... e acusa João Lourenço de minimizar problemas
sociais
O presidente da UNITA, Adalberto
da Costa Júnior, defende uma auditoria e eventual renegociação da dívida
angolana e acusa o Presidente angolano de desvalorizar os problemas sociais do
país.
O líder da União Nacional para a
Independência Total de Angola (UNITA) considera que as consequências da dívida
na limitação das capacidades de realização e diversificação da economia
angolana tornam "incontornável" uma auditoria. "Verificando-se
que [a dívida] não é real, oferece oportunidades de ser renegociada" e
iria dar indicadores muito objetivos sobre o peso da divida externa e interna.
"A divida interna ia ser
seguramente muito menor e traria condições de renegociação e a divida externa a
mesma coisa. Isto permitir retirar ao governo angolano um peso extraordinário e
potenciar a sua capacidade de investir", advogou o dirigente do "Galo
Negro", principal partido da oposição angolana, acusando o executivo
liderado por João Lourenço de "não ter coragem" nem vontade política
para avançar com este tipo de ações de transparência por ter consciência das
suas responsabilidades.
Numa entrevista à agência Lusa, o
presidente da UNITA salientou que o partido pediu uma comissão parlamentar de
inquérito a partir da altura em que o peso da dívida no Orçamento Geral do
Estado se aproximou de 50% da despesa, sem que existam garantias de que os
valores são verdadeiros verdadeiro. "Temos muitos indicadores de que
aquela conta é falsa", contrapôs, responsabilizando governantes e
empresários que criaram a dívida com a conivência de instituições angolanas num
"assalto ao erário público" consentido, a partir do qual se geraram
as fortunas e os milionários que Angola tem.
"Muitas das obras pagas não
existem ou foram inflacionadas, uma lógica que fez com o que pais perdesse mais
de 700 mil milhões de dólares", notou. "Temos de fazer pressão, temos
de fazer uma denúncia fortíssima e apelar a que os cidadãos escolham a
alternância e optem por dirigentes responsáveis", exortou o líder do
partido fundado por Jonas Savimbi, defendendo que "a pressão pode mudar os
comportamentos tidos até aqui".
Surpreendido com declarações de
João Lourenço
No seu discurso de abertura da II
sessão ordinária do Comité Central do Movimento Popular para a Libertação de
Angola (MPLA), sexta-feira (29.11), João Lourenço rejeitou que a onda de
criminalidade vivida em Luanda nos últimos dias tenha relação com a
deterioração da situação social e ao desemprego, considerando que esta forma
"simplista" de abordagem pode legitimar o recurso à violência.
"Fiquei surpreendido. Nada
de mais errado poderia existir do que esse tipo de tentativa de minorar um
problema que é dramático e que tem também na sua base razões sociais, razões de
exclusão", contrapôs Adalberto da Costa Júnior. "Não posso aceitar
que o presidente acredite no que disse", contestou. Para Adalberto da
Costa Júnior, a criminalidade reflete um "conjunto das crises" que
não encontra soluções a nenhum nível".
UNITA cética sobre as autárquicas
Adalberto da Costa Júnior defende
uma revisão da lei eleitoral antes da realização das primeiras eleições
autárquicas em Angola, agendadas para 2020, mas que admite que venham a ser
adiadas por causa do Governo. O líder da UNITA afirmou que tudo aponta para um
adiamento das autárquicas, não só porque o Orçamento Geral do Estado para 2020
(OGE) não contempla uma verba para a Comissão Nacional Eleitoral despender, mas
também pela falta de vontade do executivo.
Na sexta-feira (29.11), na
abertura da segunda reunião ordinária do comité central do Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA), o Presidente angolano, João Lourenço, afirmou que
"existe vontade política" para a realização das primeiras eleições
autárquicas, previstas para 2020, mas só "após a aprovação do pacote
legislativo autárquico". Para o líder da oposição em vez de um compromisso
do Governo, estas declarações são "uma "intenção clara de
adiamento", tendo em conta que falta aprovar legislação. "Só falta
aprovar por decisão deles [Assembleia Nacional, com maioria parlamentar do
MPLA] que não agendaram", um não-agendamento que significa para o líder da
União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) uma intenção de
adiamento.
Questionado sobre se a UNITA
espera um bom resultado eleitoral, Adalberto da Costa Júnior sublinhou que só
poderá aspirar a um bom resultado se for feita a revisão da lei eleitoral.
"Do modo em que esta formatada hoje a Comissão Nacional Eleitoral não
garante, a nenhum nível, democraticidade e transparência dos atos
eleitorais", destacou, considerando que "não há isenção do corpo
administrativo que organiza as eleições face ao interesse do partido que
governa o país [MPLA]".
Para a UNITA, o compromisso de
realização das autarquias é definitivo: "nós vamos pressionar para que não
haja um adiamento e vamos exigir a realização de eleições autárquicas em
simultâneo em todo o país", reafirmou, adiantando que o partido vai ao
encontro do que reclama a sociedade angolana.
Problemas não são todos da
responsabilidade da família Dos Santos
O presidente da UNITA considera
que a responsabilidade dos problemas de Angola não pertence só ao ex-presidente
José Eduardo dos Santos, devendo ser partilhada com outros dirigentes do MPLA
como o atual presidente João Lourenço. "Os conflitos que existem hoje
entre a liderança atual do pais e a anterior tem consequências para nós todos,
mas não penso que não há responsabilidades partilhadas", declarou.
