no qual estão
envolvidos alguns dos parlamentares desta bancada; 3) acabar com as
penalizações por crimes ambientais; 4) liberalizar o desmatamento e o tipo de
atividade permitida (como mineração); 5) flexibilizar a legislação dos agrotóxicos;
6) enfraquecer, e se possível criminalizar, as ONG’s ambientais.
Com a tomada de posse de Jair
Bolsonaro esta agenda ganhou novo alento. O agronegócio deixou de ter contatos
com o Governo e passou a ser o Governo. Para estes ruralistas, na sua maioria
habituados a agir fora de lei, Bolsonaro disse o que precisavam de ouvir:
“— Não pode continuar assim. 61%
do Brasil você não pode fazer nada. Tem locais aqui que você, para produzir uma
coisa, você não vai produzir porque você não pode (andar) em uma linha reta
para exportar, tem que fazer uma curva enorme para desviar de um quilombola,
uma terra indígena, uma área de preservação ambiental. Estão acabando com o
Brasil. Se eu fosse fazendeiro, eu não vou falar o que eu faria, não, mas eu
deixaria de ter dor de cabeça.”
Em poucos meses multiplicaram-se
ataques e assassinatos nos acampamentos do Movimento dos Sem Terra e nas
reservas indígenas. Até que no dia 10 de agosto um grupo de ruralistas quis ser
a mão cega que interpreta e ateia os desígnios do Presidente. No Dia do Fogo,
dezenas de queimadas ilegais invadiram áreas protegidas da Amazónia sem que os
alertas iniciais tivessem sido escutados.
As mobilizações de repúdio
internacional pela destruição da Amazónia não tardaram. Mobilizações populares
em todo o mundo, cientistas, artistas, ONU, responsáveis internacionais fizeram
saber da sua preocupação referindo-se explicitamente às queimadas. Só Trump
alinhou com o amigo Bolsonaro.
Não há duvida de que a
solidariedade internacional é necessária. Independentemente das crises
diplomáticas, do acordo UE- Mercosul (ele próprio fertilizante do agronegócio,
dos ataques ambientais e da insegurança alimentar), o Brasil deve receber toda
a ajuda que precisar para apagar aqueles fogos.
Mas não há água que apague o Dia
do Fogo. De que serve, e a quem se dirige, a solidariedade que omite os
responsáveis pelo empoderamento dos ruralistas, que não censura as políticas
anti ambientais do Governo, que não condena ataques e assassinatos a ONGs e
povos indígenas.
A Amazónia está a arder em nome
do lucro do agronegócio protegido por um governo com um nome: Jair Bolsonaro.
Ao esconder isso em palavras surdas atrás do biombo da solidariedade, a atitude
do Governo português não esteve à altura. Há momentos em que o silêncio é cúmplice
e este não pode ser um deles.
*Deputada do Bloco de Esquerda
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