O país onde os escravos africanos
primeiro tomaram o poder; a nação humilhada por uma intervenção internacional
que já dura 15 anos está em pé de guerra. Porquê?
Lautaro Rivara | Outras Palavras | Tradução: Felipe Calabrez
O clima social está esquentando
no Haiti, enquanto as frustrações sociais se acumulam em um barril de pólvora
que nunca é desativado. Depois das intensas mobilizações do ano passado, com
epicentros maciços e radicais nos meses de julho, outubro e novembro, a trégua
tácita no final do ano deu lugar a um período natalino materialmente pobre,
porém tranquilo. Mas as festividades não foram mais que o um breve interlúdio,
Em breve recomeçariam as batalhas contra o alto custo de vida, a corrupção
endêmica, a crise social e econômica e a ausência de um modelo de nação para a
primeira república independente surgida na História deste lado do Rio Bravo. Os
protestos já ocorrem há oito intensos dias e nada parece indicar que cessarão.
Os primeiros sintomas deste novo
ciclo de protestos apareceram quando jovens insatisfeitos com a ação policial
em uma disputa de terras incendiaram a delegacia de polícia na cidade de
Montrouis, no departamento de Artibonite.
A resposta, previsível, foi a
rápida militarização de uma cidade pacífica. No dia seguinte ao incidente, as
forças especiais dos Corpos de Intervenção e Manutenção da Ordem (CIMO) já
estavam fazendo sua longa siesta em frente ao mercado da cidade, e
ninguém conseguia se lembrar de como haviam chegado lá ou com qual propósito.
Mas logo o conflito começou a se multiplicar em diferentes áreas do país até o
dia explosivo de 7 de fevereiro, aniversário da fuga do país do ditador
Jean-Claude Duvalier. Desde então começaram a se combinar todo o repertório de
ações de rua imagináveis: concentrações esporádicas, imensas mobilizações
espontâneas, caravanas de motos, greves de transportadores, a queima de
delegacias de polícia e prédios do governo e, sobretudo, milhares de barricadas
que rapidamente tomaram a capital e os dez departamentos do país.