domingo, 22 de setembro de 2019

A Imprensa Farroupilha: a guerra da palavra impressa


Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre | Brasil
                                                                            
A imprensa cumpriu um papel importante no período pré-revolucionário e durante a Revolução Farroupilha (1835-1845).  A partir do surgimento, em 1º de junho de 1827, do primeiro jornal da Província de São Pedro - o Diário de Porto Alegre - facções políticas, como liberais moderados, restauradores (caramurus) e liberais exaltados (farroupilhas),  passaram a expressar suas ideias por meio da imprensa da Capital e do interior. Estes jornais foram o embrião do nosso jornalismo político-partidário. 
    
Os jornalistas Carlos Reverbel (1912-1997) e Elmar Bones, no livro Luiz Rossetti: o editor sem rosto & Outros Aspectos da Imprensa no Rio Grande do Sul (1996), sobre os anos de 1827 a 1850, na pág. 23, registraram: “Neste período foram lançados 61 jornais em Porto Alegre e 37 em outros pontos da então província, acrescido de três títulos de jornais fundados pela República Rio-Grandense.” De 1838 a 1843, circularam os seguintes órgãos oficiais: O Povo (Piratini:1838-1839 e Caçapava:1839-1840); O Americano (Alegrete:1842-1843) e Estrella do Sul (Alegrete:1843).

Há 184 anos, o primeiro óbito, ao iniciar a Revolução Farroupilha, na madrugada de 20 de setembro de 1835, no combate da Ponte da Azenha, foi do jornalista Antônio José Monteiro, o “Prosódia”, responsável pelo jornal legalista O Mestre Barbeiro (1835). Considerado o menor jornal publicado na imprensa gaúcha, segundo o jornalista Sérgio Dillenburg, este media: 16 cm x 11 cm

Outro importante jornal foi O Noticiador (1832-1836). Fundado na cidade de Rio Grande, este foi o primeiro a ser publicado no interior da província. Conforme o historiador Aurélio Porto (1879-1945), seu redator e criador Francisco Xavier Ferreira (1771-1838), o “Chico da Botica”, foi o responsável pela estruturação das lojas maçônicas na província. Em seu jornal, ele criticou o tráfico negreiro e combateu o centralismo do Império. Monarquista constitucional, ele presidia a nossa Assembleia Legislativa, na ocasião em que a Capital foi retomada pelos imperiais em 15/06/1836. Enviado para o Rio de Janeiro, lá faleceu na prisão.




Marco da fase pré-revolucionária, O Constitucional Rio-Grandense (1828-1831), redigido pelo liberal Vicente Ferreira Gomes, o Carona, denunciava as arbitrariedades do governo imperial em relação à província. A importância política deste redator, além dele ser o seu trisavô, motivou a jornalista Célia Ribeiro a realizar uma pesquisa, que resultou, em 2012, no livro O Jornalista Farroupilha: Vicente Ferreira  Gomes  1805-1837, publicado pela editora Libretos. 

Já a presença do imigrante alemão, na Revolução Farroupilha (1835-1845), está representada no jornal O Colono Alemão (1836). Criado por Hermann Von Salisch (1797-1837), o jornal procurava arregimentar os colonos à causa farroupilha, Como não havia uma tipografia na Colônia de São Leopoldo, o jornal era impresso em Porto Alegre. 

Importante destacar o nome da primeira jornalista no Brasil, a gaúcha Maria Josefa Barreto Pereira Pinto (1787-1837), nascida em Rio Pardo ou, segundo outros historiadores, em Viamão. Redatora  e  proprietária do jornal legalista Belona irada contra os sectários de Momo (1833-1834), este defendia de forma ferrenha a volta  de dom Pedro I, após a sua abdicação, em 1831, ao trono no Brasil.

Quanto à circulação de jornais legalistas, como O Campeão da Legalidade (1837-1839), o jornalista Walter Galvani, em seu livro “A difícil Convivência (2013)”, registra que os centros urbanos, como Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, durante a guerra, permaneceram, grande parte do tempo, nas mãos das forças imperiais.  A ideia, de que toda a província aderiu à causa farroupilha, trata-se de um equívoco. Além do jornalista, historiadores, como Sérgio da Costa Franco, Moacyr Flores, Vera Barroso, Mário Maestri, Miguel do Espírito Santo, César Guazzelli, Roberto Rossi Jung, Sandra Pesavento (1945-2009), Elizabeth Torresini, Raul Carrion, Helga Piccolo, entre outros, publicaram importantes trabalhos sobre esta temática. 


