Muitos afegãos são vítimas de
ataques talibãs, mas bastou a morte de um soldado americano para Trump
suspender diálogos com o grupo. Contudo, nem os EUA nem o Talibã estão
interessados no fracasso de um acordo de paz.
Florian Weigand* | opinião
Se as vítimas dos ataques do
Talibã na semana passada tivessem se restringido a dezenas de afegãos, o
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, teria apertado pessoalmente as
mãos da liderança talibã no domingo (08/09) e possivelmente assinado um acordo
entre os EUA e o Talibã. Mas com a notícia de que havia um soldado americano
entre os mortos, Trump cancelou a planejada reunião.
Pesar a importância das vítimas
de acordo com sua nacionalidade é cínico, mas é exatamente essa a lógica que o
presidente dos Estados Unidos segue em suas mensagens no Twitter. Trump sabe
perfeitamente que um aperto de mão com aqueles que acabaram de matar um
americano seria um veneno para sua campanha à reeleição.
Como em tantas outras ocasiões,
ao cancelar a reunião com o Talibã Trump segue seu instinto visando o clima
político momentâneo nos Estados Unidos. As consequências para o futuro em
outras partes do mundo? Pouco importa. Mas será que a luta de quase um ano por
uma perspectiva de paz no Afeganistão realmente chegou ao fim?
Dada a atual situação,
a pergunta pode ser respondida com um claro não. O Talibã ameaçou não
suspender os ataques no futuro e que mais americanos seriam mortos. Eles controlam grandes
partes do Afeganistão e podem atacar onde quiserem, inclusive no centro da
capital, Cabul.
No entanto, o Talibã também tem
consciência de que não pode vencer a guerra no Afeganistão enquanto forças
armadas ocidentais estiverem envolvidas. Caso contrário, eles nunca teriam
considerado se sentar à mesa com o arqui-inimigo Estados Unidos.
Em breve em Washington, após
a retórica emocional de Trump no Twitter, a sobriedade diplomática voltará. O
planejado acordo com o Talibã parecia mais próximo do que nunca, embora estejam
surgindo relatos de que havia mais questões na agenda a serem debatidas do que
fora admitido anteriormente.
Esse poderia ser um
motivo mais forte para Trump ter cancelado a reunião, mas ele
evidentemente prefere mascarar com a solidariedade a um soldado morto. Sem
dúvida, essa postura ressoa melhor entre seus eleitores.
Mas jogar o possível acordo
trivialmente no lixo é algo que nem Trump quer. Afinal, uma importante promessa
de campanha está em jogo: a rápida retirada de todas as tropas americanas do
Afeganistão. Consequentemente, assim não haveria mais soldados mortos.
Existe um risco muito grande de
que o Talibã ataque especificamente alvos americanos para forçar uma retomada
das negociações. Na campanha para as próximas eleições, as vítimas seriam
colocadas na conta de Trump.
Mas aconselho também o
Talibã a repensar sua estratégia de diplomacia violenta. Após os tuítes de
Washington, os talibãs deveriam ter entendido que suas bombas não são atalho
para um rápido sucesso.
E, sim, há uma terceira parte
envolvida que tem sido sistematicamente deixada de lado pelos EUA e pelo
Talibã, mas que agora pode recuperar provisoriamente sua importância: o governo
do Afeganistão. Apesar de todos os obstáculos, Cabul quer realizar eleições em
setembro para sublinhar sua legitimidade com uma nova confirmação nas urnas.
Restam apenas três semanas
até o pleito – embora ainda não esteja claro se as eleições vão de fato
acontecer. Os próximos dias no Afeganistão, portanto, prometem ser
intrigantes, mesmo sem novos tuítes inesperados de Trump.
Florian Weigand | Deutsche Welle
| opinião
Sem comentários:
Enviar um comentário