A Amnistia Internacional
denunciou hoje que a Arábia Saudita está a utilizar um tribunal especial para
condenar e silenciar sistematicamente as vozes dissidentes no país, exigindo a
libertação "imediata e incondicional" de todos os "prisioneiros
de consciência".
A acusação consta de um relatório
hoje divulgado que tem por base uma investigação conduzida pela Amnistia
Internacional (AI) e revela como as autoridades de Riade, apesar da
promoção de "uma retórica de reformas", utilizam o Tribunal Penal
Especializado (SCC, na sigla em inglês) como "uma arma" para
silenciar as vozes críticas ao regime, cujo "homem forte" é o
príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman.
O SCC foi estabelecido
em outubro de 2008 para julgar indivíduos acusados de crimes
relacionados com terrorismo.
A investigação da AI indica que
desde 2011 aquela instância judicial é utilizada de forma sistemática para
processar e condenar pessoas, nomeadamente defensores dos direitos humanos,
escritores, economistas, membros do clero, jornalistas ou reformistas e ativistas políticos
(incluindo da minoria xiita), com base "em acusações vagas que equiparam
com frequência atividades políticas pacíficas a crimes relacionados
ao terrorismo".
"O governo da Arábia Saudita
aproveita o SCC para criar uma falsa aura de legalidade em torno do
abuso da lei antiterrorista para silenciar os seus críticos. Todas as
etapas de um processo judicial no SCC estão manchadas com violações
dos direitos humanos", acusou a diretora regional da AI para o
Médio Oriente e norte de África, Heba Morayef.
Acesso negado a advogados,
regimes de detenção sem qualquer comunicação com o exterior e condenações
fundamentadas em "ditas confissões extraídas através de tortura" são
exemplos de abusos apontados por Heba Morayef.
A AI refere que fez uma
aprofundada análise de documentos judiciais do SCC, das declarações
públicas do governo e da legislação nacional saudita.
Entrevistas com ativistas,
advogados e pessoas próximas dos vários casos de dissidentes julgados e
condenados pelo SCC também foram incluídas no relatório.
A organização internacional
referiu que escreveu, em 12 de dezembro de 2019, às autoridades
sauditas, tendo recebido uma resposta da comissão de direitos humanos que
resumia as leis nacionais e os procedimentos relevantes, sem abordou diretamente as
questões levantadas.
"A nossa investigação
desmente a brilhante nova imagem reformista que a Arábia Saudita está a tentar
cultivar" e que "aumentou após a nomeação do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman",
destacou Heba Morayef.
"Ao mesmo tempo que trouxeram
um conjunto de reformas positivas no campo dos direitos das mulheres, as
autoridades desencadearam uma intensa repressão sobre algumas das principais
defensoras dos direitos humanos que há anos lutavam por tais reformas, bem como
sobre outros cidadãos que promoviam mudanças", relatou a organização.
No relatório, a Amnistia
apresenta os casos concretos de 95 indivíduos, a maioria homens, que sofreram
"julgamentos injustos", que foram condenados a penas pesadas,
incluindo a pena de morte, ou que ainda permanecem em julgamento no SCC entre
2011 e 2019.
A AI destacou ainda que pelo
menos 28 muçulmanos sauditas da minoria xiita - a Arábia Saudita é um regime de
maioria sunita -- foram executados desde 2016, muitos condenados à
morte pelo SCC com base em confissões extraídas com recurso a
tortura.
No documento, a organização exige
a libertação "imediata e incondicional" de todos os
"prisioneiros de consciência" e apela a uma reforma
"urgente" do SCC, para garantir que este tribunal "possa
conduzir julgamentos justos e proteger os réus de detenções arbitrárias,
tortura e de outros maus-tratos".
A ONG pediu igualmente
investigações independentes sobre as alegações de tortura e de outros
maus-tratos infligidos durante os períodos de custódia e que as vítimas de tais
abusos sejam indemnizadas.
"Se o rei saudita [rei Salman]
e o príncipe herdeiro desejam mostrar que estão empenhados nas reformas,
deveriam, como primeiro passo, libertar imediatamente e incondicionalmente
todos os prisioneiros de consciência, garantir que as condenações e as
sentenças sejam anuladas e declarar uma moratória oficial sobre todas as
execuções com o objetivo de abolir a pena de morte" reforçou Heba Morayef.
A Amnistia lembrou ainda que o
Conselho dos Direitos Humanos da ONU adotou, em 2019, duas
declarações conjuntas, de teor inédito, sobre a situação dos direitos humanos
no reino saudita e que apontavam um conjunto necessário e urgente de
reformas neste campo.
A primeira declaração foi adotada em março de
2019, alguns meses após o homicídio do influente jornalista saudita no
exílio e crítico do regime de Riade Jamal Khashoggi, em outubro de
2018.
"Nada foi cumprido e os
membros do Conselho devem garantir um escrutínio contínuo (...), apoiando o
estabelecimento de um mecanismo de monitorização e de denúncia sobre a situação
dos direitos humanos", concluiu a organização.
Notícias ao Minuto | Lusa
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