quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Guiné-Bissau | Debate juvenil sobe de tom com insultos e auto-censura


O aumento do interesse dos jovens guineenses pela política levanta a questão se realmente estão preparados para serem diferentes dos políticos. Insultos, calúnias e difamações marcam debate juvenil pela negativa.

As redes sociais têm sido um autêntico campo de batalha entre os jovens apoiantes das candidaturas às presidenciais. O nível do debate é muito questionado, na maioria dos casos por misturar insultos e ataques pessoais.

A campanha eleitoral para a segunda volta das presidenciais começa na próxima sexta-feira (13.12), mas o debate dos jovens sobre o futuro da Guiné-Bissau aqueceu há muito  nas redes sociais, com direito a vídeos ao vivo no Facebook e até insultos de parte a parte.

Na opinião do ativista Saturnino de Oliveira, de 33 anos, a participação dos jovens na política aumentou de forma quantitativa e qualitativa. Sobretudo desde as eleições legislativas de março passado, nota-se cada vez mais jovens a interessar-se por política, a militar nos partidos e a falar sobre isso nas redes sociais. Mas há também um reverso da moeda: alguns usam as redes sociais como forma de veicular notícias falsas ou insultar outras pessoas.

Para Saturnino de Oliveira, isso demonstra o nível de desespero a que se chegou no país. "Apesar de realmente ser notável uma parte da juventude que faz a política voltada aos insultos, a difamação, a calúnia e a intriga, mas a maior parte está a fazer a política com uma abordagem mais assertiva. Infelizmente essa pequena parte tem feito a política no sentido de criar divisões dentro da camada juvenil e isso tem manchado a imagem da participação política da juventude guineense", lamenta.

Falta educação

Saturnino aponta a insuficiência na educação da camada juvenil guineense como fator que condiciona os jovens a recorrer ao debate de baixo nível para defender um partido ou candidato. E afirma que fazem um interpretação errada da liberdade de opinião. Saturnino nota ainda que tem faltado uma boa liderança política capaz de deixar um bom legado aos jovens, alegando que muitos criticam só para conseguir emprego no aparelho do Estado.

"Na ausência de uma liderança de referência, não tem um espelho e isso tem contribuído para a má perceção dos jovens em relação à política. Agora, os jovens querem ingressar nas fileiras [dos partidos] sem convicção, só vão porque o maior empregador no país é o Estado. Só querem aproveitar-se desta oportunidade para poder entrar na Função Pública e ter também uma oportunidade de aproveitar-se do Estado. Essa é a lógica que domina, neste momento, o pensar da maior parte dos jovens que estão a fazer a política, esplica.

Em entrevista à DW África, o ativista diz ainda que não acredita que, com a eleição do novo Presidente, as coisas possam mudar. Opinião contrária tem a jovem Dara Fonseca Ramos, apoiante do candidato Umaro Sissoco Embaló, que vai disputar com Domingos Simões Pereira a segunda volta.

A política mudou na Guiné-Bissau

"Por incrível que pareça, acredito que é desta que o país vai sair da instabilidade. Não porque Umaro Sissoco será eleito Presidente da República, mas acredito porque o papel que a juventude está a ter neste momento é absolutamente extraordinário", diz a jovem residente em Portugal e formada em gestão de empresas.

"Portanto", acrescenta. "já não vamos ter falhas de memórias, de gente que finge esquecer o que aconteceu antes de ontem. A juventude está a ter um papel atento, crítico, um papel expressivo. Acredito que é desta que todos nós vamos ter vergonha na cara para cumprir a promessa."

Dara Ramos faz quase todos os dias diretos no Facebook sobre política e quase sempre é alvo de vários insultos: "Foi uma senhora que fez um vídeo, a partir da sua sala, em que me insultou durante 17 minutos. Nunca a vi e nem a conheço. E o argumento que ela utilizou para me insultar a mim e à minha família foi porque eu insulto Domingos Simões Pereira. O que não faço e nunca faria." Segundo a jovem, o debate de ideias sempre faltou na política guineense.

Recorrem aos insultos por faltar argumentos

Por seu lado, o jurista Lesmes Monteiro apoia a candidatura de Domingos Simões Pereira e diz que a falta de argumentos de alguns jovens é o que leva aos insultos.

"Há jovens que estão neste processo engajados com uma convicção, que tiveram a oportunidade de estudar, de se formar. E em contrapartida há outros jovens que veem nisso um processo de aproveitamento, de ganhar uma certa notoriedade na sociedade. E quando a pessoa não tem base sólida e argumentos para se sustentar recorre a outros mecanismos para contrariar aqueles que têm argumentos. Então, surgiu o fenómeno dos insultos", observa o jovem formado pela Faculdade de Direito de Bissau.

Na opinião do jovem mentor de vários protestos contra o Presidente cessante José Mário Vaz, esses insultos passam a ideia de que a juventude não está preparada a 100% para substituir os políticos mais velhos. Alega que os jovens não estão a ser exemplos de moral para a geração.

Lesmes Monsterio pede legislação para crimes cibernéticos. "Depois das eleições, há toda uma necessidade de legislar sobre esses fenómenos, principalmente de crimes ligados aos média, à Internet, à comunicação, e instituir sobretudo crime de ódio ligado a ataques a etnias e religião. Neste momento, a sociedade guineense está muito divida. Há toda uma necessidade de fazer os jovens ganharem a consciência de fazer diferente dos mais velhos", argumenta.

Insultos afastam pessoas do debate

Lesmes confessa que tem bloqueado muita gente da sua conta pessoal no Facebook, porque a casa vez que faz um direto para apelar à consciência dos jovens recebe em troca insultos gratuitos. O ativista lembra que já foi espancado na sua residência divido aquilo que chamada de luta pela afirmação da democracia e consequentemente desenvolvimento da Guiné-Bissau.

Devido aos ataques pessoais, insultos, calúnias e intrigas, muitos dos analistas e observadores que escreviam artigos sobre a política guineense deixaram de o fazer.
Domingos Simões Pereira e Umaro Sissoco disputam a segunda volta das presidenciais a 29 de dezembro.

Braima Darame | Deutsche Welle

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