sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

O que muda com o fim do estatuto de "utilidade pública" em Angola?


De 500 organizações reconhecidas pelo Estado angolano, 20 tinham o estatuto. Ativistas reconhecem que a medida tenta corrigir "erros do passado".

O Governo angolano deixou de atribuir o estatuto de utilidade pública às organizações da sociedade civil. Nem todas as associações tinham o estatuto. A prática era o Governo conceder o estatuto apenas para instituições ligadas ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), que adquiriam automaticamente o direito a obter fundos públicos.

Uma crítica comum é que organizações com o estatuto não eram vistas em trabalhos de base.

O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos revelou recentemente que o reconhecimento foi suspenso há dois anos devido a dificuldades financeiras.

Segundo o ministro Artur Queiroz, desde o início da governação do Presidente João Lourenço que havia a ideia de deixar de atribuir o título às organizações. "Como o dinheiro escasseou muito, o estatuto de utilidade pública também foi suspenso", explica Queiroz.

Conselho de Segurança da União Africana reúne-se em Angola


Luanda recebe esta quinta e sexta-feira uma reunião de ministros do Conselho de Paz e Segurança da União Africana e esperam-se soluções concretas para os conflitos no continente. Sudão do Sul e RDC estarão em destaque.

Angola assumiu no domingo (01.12) a presidência rotativa do Conselho de Paz e Segurança da União Africana (UA) e a liderança arranca com uma reunião de ministros dedicada aos temas da Paz e Segurança na quinta e sexta-feira, em Luanda.

Manuel Augusto, ministro das Relações Exteriores de Angola, lembrou esta semana que ainda há focos de conflito no continente e que a União Africana está atenta: "Estamos preocupados com aqueles países onde ainda existem conflitos ou onde há conflitos latentes", disse o ministro. ”"oje chama a atenção da UA e do seu processo de paz a situação ainda prevalecente no sul do Sudão, onde está em curso um exercício para implementação do chamado acordo revitalizado para Sul do Sudão", explicou.

O acordo foi assinado em setembro de 2018. Mas a violência continua no Sudão do Sul. Rebeldes que ficaram de fora do acordo continuam a pegar nas armas para combater o Governo. O país entrou em guerra há seis anos: 380 mil pessoas morreram e mais de quatro milhões foram obrigadas a deixar as suas casas.

STP | Tribunal Constitucional rejeita pedido de registo do ADI liderado por Patrice Trovoada


São-Tomé, 05 Dez. ( STP-Press ) – O Tribunal Constitucional de São Tomé e Príncipe decidiu rejeitar o pedido de registo do partido ADI liderado por Patrice Trovoada na sequência do congresso de 28 de Setembro ultimo, de acordo com um acórdão deste tribunal enviado esta manhã a STP-Press.

“O colectivo dos juízes conselheiros do Tribunal Constitucional reunido em conferência, decide não dar provimento ao pedido formulado senhor Domingo José da Trindade Boa Morte” – lê-se no acórdão nº 5/2019 referindo-se ao pedido “para efeitos de depósito e registo os nomes dos dirigentes eleitos no referido congresso”.

De acordo com tribunal a rejeição deve-se ao facto do partido ter-se já sido registado em 27 de Maio de 2019 com uma nova direção liderada por Agostinho Fernandes na sequência do congresso realizado 25 de Maio último “em que houve comunicação da alteração dos estatutos e constituição de novos dirigentes mediante o acórdão nº2/2019 de 4 Setembro publicado pelo diário da República”.

Guiné-Bissau | O impacto das alianças na segunda volta das eleições presidenciais


Apesar do esforço dos partidos em fazer alianças, analistas advertem que transferência de votos não deve ser "automática".

O cenário político da Guiné-Bissau está a configurar-se para a disputa da segunda volta das eleições presidenciais, marcada para 29 de dezembro. Domingos Simões Pereira, o candidato do  Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) enfrentará nas urnas Umaro Sissoco Embaló, apoiado pelo Movimento para Alternância Democrática (MADEM-G15).

Enquanto se negoceiam alianças, os observadores estão céticos quanto a uma transferência automática de votos.

O analista político Suleimane Cassamá acredita que as alianças políticas que estão a ser desenhadas não terão o efeito desejado. Para ele, a ideia de transferência de votos não é automática. "Não se pode pensar que vamos apoiar o fulano e [ele] já terá os votos dirigidos. Isso não vai acontecer."

