As razões que levaram o filho
varão do ex-Presidente da República, José Filomeno dos Santos a prescindir de
advogado de defesa, na fase decisiva do julgamento judicial, que decorre na
Câmara Criminal do Tribunal Supremo é a expressão máxima da descrença no
sistema de justiça, implantado pelo próprio regime, que governa Angola faz 44
anos.
William Tonet* | Folha 8 | opinião
Na fase de instrução preparatória
foi-lhe decretada, pelo Ministério Público, a medida de coacção mais gravosa:
prisão preventiva, tendo à época, constituído como advogado, Benja Satula, que
o defendeu até à sua libertação provisória. Paradoxalmente, quando nada fazia
prever, o ex-presidente do Fundo Soberano, alegando falta de dinheiro, por
congelamento das contas bancárias, informou o causídico da indisponibilidade em
poder continuar a honrar com o pagamento dos honorários.
Acto contínuo, fez o mesmo, junto
da Câmara Criminal, solicitando de acordo com o n.º 3 do art.º 67.º CRA
(Constituição da República de Angola), a indicação de um defensor oficioso, para
o assistir em todos os actos do processo.
Mas fonte próxima, digna de
crédito, disse ao Folha 8 que a motivação de Zenú para esta decisão tem a ver
com a convicção, de que tudo que está a ocorrer, na corte suprema, ser mero
expediente teatral e não o exercício imparcial e justo, para o apuramento da
verdade material.
“O maior crime do ex-Presidente,
Eduardo dos Santos, pelo qual, tem sido destratado, humilhado e caluniado, sem
vergonha, como marimbondo, no estrangeiro (Portugal), pelo seu sucessor, dando,
depois, ordens expressas, ao Ministério Público, de prisão e julgamento de um
dos seus filhos, intimidando e forçando ao exílio os outros e familiares
próximos, numa clara demonstração do carácter malévolo do camarada João
Lourenço, uma aposta pessoal e cega, contra a resistência de muitos camaradas
do bureau político e comité central, do ex-presidente, que numa espécie de
obsessão lhe entregou de bandeja, sem eleições internas, sequer, no MPLA, todos
os poderes do país”, afirmou ao F8 um membro do Comité Central, que por razões
óbvias, solicitou o anonimato, “porque este novo poder, para além de estar a
destruir, com a divisão o MPLA, muitos camaradas, não falam, nas reuniões, face
à política velada de arrogância, prepotência, intimidação de prisão e assassinatos”.
Questionado a pronunciar-se sobre
se apoia ou não o combate contra os crimes de corrupção, bem como o mediático
julgamento do ex-presidente do Fundo Soberano, filho de Eduardo dos Santos, foi
peremptório: “Eu sou contra a corrupção, mas esse combate é falso, pois apenas
selecciona alguns, em detrimento de todos. Por exemplo, o camarada presidente,
João Lourenço beneficiou muito mais do que eu, tenho de ser honesto, apoiou
sempre todas as reformas, nunca se opôs a nenhuma decisão e tinha assento privilegiado,
junto do camarada Eduardo dos Santos, pelo que é do mais puro cinismo o que ele
está a fazer, tentando vender uma imagem de honesto e os outros de marimbondos,
corruptos e gatunos, quando também tem as mãos e unhas manchadas com petróleo”.
Em julgamento está a eventual
tentativa de descaminho de 500 milhões de dólares, dos cofres do Estado, por
parte de José Filomeno, Walter Filipe e Jorge Gaudens Pontes, tendo os dois
primeiros demarcado-se dessa tese, com o ex-presidente do Fundo Soberano a afirmar
em juízo que só estava ali por ser filho do ex-presidente da República, caso
contrário, não conheceria a “quentura” do banco dos réus.
Certa ou errada, a lógica dos
acusados, muita água ainda passará por debaixo da ponte, principalmente, depois
de Walter Filipe, ex-governador do BNA, ter dito, diante do juiz, que a decisão
da transferência dos 500 milhões de dólares, como parte da primeira tranche
(três de igual montante), para a obtenção de um financiamento avaliado em
trinta biliões (30 mil milhões) de dólares, foi do ex-Presidente da República,
José Eduardo dos Santos, que monitorou e liderou toda engenharia de
financiamento, assessorado pelo coordenador da mesma, o ministro das Finanças,
Archer Mangueira.
“A transferência foi lícita e não
houve tentativa de fraude, tanto que o ex-presidente, para além de considerar a
operação como “ultra secreta, ter orientado que, tão logo o presidente João
Lourenço tomasse posse, eu, na qualidade de governador do BNA o deveria
informar sobre todo o processo de financiamento, empréstimos e as reservas
líquidas do país”, ajuizou Walter Filipe acrescentando que a operação, segundo
pretensão de Dos Santos, deveria ter início antes de abandonar a Presidência da
República, como forma de “deixar uma fonte de financiamento, ao seu sucessor,
para ser culpado da situação em que o país podia ficar”, caso não conseguisse
capitalização financeira internacional, para enfrentar os encargos do Estado. O
eventual financiamento teria a chancela do Banco BNP- Paribas.