Em Piratini, primeira Capital farroupilha, em 1º de setembro de 1838, foi impresso o primeiro número do jornal O Povo. Órgão Oficial da República Rio-Grandense, circulava às quartas-feiras e aos sábados.  Segundo o Prof. Riopardense de Macedo (1921-2007), em seu livro Imprensa Farroupilha / Antologia e índice (1994), a Tipografia Republicana Rio-Grandense foi adquirida, no Uruguai, com o dinheiro da venda de 17 escravos, que pertenciam a Domingos José de Almeida (1797-1871).  Totalizando 160 edições, O Povo foi organizado pelo próprio Domingos José de Almeida, que foi ministro da Fazenda e do Interior da República Rio-Grandense. 

Os italianos Luigi Rossetti (1800-1840) e João Batista Cuneo (1809-1875) foram os redatores d’O Povo. De acordo com a obra Risorgimento e Revolução / Luigi Rossetti e os ideais de Giuseppe Mazzinino Movimento Farroupilha (2012), da Dra. Laura de Leão Dornelles, eles faziam parte do grupo que era ligado ao movimento republicano, conhecido como “Jovem Itália”, cujo líder era Giuseppe Mazzini (1805-1872). Expulso da Universidade, na Itália, Luigi Rossetti, a exemplo de seus patrícios, encontrou guarida na província gaúcha, vindo a falecer na Vila Setembrina (Viamão), em 1840, num confronto com os imperiais. 


Em função do movimento das tropas imperiais, a Capital, em 1839, foi transferida para Caçapava. Nesta segunda fase, O Povo ostentava, em seu cabeçalho, Liberdade, Igualdade e Humanidade, inspirado no lema da Revolução Francesa de 1789. Tomada pelos imperiais, em 1840, a tipografia foi destruída, e O Povo encerrou a sua circulação. Conhecida como República das Carretas, seguindo a logística da guerra, o governo farroupilha passou a ser sediado na localidade de Alegrete (RS) onde foram publicados os jornais O Americano (1842-1843) e Estrella do Sul (1843).

Cientista e militante político,  o conde Lìvio Zambeccari era natural da Bolonha. Segundo o historiador Alfredo Varela (1864-1943), ele foi redator dos jornais O Continentino (1831-1832) e O Republicano (1834) e colaborador no Recopilador Liberal (1832-1836), que eram impressos em Porto Alegre.  No periódico, no qual Zambeccari foi colaborador, no dia 25/09/1835, ele publicou, na íntegra, um manifesto de Bento Gonçalves da Silva (1788-1847),que explicava as razões do movimento armado, convocando a todos para a manutenção da ordem e da liberdade. Zambeccari ficou conhecido como o secretário pessoal de Bento Gonçalves da Silva que foi o Presidente da República Rio-Grandense, que foi proclamada, em Seival, próximo a cidade de Bagé (RS), no dia 11 de setembro de 1836. Com a Paz de Ponche Verde, em 1845, a província, que havia se separado, foi integrada novamente ao Império do Brasil. 


Em Porto Alegre, grande parte destes jornais está sob a guarda do Museu da Comunicação Social Hipólito José da Costa e do Instituto Histórico e Geográfico do RS que, por meio de seus acervos, contribuem com a produção historiográfica de universidades no âmbito regional, nacional e internacional. No último dia 10 de setembro, o primeiro completou 45 anos de criação e o segundo, 99 anos, em 05 de agosto deste ano. 

O escritor e pesquisador Rodrigues Till afirmou, em discurso de posse no Instituto Histórico e Geográfico de Santa Maria: “E um país sem imprensa, sem democracia – bem o sabemos! – é um país que jamais terá guarida na História. Jamais terá guarida na história do mundo moderno”… (22/11/1991, Santa Maria, RS).

* Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom)

Nota:
 *As imagens dos jornais fazem parte do Acervo do Musecom

Bibliografia
BARRETO, Abeillard. Primórdios da Imprensa no Rio Grande do Sul (1827-1850). Porto Alegre: Comissão Executiva do Sesquicentenário da Revolução Farroupilha. Subcomissão de Publicações e Concursos, 1986.
DORNELLES, Laura de Leão. Risorgimento e Revolução / Luigi Rossetti e os ideais de Giuseppe Mazzini. Porto Alegre: ediPUCRS, 2012.
ERICSEN, Nestor. O Sesquicentenário da Imprensa Rio-Grandense. Porto Alegre: Sulina, 1972.
FLORES, Moacyr; História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Ediplat, 2006.
K0ÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Leitura XXI, 2007.
MIRANDA, Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
RIBEIRO, Célia. O Jornalista Farroupilha Vicente Ferreira Gomes. Porto Alegre: Libretos, 2012.
SILVA, Jandira M. M. da; CLEMENTE, Ir. Elvo; BARBOSA, Eni. Breve Histórico da Imprensa Sul- Rio- Grandense. Porto Alegre: CORAG, 1986..
VIANNA, Lourival. Imprensa Gaúcha (1827-1852).Porto Alegre:Museu de Comunicação Social HJC, 1977.

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