Os grupos de jovens que estiveram com José Mário Vaz e Carlos Gomes Júnior na primeira volta anunciaram apoio a Simões Pereira. Por sua vez, Gomes Júnior e Nuno Nabiam - dois candidatos derrotados na primeira volta - anunciaram que estarão ao lado de Sissoco Embaló na reta final das presidenciais.

Portugal | Aumento do Salário Mínimo Nacional


A falácia conveniente sobre o desemprego

António Fernandes, em Braga | Jornal Tornado | opinião

Contrariamente ao debitado em retórica de quem argumenta de que o eventual aumento do desemprego em vários milhares de postos de trabalho a extinguir futuramente terá a ver com o aumento do Salário Mínimo Nacional que, em Portugal, é dos mais baixos, senão o mais baixo em termos relativos, da Europa. Contra-argumento da seguinte forma.

O desemprego tenderá a aumentar assim como o trabalho precário mais as atividades sazonais como consequência resultante do acordo 4.0 em que a manufatura desaparecerá do processo de transformação da grande maioria dos produtos existentes na cadeia do consumo em todos os segmentos.

As mudanças introduzidas desde a extração ao consumo, por condição processual de exploração e transformação, futuramente, não necessitarão de mão de obra.

Portugal | Pobreza aumenta entre os trabalhadores


O peso da pobreza em Portugal aumentou em 2018 nos trabalhadores empregados e nos desempregados e continua a ser elevado em todas as outras camadas da população. E os aumentos de miséria nas pensões em 2020

Eugénio Rosa | Jornal Tornado

Neste estudo analiso não só alguns aspetos importantes dos dados divulgados recentemente pelo INE referentes à pobreza em Portugal, que tinham sido omitidos pela generalidade dos órgãos de comunicação (o aumento significativo da pobreza na população empregada e desempregada).

Assim como, com base no aumento de preços (IPC) referente a Novembro de 2019 e nas normas do Decreto-Lei 53-B/2006 consolidado, calculo o previsível aumento de miséria das pensões quer da Segurança Social quer da CGA em 2020:

-- pensões até 877,97€ terão aumentos de 0,74%;
-- pensões de valor superior a 877,97€ até 2.633,9€ os aumentos serão apenas de 0,24%;
-- pensões de valor superior a 2.633,9€ os aumento serão de 0%, ficam congeladas).

Utilizando o valor da esperança de vida aos 65 anos referente a 2019, divulgado pelo INE, calculo o fator de sustentabilidade para 2020 concluindo que, entre 2019 e 2020, ele deverá aumentar de 14,67% para 15,2%.

Portanto, os trabalhadores que pedirem a reforma ou a aposentação antecipada em 2020, incluindo ao abrigo do regime após desemprego de longa duração, se aos 60 anos não tiverem pelo 40 anos de descontos, sofrerão um corte previsível na sua pensão de 15,2% devido à aplicação do fator de sustentabilidade. A este corte há que adicionar o corte de 0,5% por cada mês que falte ao trabalhador para atingir a idade de 66 anos e 5 meses.

Portanto, serão duplamente penalizados, se aos 60 anos não tiverem pelo menos 40 anos de descontos, uma situação injusta que o anterior ministro do Trabalho, Vieira da Silva, tinha prometido corrigir mas cuja palavra não cumpriu. É urgente acabar com esta dupla penalização, eliminando o fator de sustentabilidade para todos os trabalhadores.

Espero que o estudo possa ser útil aos trabalhadores portugueses já que a recuperação de rendimentos obtida na ultima legislatura foi claramente insuficiente como mais uma vez prova este estudo em que utilizo apenas dados oficiais.

Portugal | Mais do mesmo


Miguel Guedes | Jornal de Notícias | opinião

Por muito que se esforce, Luís Montenegro não conseguirá ser mais feroz no ataque a Rui Rio do que foi durante quase dois anos de oposição à liderança interna.

Inusitadamente, Montenegro lançou a sua maior cartada em Janeiro para tentar marcar passo, contando espingardas para uma guerra perdida. Esta, a tentativa de "golpe de estado" a meses das eleições a que Rio se referiu para acusar Montenegro de deslealdade, é imbatível. Pode dizer-se que Montenegro bem tentou avisar sobre a derrocada que aí vinha. Mas tendo ficado alguma pedra sobre pedra, tudo o que agora possa dizer sobre Rio soa a requentado e fratricida, fel a concorrer para a morte ou para a ruína. O debate televisivo entre os três candidatos à liderança do PSD deixou bem claro como Rio deverá ter o partido na mão nas directas de 11 de Janeiro e no Congresso de 7 de Fevereiro.

