Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
Vai-se confirmando que o Governo
tende a encarar a governação - no plano económico, nas reformas da
administração e dos serviços públicos, nas relações Estado/ privados -
prioritariamente como negócios, com cheiro a barganha.
Na discussão do salário mínimo
nacional já se tinham sentido laivos dessa postura e esta semana registaram-se
novos sinais nas "propostas" provocatórias feitas aos sindicatos da
Administração Pública. Entretanto, os pronunciamentos do Governo, das
confederações patronais e sindicais no final da primeira reunião da Concertação
Social para discutir o "Acordo de médio prazo sobre competitividade e
rendimentos" e, em particular, o conhecimento dos conteúdos deste,
evidenciam essa opção do Governo.
Os líderes das confederações
patronais enunciaram um conjunto de medidas que o Governo já lhes assegurou, na
área fiscal e outras, que valem muitas centenas de milhões de euros. O
presidente da CIP acrescentou que, no Orçamento do Estado para 2020 já ficam
sinalizadas medidas para o futuro e que "gradualmente, orçamento após
orçamento, vamos obter ganhos". Os dirigentes sindicais confirmaram as
benesses aos patrões inscritas nas propostas do Governo: o secretário-geral da
UGT manifestou-se "desiludido" pela ausência de conteúdos vantajosos
para os trabalhadores, enquanto o secretário-geral da CGTP, explicou como as
"compensações" oferecidas aos patrões nesta proposta, significam
colocar os portugueses que pagam impostos e os trabalhadores em particular a
subsidiarem os seus próprios salários. Num exercício para distrair e convencer
parvos, a ministra do Trabalho fez de conta que os patrões tinham estado
calados e disse que na reunião apenas se identificaram temas e áreas de
interesse das partes e conteúdos de caráter geral. Haja honestidade política.
Nesta reunião, os trabalhadores
foram desconsiderados e os sindicatos colocados em posição de meros
observadores dos negócios em curso. É curioso observar que no Programa do
Governo está inscrito um acordo de médio prazo sobre "salários e
rendimentos" e agora aparece sobre "competitividade e
rendimentos". Como se sabe, o conceito competitividade tem um grande rasto
de manipulação para servir negócios escuros e para comprimir salários.
O conteúdo da proposta de acordo
confirma que os negócios são chorudos. O objetivo de crescimento dos salários
para 2023 (3,2%) é igual ou inferior (faltam dados do quarto trimestre de 2019)
ao crescimento dos salários neste último ano. Trata-se assim de seguir as
reclamações dos setores patronais conservadores que querem "travar a
dinâmica altista dos salários". O Governo oferece compensações aos patrões
pelo cumprimento de leis em várias áreas, entrega-lhes erradamente a execução
de políticas públicas em áreas diversas como a formação e o reforço de
qualificações, secundarizando os direitos das pessoas e o papel da escola,
induz a perspetiva de substituição de parte do salário por rendimentos
indiretos associados à prestação de serviços públicos, cujos custos recaem
sobre os impostos pagos por todos nós. O pagamento de um salário justo deve
ser, como é evidente, da responsabilidade das empresas.
Por esta via, António Costa
rapidamente desbaratará a confiança e as dinâmicas positivas que havia
conquistado.
*Investigador e professor
universitário
*Publicado no JN em 14 Dezembro 2019 às 00:00
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