Marino Boeira*
Você que vive defendendo a
primazia do mercado sobre os interesses da população, não deve assistir ao filme
Código de Honra (Puncture) de 2012, exibido com pouco destaque nos cinemas,
apesar da presença do astro Chris Evans (O Capitão América) e agora disponível
no Netflix.
Não deve assistir, porque o filme
certamente vai abalar suas convicções sobre a excelência do sistema capitalista
baseado na livre ação do mercado.
O filme dirigido pelos irmãos
Adam e Mark Kassen (este atuando também como ator), conta a história real de
uma pequena firma de advogados do Texas, que resolve defender uma empresa que
pretende entrar no mercado hospitalar dos Estados Unidos oferecendo um novo
tipo de seringa de plástico totalmente segura, porque só pode ser utilizada uma
única vez.
Até 1966 só se utilizavam nos
Estados Unidos seringas de vidro, que após serem usadas poderiam ser
esterilizadas no calor. A partir da morte do presidente da empresa Thompson,
uma das gigantes da indústria médica, seus herdeiros optaram por um sistema de
produção mais barato e de grande rotatividade: a seringa de plástico. Como essa
não pode ser esterilizada, sua utilização é apontada em estudos como uma das
principais causas pela disseminação descontrolada dos mais diversos tipos de
doenças - inclusive a AIDS - em todo o mundo, devido a sua reutilização.
Ao defenderem uma enfermeira
contaminada com AIDS por causa da picada de uma agulha, os advogados descobrem
que essa era causa de milhares de mortes de trabalhadores da saúde porque os
hospitais se negavam a comprar um novo modelo de seringa totalmente descartável,
que já estava disponível no mercado, mas que era um pouco mais caro.
E, mais do que isso, os
empresários do setor que dominava a produção das seringas, exerciam uma forte
pressão sobre os hospitais impedindo que comprassem o novo produto, usando para
isso meios lícitos e ilícitos.
No final, como é comum em filmes
americanos de denúncias, um letreiro explica que a causa foi ganha pela firma
dos advogados (nessa altura, Mike Weiss - papel vivido por Chris Evans - já
tinha morrido de forma misteriosa) e a indústria médica é obrigada a pagar uma
indemnização de 150 milhões de dólares.
O que o filme não diz é que o uso
da seringa totalmente descartável não é ainda uma prática obrigatória em todos
os lugares, mesmo nos Estados Unidos, e com isso milhões de pessoas continuam
sendo infectadas pelas seringas contaminadas e morrendo das mais diversas
doenças.
Voltando ao aviso inicial aos
defensores da primazia do mercado: esse é apenas um resumo frio da história do
filme, sem um pingo da sua dramaticidade. Então se você é daqueles que acham
que o Estado se intromete demais na vida das pessoas não veja o filme para não
perder seus argumentos. Afinal, mesmo sendo um defensor ferrenho do mercado,
certamente você não é tão desumano em acreditar que o lucro é mais importante
que a vida das pessoas.
Então, não veja o filme.
*Marino Boeira é jornalista,
formado em História pela UFRGS
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