Abrir um debate com lavagem de roupa suja não é muito dignificante para quem pretende ser candidato a primeiro-ministro. O PSD parece não perceber que há um país inteiro sem qualquer interesse em mais uma novela pintada a tons laranja. Tudo fica ainda mais deprimente quando se percebe que os primeiros 15 minutos de debate não foram mais do que uma arma de arremesso que se esgota após alguns "sound bites" previamente definidos e estudados. Não há nada de estrutural em jogo. Não há oposição que se veja ou anteveja.

Crer para destruir: o punitivismo neoconservador no Brasil


É perceptível uma angústia quase apocalíptica por parte de um governo que se alimenta da construção da imagem desumana de seus inimigos.

O final do ano está às portas. E, com isso, chega ao fim também o primeiro ano de um novo (velho) governo. Novo do ponto de vista cronológico, velho com relação a certas práticas e, sobretudo, no que se refere aos discursos que delineiam a atual política criminal no Brasil. Na realidade, uma das principais novidades da atual administração está nos traços marcadamente e escancaradamente neoconservadores do controle penal que, sem qualquer cerimónia, reproduz o que há de pior no modelo norte-americano. 

Melancolicamente, presenciamos o desfecho de um ano que, no contexto político-criminal, confirmou as expectativas quanto à disseminação de uma visão da justiça criminal fadada ao fracasso. Declaradamente defende-se a redução da criminalidade e a promoção da segurança pública, porém, na prática, o que se nota é mais do mesmo: consolidação da hipertrofia penal e criminalização da pobreza. O sistema penal brasileiro espelha a sua matriz estadunidense e revela-se como parte de um projeto hegemónico-ideológico cujo propósito é legitimar o desmonte do Estado de Bem-Estar Social e negar o Direito a partir daquilo que Peter-Alexis Albrecht chamou de “pós-preventivo direito penal de segurança”. 

Brasil | Fortalecer as ruas, renovar a política: nasce o Movimento Comuns


Uma “formação de pessoas comuns de esquerda dispostas a se engajar na política para transformá-la”. Assim se apresenta o Movimento Comuns, lançado nesta quinta-feira (5) por Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), candidata à vice-presidenta em 2018. O Comuns quer fortalecer a “luta das ruas” para “renovar a política”. Será um movimento amplo e autônomo, uma resistência unitária, ativa no Brasil inteiro. “É preciso colocar as pessoas comuns dentro da política”, proclamou Manuela.

Em uma live (transmissão ao vivo) nas redes sociais, a ex-deputada relatou já ter encontrado centenas de pessoas que desejavam entrar na política. O Comuns é uma tentativa de derrubar barreiras que essas pessoas podem encontrar no caminho. Manuela fala em levar os mais diversos “espaços unitários de atuação política” para os chamados “espaços institucionais”.

Com base em cinco valores – Inovação, Direitos Humanos, Democracia, Resistência e Meio Ambiente –, o Comuns vai promover capacitação para interessados em “candidaturas coletivas, participativas e comprometidas”. As inscrições estão abertas. Já nas eleições 2020, Manuela prevê “milhares de candidaturas” em torno de uma plataforma comum. “É o movimento da galera que está na rua, que está nas lutas”, sintetizou.

Evo Morales: a história o absolverá


Boaventura de Sousa Santos* | Carta Maior

Os acontecimentos dramáticos ocorridos na Bolívia seguiram um guião imperial que os latino-americanos começam a conhecer bem: preparar a mudança de regime de um governo considerado hostil aos interesses dos Estados Unidos (ou melhor das multinacionais norte-americanas). Fazem-no orquestrando um plano duplo: anular uma vitória eleitoral “inimiga” e consolidar rapidamente o novo regime que toma medidas que não são próprias de um governo de transição. Certamente que o que aconteceu nos surpreende, mas também o modo imediato como foi comentado, de modo maioritariamente desfavorável ao governo de Evo Morales a partir de quadrantes ideológicos supostamente opostos. Proponho-me contribuir para este debate pois vejo nos recentes acontecimentos na Bolívia as sementes de muito do que se passará no continente e no mundo nas próximas décadas.

