Jacques-Marie
Bourget* | opinião
Um texto indignado e irónico
acerca da iníqua resolução anticomunista recentemente aprovada no Parlamento
Europeu. Haverá ainda muito mais a dizer sobre esta matéria e sobre as enormes
ameaças que comporta. Desde já, registar que a grande maioria dos deputados
portugueses no PE votou a favor. E dois outros votos merecem um sublinhado: um,
a abstenção de Manuel Pizarro do PS, num grupo que votou em peso a favor; outro
a abstenção de José Gusmão do BE, num grupo que votou em peso contra.
O Parlamento de Bruxelas pôs em
marcha a Europa Nova e “anti totalitária”. Vamos descolar o Affiche Rouge,
destruir no cemitério de Ivry o monumento dedicado a Manoukian e seus amigos da
MOI, espancar Aragon e Ferré. Só depois viveremos em liberdade.
Em breve, em qualquer caso o mais rapidamente possível, o Palais du Luxembourg mudará o nome para “Espace Gérard Larcher”. É garantido. Não me pediram a opinião, mas concordo. A República Francesa não pode continuar a ter uma alta assembleia que que congrega os seus sábios, certamente sob dourados, mas num lugar que evoca Rosa Luxemburg. Se a notícia vos surpreende, pior ainda para a defunta praça do Vieux Marché em Rouen, é que passaram em claro um importante degrau na escada da informação, de quebra-costas porque sem rampa. Ignoram então que, em 19 de Setembro passado, o elegíaco Parlamento Europeu, que nos guia tão apropriadamente, votou um texto a fim de estabelecer desde agora que o comunismo e nazismo são a mesma coisa [Veja abaixo o link para texto completo. LGS]. Como sinto um momento de agitação no aperto da mandíbula e a polícia está ocupada a disparar LBDs contra pessoas inocentes, infiltro-me num último espaço de liberdade para levantar o dedo e dizer: “Estranho que as pessoas que amontoaram vinte e cinco milhões de cadáveres para derrotar os nazis e de caminho para nos libertar, sejam colocados no mesmo mausoléu que o monstruoso cabo e seus amigos exterminadores “… Os tempos são estranhos, surpreendentes e o ar cheira a verdete. Então, Stalingrado foi por diversão. Apenas um ajuste de contas entre fachos, como na faculdade de Assas nestes dias. E Yalta passa à borracha de apagar a história. Mas vamos facilmente reconstruir. Desta vez na ordem certa, e Eric Zemmour e seus amigos têm um plano.
[O texto original enumera os deputados franceses ao PE que votaram a favor e contra, nomes que provavelmente dirão pouco aos leitores de odiario.info. Em vez disso, podemos juntar informação sobre o voto dos parlamentares portugueses: votaram a favor desse vergonhoso texto os deputados de PS (com a excepção de Manuel Pizarro, que se absteve), PSD, CDS e PAN; votaram contra os deputados da CDU e Marisa Matias. O Outro eleito do BE, José Gusmão, absteve-se.]
Neste carro de polícia da história, registemos em particular os algemados com cabeça de pau mais mediáticos: Guetta, do LREM e Glucksmann, de P … Public. Com o bronze da sua convicção deveremos ser capazes de fabricar o foguete que lançará o “Novo Mundo” e nos permitirá gritar, finalmente livres: “good bye Lénine”. Não vos vou franquear a porta da minha sacristia, mas de qualquer maneira apenas um pouco. Acontece que, quatro vezes por ano, o meu pai e a minha mãe muito gaullistas, versão “resistência”, me arrastavam ao domingo para um lugar do qual nada entendia. A vantagem sendo de escapar às vésperas. Era um grande buraco na areia e na terra, o meu pai falava de uma “pedreira”, todavia uma relva crescia no fundo. Ao meio havia um monumento estranho, homens nus presos no mesmo bloco de pedra e as suas cabeças erguidas para o céu. Era em Châteaubriant, a uma hora de distância no “Simca 5″ da casa. Desde a primeira vez compreendi que se tratava de um assunto triste. E heróico. Homens que tinham “dado a vida”, explicava a minha mãe. Às vezes íamos a uma margem do lago de Blisière, onde troncos de árvores ainda carregavam os traços deixados pelas balas depois de perfurarem o peito de outros heróis que eu não conhecia. Estava apegado a esse culto. E ainda o estou.
