Vinte anos após o referendo de
independência
Patrick O’Connor*
Publicado originalmente em 5 de
Setembro de 2019 em WSWS*
Em 30 de agosto, o pequeno estado
de Timor Leste comemorou os 20 anos do referendo de independência formal da
Indonésia, que invadiu e anexou a antiga colónia portuguesa em 1975.
As festividades oficiais do
aniversário de independência foram realizadas em meio ao desemprego em massa e
a uma das maiores taxas de extrema pobreza do mundo. A elite local notoriamente
corrupta aproveitou a oportunidade para exibir suas jóias de grife e veículos
de luxo, enquanto representantes das potências imperialistas que continuam
dominando Timor Leste, particularmente a Austrália e os EUA, foram
calorosamente acolhidos.
A capital d Timor-Leste, Dili,
foi novamente convertida em uma vila de Potemkin. Antes das comemorações da
independência de 2012, placas de ferro foram utilizadas para esconder favelas e
canais poluídos dos olhos de dignitários visitantes que viajavam pela estrada
do aeroporto de Dili. Desta vez, foi noticiado que os edifícios do governo ao
redor do local da queima de fogos receberam novas camadas de tinta.
O aniversário de independência
serviu para reforçar o fracasso da perspectiva política nacionalista por trás
da busca pela independência timorense, que culminou no referendo de 1999 e no
reconhecimento formal de sua soberania em 2002. Duas décadas depois, ao
contrário das promessas da Frente Revolucionária de Timor Leste Independente
(Fretilin) e de outros defensores da “libertação nacional”, fica claro que a
criação do novo estado capitalista não fez nada para promover os interesses
sociais e os direitos democráticos da classe trabalhadora timorense e dos
camponeses pobres.
A maioria dos 1,4 milhão de
habitantes do Timor Leste vive na extrema pobreza. Muitas pessoas permanecem
dependentes da agricultura de subsistência, enfrentando uma “estação de fome”
anualmente. De acordo com uma pesquisa do Índice Global da Fome divulgada no
mês passado, o Timor Leste é o décimo país que mais sofre com a fome no mundo,
logo atrás do Afeganistão e do Sudão, ambos devastados pela guerra. Quase 50%
de todas as crianças timorenses são atrofiadas devido à desnutrição.
Mesmo em Dili e nas principais
cidades, faltam serviços básicos, incluindo acesso a água potável, saneamento,
saúde e educação. Um pouco mais de 50% da população é alfabetizada. Os apagões
de energia elétrica ocorrem regularmente na capital, ao mesmo tempo que grande
parte do país permanece sem eletricidade.
O desemprego em massa afeta
gravemente os jovens, atingindo 75% da população com menos de 35 anos. Dezenas
de milhares de jovens emigraram e trabalham em fábricas e no empacotamento de
carne na Grã-Bretanha e na Europa, na limpeza e realizando trabalhos domésticos
na Coreia do Sul e na colheita de frutas e nos pesados trabalhos agrícolas na
Austrália. O envio de dinheiro de trabalhadores no exterior constitui a segunda
maior “exportação” de Timor Leste.
O petróleo e o gás continuam
sendo o recurso crítico do estado e a fonte da riqueza acumulada por uma
pequena elite governante nos últimos 20 anos.
Os recursos energéticos extraídos
do campo de gás de Bayu Undan, no Mar de Timor, geraram cerca de US$ 20 biliões
em receitas para o Fundo Petrolífero do Timor Leste desde 2004. Partes desse
fundo soberano de riqueza, principalmente pagamentos de juros, financiaram
cerca de 90% de todos os gastos do governo. Embora apenas uma ninharia tenha
sido destinada a serviços sociais básicos, centenas de milhões foram gastos nos
aparatos militar, policial e governamental do estado. Uma riqueza incalculável
foi perdida por meio da corrupção em licitações e em obras de infraestrutura
pública.
No entanto, com o fim do petróleo
no campo de Bayu Undan nos próximos dois ou três anos, a própria base de um
Timor Leste “independente” está agora em questão. O Fundo Petrolífero do Timor
Leste já está estagnando, tendo nos últimos quatro anos se mantido em um valor
constante de US$ 16 biliões.
Toda a elite timorense apostou
seu futuro no desenvolvimento do enorme campo de gás Greater Sunrise. Apoiado
pelo partido da oposição Fretilin, o governo do primeiro-ministro Taur Matan
Ruak espera arrecadar biliões em fundos para começar a extração de gás do Mar
de Timor, canalizando-o para o país pela primeira vez e desenvolvendo assim uma
indústria de refino de gás em longo prazo no país.