Sucessos e conquistas do governo de Evo

No primeiro governo de Evo Morales (2006-2010), o mais avançado em termos de transformações substantivas, destaca-se o cumprimento da chamada “Agenda de Outubro”, com duas medidas essenciais na Bolívia: a) a nacionalização dos hidrocarbonetos, produzida com grande simbolismo no 1° de maio de 2006 (alguns críticos sustentam que na realidade foi uma renegociação de contratos com as petrolíferas); e, b) a Assembleia Constituinte, que depois de um caminho difícil conduziu à aprovação em referendo (janeiro de 2009) de uma nova Constituição Política do Estado Plurinacional.

Com a nacionalização dos hidrocarbonetos e de empresas estratégicas como a de telecomunicações (Entel), que coincidiu com um período de bonança por efeito do aumento dos preços internacionais de matérias primas, o Estado boliviano saiu da sua condição de mendigo (o “Estado com buracos”) e com Evo Morales avançou-se para um Estado forte com presença territorial. O investimento público converteu-se na principal fonte de um modelo de crescimento, estabilidade económica e redistribuição elogiado por todos os organismos internacionais. Apesar das dificuldades e demoras, foram dados passos importantes para avançar na desejada industrialização dos hidrocarbonetos, assim como em outros grandes empreendimentos (produção de electricidade, exploração do ferro, exploração das reservas de lítio).

A nova Constituição trouxe consigo avanços e conquistas fundamentais no âmbito do novo modelo de Estado Plurinacional e com autonomias. Um acerto fundamental foi o reconhecimento constitucional do sujeito “indígena originário camponês” e a sua inclusão na estrutura estatal e no âmbito público-político. A plurinacionalidade do Estado é uma conquista em construção cujo maior impulso é obra do Pacto de Unidade que no momento certo unificou as organizações matrizes. Também se avançou no caminho de longo prazo das autonomias em diferentes níveis territoriais, incluindo o autogoverno indígena.

Certamente não podemos deixar de assinalar como uma conquista fundamental a redução importante das brechas de desigualdade e, em especial, de pobreza. Durante o período de Governo de Evo, segundo dados oficiais, a pobreza reduziu-se de 59,9 por cento para 34,6 por cento, enquanto que a pobreza extrema baixou de 38,2 para 15,2 por cento. Para isso contribuíram diversas bonificações destinadas a sectores vulneráveis (Renda Dignidade para adultos idosos, Bono Juancito Pinto para crianças em idade escolar, Bono Juana Azurduy para mulheres grávidas). Diferentes estudos de organismos internacionais como o PNUD, destacam também como realização do Governo de Evo Morales a inclusão social da nova classe média (“emergente”), como resultado do facto de que as pessoas com rendimentos médios terem passado de 3,3 milhões (2005) para sete milhões (2018).

No Governo de Morales são também destacáveis, como resultado do novo enquadramento constitucional e normativo, os importantes avanços em matéria de equidade de género, igualdade de oportunidades entre mulheres e homens e, em especial, a presença paritária de mulheres eleitas nos órgãos legislativos de todos os níveis (Assembleia Legislativa Plurinacional, assembleias departamentais, concelhos municipais). Isto foi possível graças ao impulso permanente das organizações de mulheres.

Existem outras conquistas evidentes em matéria de redução de desigualdades, inclusão social, redução drástica do analfabetismo, indicadores macroeconómicos favoráveis (a Bolívia liderou nos últimos anos o crescimento económico na América do Sul), redução para metade da taxa de desemprego (de 8,1 a 4,2%), aumento continuado do salário mínimo, aumento da expectativa de vida, investimento público notável nas infraestruturas (em especial estradas e milhares de obras nas províncias e área rural), entre outros. Em todo o caso, uma realização substantiva, que não pode medir-se com indicadores, tem que ver com a reafirmação da dignidade e soberania da Bolívia no contexto internacional.

A Revolta Latina, a crise dos EUA e a esquerda


Desgaste do neoliberalismo alastra-se e chega à Colômbia. Cavalga na paralisia dos EUA, perdidos em disputas internas e fracassos geopolíticos. Washington ainda pode vetar e estrangular – mas impasses vão crescer, e exigem respostas

José Luís Fiori | Outras Palavras

“Muitos no Departamento de Estado
perderam o respeito por Mike Pompeo –
por um bom motivo. Seu comportamento
é uma das coisas mais vergonhosas
que já vi em 40 anos de cobertura
da diplomacia americana”.

