Há um novo desporto em Portugal
que, sendo praticado por boa parte das elites do poder financeiro português,
corre o risco de se transformar em competição olímpica.
Miguel Guedes | Jornal
de Notícias | opinião
Na realidade, há muito que se
ultrapassaram os mínimos. Esse desporto, misto de caça-fantasmas com jogo da
invisibilidade, é de alta competição, usa de velocidade e joga-se da pista
principal para os atalhos. Desporto de morte súbita, cada dia a ganhar adeptos,
é uma prova sui generis e com um desígnio último: fugir de Isabel dos Santos.
Jogo colectivo sem ponta de lança mas com um pelotão de arrasto, apresenta-se
com um lema de unidade individual inquebrantável: salve-se quem puder!
Desde que o Consórcio Internacional
de Jornalistas de Investigação revelou os Luanda Leaks, 715 mil ficheiros
secretos sobre a sede de fortuna e a rede de negócios da filha de José Eduardo
dos Santos, An-go-la é agora uma palavra insoletrável de escura como breu, para
dezenas de cabecilhas e co-responsáveis pela tormenta que assolou o povo
angolano durante décadas de conivência com o nepotismo e a cleptocracia.
Despacho de pronúncia. Neste desporto, ganha o último a fazer-se de morto.
Uma investigação não julga nem
encontra culpados, mas é perfeitamente justificável a tremideira que se apossou
de altos responsáveis da tríade Sonae/Nos/Continente Angola, do Grupo
Amorim/Banco BIC/Galp e do Grupo Mello/TMG/Efacec, assim como de sociedades
facilitadoras e parceiros vários como a PwC, Vieira de Almeida, BCG e PLMJ.
Durante anos, muitos agiram como inimputáveis a surfar uma onda de poder
manchada por petrodólares. Do ponto de vista da complacência, é difícil de
explicar o comportamento do Banco de Portugal, da CMVM e da PGR. Mas é no poder
político português que reside a face maior da vergonha, fascinado que sempre
esteve ao serviço da normalização do poder político angolano. São incontáveis
os negócios realizados com o regime de Angola por figuras de proa do PSD, PS e
CDS, sempre com o discurso anticolonialista na ponta da língua nos momentos em
que era necessário justificar os negócios realizados à custa da falta de
liberdade de um povo.
Se Isabel dos Santos, constituída
arguida na passa quarta-feira, não se apresentar de forma voluntária à justiça
angolana, poderá ser emitido um mandado de captura internacional e a justiça
portuguesa não pode lavar as mãos. Do injustificável. São muitos os que batem
palmas ao Luanda Leaks mas não têm vergonha em ser cúmplices silenciosos
perante a falta de interesse da justiça portuguesa no Football Leaks revelado
por Rui Pinto. É curioso que Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos,
aponte Rui Pinto como um dos responsáveis pelo aparecimento do Luanda Leaks. A
seu tempo, far-se-á justiça à dimensão da coragem e relevância de Rui Pinto.
Por-tu-gal, como Angola, também é palavra que muita gente devia ter dificuldade
em soletrar.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
*Músico e jurista
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