Não foi senão quase vinte anos depois que descobri que os meus pais, católicos e conservadores, me propunham desde a infância chorar por comunistas fuzilados. O meu pai dizia: “Entre eles havia uma criança, pouco mais velha do que tu”. O que realmente não me tocava uma vez que a morte faz parte da juventude. Era de todos estes fuzilados, em conjunto, que eu gostava. Em bloco, como a estátua. Perguntei ao meu pai, que detestava os vermelhos, o motivo dessa peregrinação à pedreira? “Devemos rezar por eles, tê-los como exemplos, pois são irmãos”.
Essas são realidades. Grandes demais para cruzar a soleira do cérebro de um Glucksmann ou de um Guetta. Para os quais não há bom vermelho senão morto. No apodrecido texto votado em Bruxelas, assinalemos as mais belas pérolas do colar.
Há a “importância da memória europeia para o futuro da Europa” e, para que esta última viva, o Parlamento recorda “que os regimes comunista e nazi são responsáveis por massacres, genocídio, deportações, perda de vidas humanas e privação de liberdade numa escala sem precedentes na história da humanidade, que terão marcado para sempre o século XX “. Os parlamentares condenam sem reserva “os actos de agressão, os crimes contra a humanidade e as violações dos direitos humanos em larga escala perpetrados por regimes totalitários nazis, comunistas e outros”. Com essa pequena palavra deixada passar na pressa pelo redactor, “outros”, o Parlamento deveria ter sido mais cuidadoso. Imaginem que os palestinianos, os iemenitas (e “outros”) vêm pedir à UE que aplique os seus princípios. Pobre Guetta, pobre Glucksmann, pobre miséria.
Em boa forma, esperando para breve as primeiras férias de esqui, o Parlamento lançou-se noutra pista e “condena qualquer manifestação e disseminação de ideologias totalitárias, como o nazismo e o stalinismo, na União Europeia” e diz-se “preocupado pelo facto de os símbolos de regimes totalitários continuarem a ser utilizados em espaços públicos e para fins comerciais, lembrando que um certo número de países europeus proibiram o uso de símbolos nazis e comunistas “.
O segundo cartucho desta espingarda de dois canos será então de nos proibir de vestir uma camisa adornada com “Che”, ou uma foice e um martelo. Aqui podemos eventualmente aprovar, sendo o martelo é uma ferramenta de argumentação muito popular no Parlamento Europeu, não deve ser compartilhado. A imprecisão deste texto, que certamente ganhará peso e boa cotação, é hoje embaraçosa. Marx era coco? E Engels? Os nossos amigos no Parlamento levarão Lénine para a esquadra? E Louise Michel? O que fazemos com eles? Vai dar muito trabalho, bem capaz de causar bolhas no cérebro. Sobretudos neste período em que as Urgências não funcionam. E as penalidades incorridas? Prisão ou, pior, recitar um artigo antigo de Guetta? Pessoal, há que trabalhar. Devo em breve retornar à pedreira, pois os meus antecessores já lá não irão … Quero saber o que arrisco? Devemos passar à clandestinidade? Dado o peso desse dossier ninguém pode dizer que os nossos deputados não fazem nada: eles estão a bombar.
Preparemo-nos também para o novo plano do metro de Paris. Que nos desorientará. Claro que a estação Stalingrado desaparece. Mas há muitas outras paragens em que os sujos cocos (se me permitem o pleonasmo) deixaram seus nomes. Bem, eles foram fuzilados pelos alemães. Sim, é claro, mas se colocarmos o evento no contexto do tempo, o da grande partida de nazis contra comunistas, não vamos agora exagerar. Torturados, frequentemente! E então eu torturo-te, tu torturas-me, torturamo-nos. É isso o totalitarismo tal como gostamos.
Um pequeno lembrete de que lerão na cesta a caminho da Santé (prisão). O CNR, acabado, os FTP, acabados, o Affiche Rouge, descolado e Aragon e Ferré em Guantánamo. Os Vaillant Couturier, Rol Tanguy, o Coronel Fabien, Raymond Losserand, Léon Frot, Gaston Carré, Ambroise Croizat, Corentin Celton, Charles Michels, Corentin Cariou, Gabriel Péri, Frederic Joliot Curie, Pablo Picasso. Esta lista vermelha anuncia uma prosperidade para os negociantes de cartazes e o comércio dos planos do Metro. E ia esquecer esse lixo do Eluard, uma víbora lasciva que tentou ensinar-nos: “Não é preciso tudo para fazer um mundo”. Que pulha!
PS. Peço desculpa se, perdido em
algum canto do caixão, esqueci qualquer velho comunista fuzilado. O futuro
“Comissariado Europeu para os Assuntos Comunistas” tratará da questão.
[O texto votado no PE encontra-se
em - http://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2019-0021_FR.html ]
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