O procurador de Angola admite
recorrer à cooperação internacional para investigações no âmbito do
"Luanda Leaks". E disse que vai "esgotar todos os
procedimentos" antes de pedir a prisão da empresária Isabel dos Santos.
Em entrevista à agência de
notícias Lusa, em Lisboa, o procurador-geral da República de Angola, Hélder
Pitta Grós, afirmou que a Justiça pretende "esgotar todos os
procedimentos" para notificar a empresária angolana Isabel dos Santos
antes de pedir um mandado internacional de captura.
Grós também disse que poderá
recorrer à Interpol e Europol, e a outros organismos internacionais, para
investigações no âmbito do "Luanda Leaks", investigação jornalística
que expôs esquemas financeiros da filha do ex-Presidente de Angola.
"Primeiro vamos esgotar a
possibilidade de notificá-la: se não for em Portugal será no Dubai ou no
Reino Unido [onde também tem residência]. Vamos esgotar essas possibilidades
para depois podermos avaliar a aplicação de outra medida", disse Pitta
Grós, em entrevista à agência Lusa esta sexta-feira (24.01), um dia depois
de ter
sido recebido pela sua homóloga portuguesa, a quem pediu ajuda na notificação
dos arguidos num caso de má gestão da petrolífera Sonangol.
A empresária terá estado na
quinta-feira (23.01) em Lisboa e continua com total liberdade de circulação,
algo que Pitta Grós considera normal, tendo em conta a fase do processo.
"Em relação aos seus
movimentos nada podemos fazer, porque não há medidas de coação no âmbito do
processo-crime. Só depois de ela ser interrogada é que lhe poderá ser ou não
aplicada" uma medida de coação, afirmou.
Cooperação internacional
Para já, a Interpol ainda não foi
contactada por Luanda nem foi pedido um mandado internacional de captura.
"[Primeiro], temos de cumprir os pressupostos processuais. Ela ainda não
foi notificada desse despacho", explicou o procurador, acrescentando que
só se não "comparecer nesse interrogatório" é que poderá "ter de
seguir por essa via".
Por enquanto, será pedida
cooperação judiciária internacional para notificar a empresária que tem
passaporte russo: "Teremos de ir a países onde haja interesses neste
processo, interesse em notificar [Isabel dos Santos], interesse em possíveis
investimentos ou dinheiros que, de forma ilícita, tenham ido para esses
países".
"Quando há necessidade de
recorrer à cooperação internacional temos que usar todos os instrumentos legais
que existem e, portanto, Interpol, Europol e tudo o que for necessário iremos
utilizar", afirmou à Lusa Helder Pitta Grós. Até agora, garantiu que não
recorreu a essas autoridades policiais: "Neste momento, ainda não o
fizemos", mas "quando for necessário faremos isso".
"Fase inicial de
investigação"
Para o procurador angolano,
Angola "está numa fase inicial de investigação aos factos que foram
revelados recentemente", referindo-se às suspeitas de desvios de dinheiro
por parte da empresária angolana Isabel dos Santos, revelados pelo "Luanda
Leaks" a partir da investigação do Consórcio Internacional de Jornalismo
de Investigação (ICIJ).
Por isso, "ainda não houve
tempo suficiente para podermos para explorar tudo", referiu. Mas "o
foco não está só" no processo que envolve a empresária Isabel dos Santos,
garantiu o PGR de Angola: "Temos em trabalho muitos outros processos. E
alguns até irão para tribunal mais cedo do que a conclusão deste",
considerou Pitta Grós.
Segundo explicou, porque
processos como o que está em curso, "pela sua natureza e complexidade,
necessidade de ter meios próprios para trabalhar nele, humanos principalmente,
não são fáceis de um dia para o outro de serem concluídos e de serem submetidos
ao tribunal".
"Os meios nunca são
suficientes, porque as pessoas que incorrem nessa prática de ilícitos estão
sempre muito mais à frente, por isso não podemos acompanhar o ritmo deles nem
temos os meios e, como tal, é uma luta constante", afirmou. Por isso,
Hélder Pitta Grós admitiu que a Procuradoria-Geral da República angolana tem
pedido apoio, até mesmo de técnicos, a outros países na área da investigação.
Empresária diz não ter sido
notificada
A empresária Isabel dos Santos
tem alegado que nunca foi notificada e queixa-se de que a justiça angolana está
a ser seletiva nos alvos das investigações de corrupção, algo que Hélder Pitta
Grós rejeita.
Isabel dos Santos "não foi
notificada [em Luanda] porque ela não saiu de casa para atender o agente que a
foi notificar" e mandou a "empregada doméstica atender" que
"assinou" a nota judicial, disse o procurador, assegurando que as
autoridades estão a atuar com imparcialidade neste caso.
"A justiça angolana é
seletiva porque só vai agir contra aqueles que cometeram ilícitos",
avisou.
Processo impossível na era JES
Para o procurador-geral da
República de Angola, a justiça angolana não teria podido investigar a
empresária Isabel dos Santos durante a liderança do seu pai, o ex-Presidente
José Eduardo dos Santos, por pressão do poder político.
Antigo vice-procurador-geral da
República durante os últimos anos de mandato de José Eduardo dos Santos,
substituído em 2017 por João Lourenço, Hélder Pitta Grós reconheceu que o
sistema judicial mudou, com a nomeação de novos protagonistas que asseguram a
independência da justiça em relação ao poder executivo.
Questionado pela Lusa se seria
possível uma investigação criminal a Isabel dos Santos como agora sucede,
visando entre outras matérias a alegada má gestão da petrolífera estatal
Sonangol, Hélder Pitta Grós foi taxativo: "Não acredito. Porque nunca
aconteceu nada e estes factos foram cometidos antes de 2017".
"Porque se o poder político
não estiver interessado em que a justiça funcione tem formas de fazê-lo",
já que é o executivo que "tem os meios financeiros, os meios materiais e
humanos", frisou Pitta Grós.
Deutsche Welle | Agência Lusa, tms
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