Julgamento de Zenú acirra divisão
no MPLA
Na sua opinião, os nomes
pejorativos, atribuídos contra “um camarada que elegemos como Presidente
Emérito e a perseguição contra os filhos, em nada abona, a personalidade, de
quem assim age, pelo contrário, dessa forma, será acusado, como o principal
responsável de derrotas previsíveis, do partido, no futuro, uma vez estar a
recriar, uma espécie de Revolta Activa e Revolta do Leste, facções nascidas no
interior do partido, nos idos de 63, face à truculência e intolerância do presidente
Agostinho Neto”.
E embalado, na sua eufórica
retórica, considera uma aberração o julgamento de Zenú dos Santos, porquanto,
na sua opinião, ele não terá sido o responsável da engenharia para um alegado
financiamento de 30 mil milhões de dólares, onde foram disponibilizados cerca
de 570 milhões de dólares, porque não era membro do Executivo.
“O camarada João Lourenço era
membro do Bureau Político do MPLA, ministro da Defesa, membro do executivo,
responsável pelo empréstimo que nada teve a ver com o Fundo Soberano. Só a
cumplicidade, silêncio e omissão, vista como criminosa, de alguns membros do
Bureau Político e Comité Central do MPLA, já foi determinada a sentença, que no
final será, apenas, teatralmente, ditada pelo juiz”, esclareceu o jurista Pedro
A.N.F. Joaquim, militante e membro do CAP do Kilamba, acrescentando; “a
orientação é de Zenú ser condenado a uma pena de prisão maior, mesmo não
havendo blindadas provas da sua culpabilidade, na casa dos 8 a 14 anos, logo,
nessas condições, de nada valem os argumentos da melhor defesa advocatícia do
mundo, quando já existe uma sentença política, que radica na raiva e ódio de
uma pessoa, que não fosse a benevolência e cegueira do camarada José Eduardo,
nunca seria presidente nem do MPLA, nem da República, pois havendo eleições livres
e justas ele nunca ganharia no partido”.
A justiça está num descrédito
total, desde o início desta cruzada considerada selectiva, dos alvos, apontados
como corruptos, “quando o cancro deste mal reside e é transversal a maioria dos
membros da direcção do MPLA, incluindo o actual Presidente da República, que
não consegue provar a proveniência lícita, se a dos outros é ilícita, da sua
actual riqueza e dos filhos. Por esta razão, muitos, no país e no mundo, não
entendem o carácter dantesco de perseguição, quase assassino, contra uma pessoa
que o colocou no poder.
Isso demonstra para além de um
equivoco dos dirigentes, consequentes do partido, que o nosso actual líder não
tem as mais elevadas qualificações de um Presidente da República, que confunde
os seus maus fígados, com as ingentes responsabilidades da gestão do coisa
pública, que não se podem prestar, em perseguir, prender, fechar empresas dos
filhos e familiares, como se estes fossem os únicos que beneficiaram das
oportunidades”.
Segundo a fonte do F8, por esta
razão era irrelevante, para o ex-presidente do Fundo Soberano, ter ou não
advogado, uma vez a decisão estar tomada: “O Presidente da República já
orientou, tal como o fez, no caso de Augusto Tomás, para que a câmara criminal
do Tribunal Supremo, independente das provas o condene a prisão maior, muito
provavelmente, entre 8 a 14 anos, não valendo por isso a pena qualquer gasto,
numa frente, onde os argumentos jurídicos do advogado de defesa não serão tidos
em conta”.
Certa ou errada, a lógica vem
fazendo morada, na mente de muitos, face à selectividade da “espécie
criminalizada”, pelo novo poder político, ter proximidade familiar ou
profissional com o ex-presidente Eduardo dos Santos. No caso vertente, um dado
novo pode demonstrar uma certa precipitação na acusação inicial, que levou à
decretação da prisão preventiva, uma vez, afinal o contrato para o alegado
financiamento, não ser da iniciativa do Fundo Soberano, como se fez passar,
inicialmente, mas uma decisão do Titular do Poder Executivo.
Se assim é, Zenú dos Santos,
afinal, havendo rigor jurídico, não pode, ser “vendido”, publicamente, pela
Procuradoria-Geral da República, como cabecilha de uma operação financeira,
quando não era membro do Executivo, como declarado, numa das sessões de
julgamento.
Agora resta esperar o desfecho
final de mais este burilado processo judicial, que deixou de apaixonar, para
dividir a opinião pública, muito pela forma parcial da Procuradoria-Geral da
República, como dos juízes da causa.
* Folha 8, em AQUI FALO EU
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