Daniel Deusdado | Diário de Notícias
| opinião
Eu nunca abasteci na ANTRAM, a
associação que transporta combustíveis. E você? Perante esta greve, parece que
sim. É curioso: as petrolíferas dizem há muitos anos que amam os portugueses.
Dão-nos pontos e descontos, apps no telemóvel com alertas e juras de amor. Pedem-nos fidelidade! Até que um dia descobrimos que é falso. Afinal não são
marcas com "valores" e "sustentabilidade social", mas
apenas empresas que atuam no mercado global e subcontratam para não terem
responsabilidades. Onde está agora a lealdade da Galp, BP, Repsol, Cepsa, Prio,
etc...? Onde?
A minha tese é a seguinte:
lembram-se da velha discussão sobre a concertação de preços do combustível em
Portugal? As petrolíferas garantem que não há concertação de preços mesmo que
sejam idênticos (às vezes alinhados à milésima). A razão apontada até tem uma
certa lógica: tudo no mercado dos combustíveis é "padrão" - o custo
do crude é cotado nas bolsas; o transporte em navio também; idem para o valor
na refinação; e por aí fora. É tudo igual. Portanto os preços quase não variam
e na prática todos sentimos isso - até nos descontos, as marcas que dominam 80%
do mercado atuam de forma muito parecida. A própria Autoridade da Concorrência
diz que não há vestígios de concertação. Sim, esfrega-se os olhos e não se
acredita: cartel! Parece. Afinal, não é, dizem os especialistas.
Ora, se os custos do negócio são
genericamente "iguais", fruto do tal "benchmark internacional, a
remuneração operacional deveria corresponder a essa "tabela" - em
percentagem, claro.
Ficamos a saber em Abril que os
motoristas ganhavam miseravelmente. Aparentemente eles provaram que não estavam
no "padrão"... Perante a pressão, os donos dos camiões cederam. Falta
agora saber porque não cedem mais. E esta é a questão central: os patrões da
ANTRAM retêm uma margem excessiva para si ou as petrolíferas pagam mal em
Portugal o custo do transporte?
Portanto, sr. ministro Pedro Nuno
Santos, seria bom saber se é a ANTRAM que fica com a fatia grossa do negócio ou
se, pelo contrário, também os donos dos camiões-cisterna estão a ser espremidos
ao limite pela petrolíferas - e com isso não podem fazer mais aumentos aos
motoristas. Porque este não é um mercado qualquer. É um oligopólio.
Diz-me a experiência que a margem
do negócio do transporte não é normalmente extraordinária. Muito menos quando
as empresas têm de negociar com um cartel (tecnicamente se os preços do negócio
são todos iguais, há um "cartel"... involuntário...).
Todavia, para se chegar a
conclusões objetivas, o Governo deveria voltar a convocar a ANTRAM, o sindicato
e... o elefante da sala, a associação das petrolíferas, a APETRO. Está na hora
de se estudar, durante algumas semanas, se o que as petrolíferas pagam no
"outsourcing" em Portugal é mais alto ou mais baixo (em percentagem)
do que o padrão internacional do mercado do petróleo. E descobrir sem margem
para dúvidas quem está a ser vítima de um sequestro (para além de nós todos).
Isto não exclui a absoluta
insensatez do dr. Pardal em forçar esta greve de Agosto, depois de ter
conseguido notáveis resultados em Abril. Pior: os motoristas, que acabaram por
ter a simpatia dos portugueses, estão tão cegos na sua vaidade mediática e na
espiral de grupo, que não conseguem já perceber a selvajaria que vão
desencadear.
O próprio Governo está a tentar
minimizar os danos mas a deixar na praia quem tem o poder de inverter a
situação. Aliás, pode ter-me escapado algo, mas não vi nenhuma notícia de um
encontro entre os presidentes das principais petrolíferas, algo como uma reunião
de crise e um contributo dos seus milhões de lucros anuais para uma solução...
Mais: vá-se até ao site da APETRO, a associação das petrolíferas portuguesas.
Chega-se à página inicial e...? Greve? Qual greve? Nada. O problema não é
deles, é entre a ANTRAM e o sindicato do dr. Pardal. E nosso.
"Menos ais, menos ais, menos
ais... queremos muito mais!". Lembram-se? No meio de tanta soberba e
incompetência de um setor inteiro, ainda vamos a tempo de suspender a greve e
começar estudos e negociações com critérios objetivos, de boa-fé. Os
portugueses não merecem ser sequestrados.
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