"A postura hoje é de que os
problemas que existem são todos do [ex-presidente José Eduardo] dos Santos e
sua família. [Isso] não é verdade, quem governa hoje tinha grandes
responsabilidades ontem, não foram responsabilidades de curto prazo, foram
responsabilidades de 30 e 40 anos na estrutura de governação e em lugares
estratégicos", criticou.
Deu como exemplo o Presidente da
República, que foi vice-presidente da Assembleia Nacional, ministro da Defesa,
de secretário-geral do MPLA, de secretário da Informação e membro permanente do
Bureau Político, a estrutura de topo da tomada de decisões estratégicas.
"Não é possível um desvinculo de responsabilidade de uma pessoa que ocupou
sempre um cargo de chefia estratégica", atirou, acrescentando que "a
equipa que governa, é a mesma equipa que governou com dos Santos". E questionou:
"estão mal, não fazem parte dos milionários que beneficiaram desta gestão
de Dos Santos? Pergunto-me se abdicaram das acumulações extraordinárias de
capitais".
O responsável da UNITA diz
que "nenhum angolano tem dúvidas de que o combate à corrupção e
direcionado" e adiantou que "quanto mais perto da família dos
Santos se está mais risco há de ir parar aos tribunais", uma prática que
"não abona em temos de credibilidade do regime e não traz ganhos na luta
contra a corrupção" que não tem trazido os devidos retornos para o erário
público.
A título ilustrativo, apontou os
casos de Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes, "cuja prisão não
resultou em benefícios para o Estado", bem como o do Fundo Soberano
(gerido pelo empresário Jean-Claude Bastos de Morais e pelo filho do antigo
presidente angolano, Zenu dos Santos, que aguarda ainda julgamento), cujo valor
seria de 5,7 mil milhões de dólares, sendo a quantia assumida pelo Estado de
apenas metade.
UNITA preparada para assumir o
passivo histórico
O presidente da UNITA diz que o
partido está preparado para assumir os seus passivos históricos, exortando o
MPLA a fazer o mesmo, nomeadamente no que diz respeito ao processo do 27 de
maio. "Temos plena consciência de que Angola formatou-se numa luta muito
longa que teve um período de guerra efetiva onde não foram só vitorias, também
há passivos que temos de saber assumir com coragem", disse Adalberto da
Costa Júnior.
Mas "dificilmente outros
partidos nos acompanham", acrescentou, destacando que a União Nacional
para a Independência Total de Angola (UNITA) tem "uma consciência real
daquilo que foi a formatação do país e o processo histórico" que teve de
abraçar, precisando de "reconhecer o que foi bom e o que foi menos
bom".
Sobre a Comissão para Implementação
do Plano de Reconciliação em Memória às Vítimas dos Conflitos Políticos posta
em marcha pelo governo angolano, considerou que se trata de uma iniciativa
útil. "Não é difícil identificar o surgimento desta comissão por parte do
governo, mas mesmo que a razão tenha sido um pouco forçada é positiva",
elogiou, considerando tratar-se de uma abordagem às consequências do 27
de Maio em que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) "nunca
conseguiu ser frontal".
Aludindo à "intentona"
dentro do próprio regime do MPLA, que causou a morte de um numero indeterminado
de angolanos de duas fações opostas, Adalberto da Costa Júnior considerou que
este "programa mais amplo" de reconciliação das vítimas dos conflitos
"foi a via que o MPLA encontrou para ultrapassar as suas próprias
limitações" e não reconhecimento do estado angolano das
pessoas que foram mortas neste processo. "Se o MPLA precisa de nós para
assumir um pouco o seu próprio processo histórico, vamos ajudar. Se na
sequência desta comissão tivermos uma Angola mais estável, mais reconciliada,
em que as famílias estarão mais tranquilas, nós vamos ajudar", garantiu.
Quanto à UNITA "tem dado mostras de saber, quando chamada, abraçar os seus
passivos", afirmou: "Já desafiámos os outros movimentos, nomeadamente
o estado a abordar estas questões", para um processo de
"desanuviamento para o país".
Portugal usado pelos governantes
angolanos
O presidente da UNITA afirmou que
Portugal "foi usado" por governantes angolanos e defendeu que o
relacionamento recíproco entre os dois países poderia ser mais vantajoso do que
é atualmente. Adalberto da Costa Júnior, que viveu vários anos e se formou em
Portugal, afirmou que a relação entre os dois países "nem sempre foi formatada
por razões de valores", existindo em algumas ocasiões um grande uso
político.
"Embora pareça que Portugal
tem sido beneficiado acho que também foi vítima, em determinada altura, do uso
que os governantes angolanos fizeram desta especificidade portuguesa", assinalou.
Foi por Portugal que "passou boa parte da fuga de capitais" e o país
foi usado como destino, ao nível bancário, de uma forma que deixou dúvidas
sobre os benefícios daí resultantes, considerou o dirigente. "Alguma da
deceção de hoje [de empresários em Angola] é consequência dessa realidade",
admitiu.
O líder
da UNITA lembrou o relacionamento e a proximidade histórica entre os
dois países que faz com que Portugal não tenha "um competidor igual"
apontando também os fatores de identificação cultural, como a língua oficial
angolana, mas também algumas dificuldades de uma relação que "nem sempre
foi estável".
Deutsche Welle | Agência Lusa, nn
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