Thomas Friedman, no New York Times

Num primeiro momento, pensou-se que a direita retomaria a iniciativa, e se fosse necessário, passaria por cima das forças sociais que se rebelaram, e surpreenderam o mundo durante o “outubro vermelho” da América Latina. E de fato, no início do mês de novembro, o governo brasileiro procurou reverter o avanço esquerdista, tomando uma posição agressiva e de confronto direto com o novo governo peronista da Argentina. Em seguida interveio, de forma direta e pouco diplomática, no processo de derrubada do presidente boliviano, Evo Morales, que havia acabado de obter 47% dos votos nas eleições presidenciais da Bolívia. A chancelaria brasileira não apenas estimulou o movimento cívico-religioso da extrema-direita de Santa Cruz, como foi a primeira a reconhecer o novo governo instalado pelo golpe cívico-militar e dirigido por uma senadora que só havia obtido 4,5% dos votos nas últimas eleições. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro procurou intervir no segundo turno das eleições uruguaias, dando seu apoio público ao candidato conservador, Lacalle Pou – que o rejeitou imediatamente – e recebendo em Brasília o líder da extrema-direita uruguaia que havia sido derrotado no primeiro turno, mas que deu seu apoio a Lacalle Pou no segundo turno.

Mesmo assim, ao fazer-se um balanço completo do que passou no mês de novembro, o que se constata é que uma expansão da “onda vermelha” havia se instalado no mês anterior no continente latino-americano. Nessa direção, e por ordem, o primeiro que aconteceu foi a libertação do principal líder da esquerda mundial, segundo Steve Bannon, o ex-presidente Lula, que se impôs à resistência da direita civil e militar do país, graças a uma enorme mobilização da opinião pública nacional e internacional. Em seguida aconteceu o levante popular e indígena da Bolívia, que interrompeu e reverteu o golpe de Estado da direita boliviana e brasileira, impondo ao novo governo instalado a convocação de novas eleições presidenciais com direito à participação de todos os partidos políticos, incluindo o de Evo Morales. Da mesma forma, a revolta popular chilena também obteve uma grande vitória com a convocação, pelo Congresso Nacional, de uma Assembleia Constituinte que deverá escrever uma nova Constituição para o país, enterrando definitivamente o modelo socioeconómico herdado da ditadura do General Pinochet. E mesmo assim, a população rebelada ainda não abandou as ruas e deve completar dois meses de mobilização quase contínua, com o alargamento progressivo da sua “agenda de reivindicações” e a queda sucessiva do prestígio do presidente Sebastian Piñera, que hoje está reduzido a 4,6%. Neste momento, a população segue discutindo nas praças públicas, em cada bairro e província, as próprias regras da nova constituinte, prenunciando uma experiência que pode vir a ser revolucionária, de construção de uma constituição nacional e popular, apesar de ainda existirem partidos e organizações sociais que seguem exigindo um avanço ainda maior do que o que já foi logrado.

Cimeira da NATO, o partido de guerra está ficando mais forte


Manlio Dinucci*

Macron falou da "morte encefálica" da NATO, outros a definem como "moribunda". Estamos, portanto, diante de uma Aliança que, sem mais cabeça pensante, se desintegra sob o efeito de fraturas internas? As disputas na Cúpula de Londres parecem confirmar esse cenário. Mas devemos examinar a substância, os interesses reais nos quais as relações entre os aliados se baseiam.

Enquanto em Londres Trump e Macron polemizam sob os olhos das câmeras, no Níger, sem muita publicidade, o Exército dos EUA na África transporta com seus aviões de carga milhares de soldados franceses e seus armamentos em vários na África Ocidental e Central, para a Operação Barkhane, na qual Paris envolve 4.500 soldados, especialmente forças especiais, com o apoio de forças especiais dos EUA em ações também. Simultaneamente, os drones armados Reaper, fornecidos pelos EUA à França, operam a partir da Base Aérea 101 em Niamey (Níger). A partir dessa mesma base, decole o Ceifador da Força Aérea dos EUA na África, que agora é reimplantado na nova base 201 de Agadez, no norte do país, continuando a operar com as forças francesas.

O caso é emblemático. Os Estados Unidos, a França e outras potências europeias, cujos grupos multinacionais competem para capturar mercados e mercadorias, são compactos quando seus interesses comuns estão em jogo. Por exemplo, eles têm no rico Sahel de matérias-primas: petróleo, ouro, coltan, diamantes, urânio. Mas agora seus interesses nessa região, onde os índices de pobreza estão entre os mais altos, estão ameaçados pelos levantes populares e pela presença económica chinesa. Daí a Operação Barkhane, que, apresentada como uma operação antiterrorista, envolve aliados em uma guerra de longo prazo com drones e forças especiais.

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