Serviço antipatriótico é como é
visto a monitoria que as ONGs fazem ao processo eleitoral. O financiamento
externo é percebido como um "crime". Será que o dinheiro do Ocidente tira
a credibilidade ao trabalho das ONGs?
Em determinados setores
moçambicanos cresce a ideia de que, de uma maneira geral, as organizações da
sociedade civil, OSC, servem a interesses estrangeiros obscuros. E nesta época
eleitoral, em particular, esse entendimento está a ser largamente disseminado
nas redes sociais, numa aparente tentativa de descredibilizar as ONGs que mais
visibilidade têm na monitoria do processo.
Convidado a avaliar o quadro, o
sociólogo Elísio Macamo disse: "Acho que essa é uma opinião muito
problemática, é caraterística forte da nossa esfera pública e infelizmente de
sempre desfiar teorias de conspiração para explicar coisas que se podem
explicar de outra maneira."
O académico acha que o cerne da
questão não é o levantado pelos críticos: "Não acredito que as
organizações da sociedade civil estejam ao serviço de potências, a questão não
é essa. Só que elas, pela sua natureza, prestam-se a isso. E é esse o problema,
elas podem não se dar conta de que certas posturas e coisas que fazem servem
mais a interesses obscuros do que os interesses que essas organizações afirmam
defender, que são interesses nacionais."
"Há uma lógica estrutural
que faz com que o trabalho dessas organizações seja vulnerável a esse tipo de
constrangimentos, e é isso que temos de apreciar", sugere Elísio Macamo.
Entretanto, é preciso reconhecer
que é também graças ao monitoramento paralelo dessas organizações que os
ilícitos são cada vez mais denunciados, permitindo, teoricamente, uma
oportunidade para o aperfeiçoamento dos mecanismos eleitorais.
Narrativa difundida pela FRELIMO?
O CIP, Centro de Integridade
Pública, uma das organizações da sociedade civil que mais se destaca na
exposição de ilícitos, através do seu diretor Edson Cortês minimiza a
imagem que se tem difundido sobre as OSC (Organizações da sociedade civil):
"Primeiro é preciso ver onde se situam as pessoas que fazem este tipo de
discurso, geralmente são apoiantes ou pessoas que são pagas pelo partido no
poder [FRELIMO] para produzirem um discurso que de certa forma se torna
uma narrativa."
"Então, tendo em conta a
origem das pessoas o contrário seria de estranhar. O normal é as organizações
que procuram promover a transparência serem tidas como organizações que estão
contra o interesse nacional", entende o diretor do CIP.
Essas ONGs e plataformas nas redes
sociais constituem atualmente uma alternativa ao eleitor sedento de informações
e os media que consequentemente querem informar ao minuto. É que os
serviços oficiais de administração eleitoral, o STAE, o Secretariado Técnico de
Administração Eleitoral, e a CNE, a Comissão Nacional de Eleições, pela
sua pesada responsabilidade e aparentes dificuldades de funcionamento, nem
sempre conseguem alimentar devidamente o eleitor.
OSC subtraídas do debate por
causa da corrida ao monitoramento eleitoral?
Para o sociólogo, "o que
acontece agora no período eleitoral é que há tantas organizações a fazerem
um trabalho que é necessário, muito importante, que é de controlar o processo e
garantir que seja transparente e em respeito a lei, etc..
E alerta para um desequilíbrio
que a massiva presença das OSC no monitoramento eleitoral pode desencadear:
"o que isso ao mesmo tempo faz, é tirar uma parte significativa e
importante da nossa sociedade do processo político. Essas pessoas vêm-se como
se não fossem moçambicanos que estão envolvidos e que têm um interesse em que
se faz a melhor escolha no país."
"Então, essas pessoas estão
subtraídas do debate que se impõe neste momento porque estão todas ocupadas a
fazer o trabalho de observadores. E isso às vezes pode ser falso, porque essas
pessoas, como todas outras, têm preferências políticas e podem deixar isso
passar sob o manto da neutralidade que elas acham que estão a observar",
entende Elísio Macamo.
Financiamento externo às OSC vs
financiamento ao OGE
Mas as críticas não são apenas em
relação a atuação das ONGs, a origem do financiamento é também um alvo para os
seus detratores. É que muitas das organizações devidamente estruturadas e de
maior visibilidade recebem financiamento externo.
Será que o facto as
torna menos legítimas para prestar um serviço de interesse nacional, neste
caso de lutar pela transparência?
Edson Cortês, diretor do
CIP, através de uma analogia recorda que "o Estado moçambicano para prover
serviços básicos aos seus cidadãos, como investimentos nos setores da saúde,
educação e estradas usa mais de 50% do orçamento proveniente do
financiamento externo, isso torna-o menos legítimo?"
E recorda ainda que "o
Estado moçambicano simplesmente não beneficia diretamente no seu orçamento
porque contraiu umas dívidas [ocultas] sem o conhecimento de entidades tanto
nacionais como internacionais. E por via disso a confiança que tinha com os
parceiros foi cortada."
"Então isso é ridículo.
Neste momento Moçambique tem a pior FRELIMO [da sua história] porque é uma
FRELIMO sem argumentos para discutir assuntos estruturais do país",
finaliza o diretor do CIP.
Entretanto, sob o ponto de vista
de lei não há nenhum instrumento que rege as OSC e por conseguinte um
financiamento externo não representa, a partida, nenhum crime ou violação. As
OSC operam com o estatuto de associação e por isso regidas pela Lei das
Associações.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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