terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Portugal | Sindicatos postos a observar negócios


Manuel Carvalho Da Silva | Jornal de Notícias | opinião

Vai-se confirmando que o Governo tende a encarar a governação - no plano económico, nas reformas da administração e dos serviços públicos, nas relações Estado/ privados - prioritariamente como negócios, com cheiro a barganha.

Na discussão do salário mínimo nacional já se tinham sentido laivos dessa postura e esta semana registaram-se novos sinais nas "propostas" provocatórias feitas aos sindicatos da Administração Pública. Entretanto, os pronunciamentos do Governo, das confederações patronais e sindicais no final da primeira reunião da Concertação Social para discutir o "Acordo de médio prazo sobre competitividade e rendimentos" e, em particular, o conhecimento dos conteúdos deste, evidenciam essa opção do Governo.

Os líderes das confederações patronais enunciaram um conjunto de medidas que o Governo já lhes assegurou, na área fiscal e outras, que valem muitas centenas de milhões de euros. O presidente da CIP acrescentou que, no Orçamento do Estado para 2020 já ficam sinalizadas medidas para o futuro e que "gradualmente, orçamento após orçamento, vamos obter ganhos". Os dirigentes sindicais confirmaram as benesses aos patrões inscritas nas propostas do Governo: o secretário-geral da UGT manifestou-se "desiludido" pela ausência de conteúdos vantajosos para os trabalhadores, enquanto o secretário-geral da CGTP, explicou como as "compensações" oferecidas aos patrões nesta proposta, significam colocar os portugueses que pagam impostos e os trabalhadores em particular a subsidiarem os seus próprios salários. Num exercício para distrair e convencer parvos, a ministra do Trabalho fez de conta que os patrões tinham estado calados e disse que na reunião apenas se identificaram temas e áreas de interesse das partes e conteúdos de caráter geral. Haja honestidade política.


Nesta reunião, os trabalhadores foram desconsiderados e os sindicatos colocados em posição de meros observadores dos negócios em curso. É curioso observar que no Programa do Governo está inscrito um acordo de médio prazo sobre "salários e rendimentos" e agora aparece sobre "competitividade e rendimentos". Como se sabe, o conceito competitividade tem um grande rasto de manipulação para servir negócios escuros e para comprimir salários.

O conteúdo da proposta de acordo confirma que os negócios são chorudos. O objetivo de crescimento dos salários para 2023 (3,2%) é igual ou inferior (faltam dados do quarto trimestre de 2019) ao crescimento dos salários neste último ano. Trata-se assim de seguir as reclamações dos setores patronais conservadores que querem "travar a dinâmica altista dos salários". O Governo oferece compensações aos patrões pelo cumprimento de leis em várias áreas, entrega-lhes erradamente a execução de políticas públicas em áreas diversas como a formação e o reforço de qualificações, secundarizando os direitos das pessoas e o papel da escola, induz a perspetiva de substituição de parte do salário por rendimentos indiretos associados à prestação de serviços públicos, cujos custos recaem sobre os impostos pagos por todos nós. O pagamento de um salário justo deve ser, como é evidente, da responsabilidade das empresas.

Por esta via, António Costa rapidamente desbaratará a confiança e as dinâmicas positivas que havia conquistado.

*Investigador e professor universitário

*Publicado no JN em 14 Dezembro 2019 às 00:00

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