Biliões de dólares já foram
investidos nessa aposta. O estado timorense comprou recentemente as
participações no campo de Greater Sunrise da ConocoPhillips e da Shell por US$
485 milhões e US$ 413 milhões, respectivamente. As gigantes empresas de energia
dos EUA e Holanda opuseram-se ao gasoduto proposto entre o campo e Timor
Leste, exigindo que fossem utilizados os gasodutos existentes para o norte da
Austrália e as refinarias em Darwin. A mesma exigência ainda está sendo
realizada pela empresa australiana Woodside, que possui uma participação de 33%
no projeto do campo de Greater Sunrise.
O governo australiano apoiou a
recusa da Woodside em cooperar com os planos de Dili para a construção de um
oleoduto e uma refinaria timorenses, o que é consistente com a política de
gangster que caracterizou a posição de sucessivos governos trabalhistas e
liberais em relação ao Timor Leste. Desde a luz verde do governo Whitlam para a
invasão indonésia em 1975, passando pelo tratado ilegal do Timor Gap de 1989
negociado pelo governo Hawke com a junta militar da Indonésia até a intervenção
militar pós-referendo de 1999 pelo governo Howard, o imperativo que impulsionou
os governos australianos foi assegurar o controle sobre os lucrativos recursos
energéticos do Timor Leste.
O aniversário do referendo de
independência assistiu à renovada promoção da operação militar australiana de
1999 como uma “intervenção humanitária” altruísta. Na realidade, como está bem
documentado, Canberra preparou-se ativamente para enviar tropas para o
referendo de independência. Depois que a violência orquestrada pelos militares
indonésios aumentou após o resultado eleitoral, as organizações da
pseudo-esquerda na Austrália lideraram manifestações pelo envio de tropas a Timor Leste, criando as condições políticas para o governo Howard iniciar uma
intervenção militar.
Longe de defender pessoas
inocentes, as tropas australianas chegaram bem depois do pior da violência e da
Indonésia ter sido pressionada por Washington para conter as milícias
pró-Jacarta.
A operação militar teve o
objetivo de fazer Camberra interferir ao máximo na composição e nas políticas
do novo estado “independente”. As provocações e truques sujos da Austrália
incluíram atos ilegais de espionagem, como o escândalo de 2004 em que espiões
estavam realizando ajuda humanitária no gabinete timorense. Em vez de os
arquitetos desta operação terem sido processados, o denunciante que revelou o
crime agora está sendo julgado secretamente [leia mais em: “Australia:
Whistleblower trials proceed despite outcry” (“Austrália: julgamentos de
denunciantes continuam apesar de protestos”)].
A elite timorense tentou cortejar
outras potências, especialmente a China, para compensar o domínio australiano.
A China tem feito importantes investimentos no país, inclusive em vários
edifícios do governo em Dili. O governo de Timor Leste também sugeriu
publicamente que a China estaria disposta a investir os mais de US$ 15 bilhões
necessários para construir uma refinaria de gás e um gasoduto submarino para o
campo de Greater Sunrise.
Em resposta, o governo
australiano aumentou sua pressão. O primeiro ministro Scott Morrison visitou
Dili no aniversário de independência no mês passado, a primeira visita de um
chefe de governo australiano em 12 anos. Morrison trocou notas diplomáticas
ativando um novo acordo de compartilhamento de energia no Mar de Timor que
levará o imperialismo australiano a captar ainda mais os recursos do Timor
Leste – entre 20% e 30% de todas as receitas de gás do campo de Greater
Sunrise, mesmo que o campo esteja inteiramente em território timorense.
Morrison anunciou que a Austrália
pagaria para conectar Timor Leste à internet de fibra óptica através de um
sistema de cabos australiano. Como em acordos recentes semelhantes no Pacífico
Sul, o objetivo de Canberra é afastar a corporação chinesa Huawei e conservar
para si e para a aliança liderada pelos EUA “Cinco Olhos” a capacidade de
espionagem sobre o serviço de internet da região. Morrison também revelou um
“novo pacote de segurança marítima”, que envolveu um novo cais na Base Naval de
Hera, na costa norte do Timor Leste, e dois barcos-patrulha pagos pela
Austrália.
Essas medidas fazem parte dos
preparativos mais amplos do imperialismo estadunidense e australiano para uma
guerra contra a China. Timor Leste – próximo aos importantes estreitos de
Lombok e Sunda pelo arquipélago indonésio – está na linha dessa frente
estratégica.
*World Socialist Web Site | Imagem: Flickr
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