De passagem, filme de Martin
Scorsese aborda estratégia da máfia, ao apoiar invasão na Baía dos Porcos. Para
recuperar seus lucrativos cassinos e prostíbulos, criminosos e governo Kennedy
armaram anticastristas. Fracasso foi retumbante
Gustavo Barbosa | Outras Palavras
O fim do ano chegou com uma
estreia de peso na Netflix: O Irlandês, megaprodução que subverteu a
lógica dos lançamentos comerciais ao estrear em uma plataforma de streaming ao
invés das salas de cinema.
Dirigido por Martin Scorsese, o
filme, que tem Robert De Niro, Joe Pesci e Al Pacino em seu elenco, conta a
história de um motorista de caminhão que se envolve com a máfia. Durante suas
três horas e meia, Frank Sheeran, o irlandês do título interpretado por De
Niro, vive os dramas de quem não consegue se ver além de uma mera bucha de
canhão do gangsterismo norte-americano da segunda metade do século passado.
O filme é excelente. Este artigo,
porém, pretende abordar não o núcleo da trama, mas um de seus apêndices: as
cenas que mostram a revolta da máfia com a Revolução Cubana por ter sido
enxotada de Havana junto com seus cassinos (convém lembrar que a relação entre
a máfia e a ilha caribenha dos tempos de Fulgêncio Batista foi mostrada também
em O Poderoso Chefão).
Sem rodeios, uma de suas
passagens mostra como a máfia contribuiu com apoio logístico e armamento pesado
para a invasão da Baía dos Porcos, em 1961, ocasião em que a própria população
cubana pegou em armas e pôs os invasores para correr. O episódio foi responsável
por alavancar a fama e o prestígio internacional da revolução liderada pelos
irmãos Castro e por Ernesto Che Guevara.
Mas do que se tratou tal invasão?
Em 17 de março de 1960, Dwight
Eisenhower, então presidente dos EUA, ordenou a criação de um exército de
cubanos exilados. A partir daí, deu-se início ao treinamento que culminou no
primeiro confronto direto entre os dois países após 1959.
Com barcos, armas e equipamentos
de comunicação fornecidos pela CIA, a invasão foi liderada por Howard Hunt,
veterano que participou do golpe na Guatemala que derrubou o presidente Jacobo
Arbénz, em 1954. O desembarque ocorreu em uma praia pantanosa conhecida como
Playa Girón. Mesmo com uma formidável rede de espiões e com armamento de ponta,
em menos de três dias a invasão foi derrotada.
Uma cena do filme traz um
noticiário televisivo abordando o assunto. O apresentador informa como Fidel
Castro humilhou os EUA – a conclusão é do próprio âncora -, que ainda teve que
lidar com críticas da comunidade internacional por ter enviado grupos
paramilitares armados à ilha. Russell Bufalino, mafioso interpretado por Joe
Pesci, não esconde sua frustração ao perceber que nada adiantou dar bazucas às
milícias anticastristas.
Bufalino é quem organiza o
engajamento da máfia na campanha presidencial de John Kennedy, chegando a
fraudar votos em troca da retomada de seus negócios na ilha “para nosso pessoal
recuperar cassinos, autódromos, barcos de camarão e tudo o mais que tinham em
Havana”, explica Sheeran enquanto expõe as verdadeiras razões do entusiasmo de
seu chefe. Foi sob a gestão de Kennedy que a invasão ocorreu.
Bufalino sonhava com o retorno à
época em que Cuba era um grande prostíbulo a serviço dos EUA. Um escoadouro do dinheiro
sujo da máfia. Para isso, contou com o compromisso de Kennedy, que até a
batalha de Playa Girón procurou esconder as intenções de um confronto bélico
com Fidel Castro. Em sua primeira tentativa, no entanto, percebeu a dificuldade
que seu país teria em fazer a recém-criada pátria cubana voltar a ser colônia.
Mas isso é só uma nota de rodapé.
Alguns poucos minutos no latifúndio de tempo que é a obra de Scorsese – mas
também um bom motivo para assistir a ela.
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