Jorge Rocha* | opinião
Por estes dias os noticiários
televisivos têm, inevitavelmente, o coronavírus como tema de abertura. À falta
de um caso positivo em Portugal, que leve ao paroxismo as ansiedades das
audiências, repetem-se as escassas atualizações oriundas das lonjuras asiáticas,
tantas vezes quantas as necessárias.
O sobressalto coletivo vai sendo
alimentado por muito que a Organização Mundial de Saúde racionalize a situação
com a evidência de não estarmos perante uma pandemia, que justifique tamanhos
receios, entretanto traduzidos em formas mais ou menos óbvias de um estúpido
racismo antichinês.
Com uma média de 2% de
mortalidade no universo dos contaminados, o coronavírus está muito longe da
perigosidade do Ébola que, regularmente, causa um número bem mais significativo
de vítimas mortais no continente africano sem que os grandes laboratórios
farmacêuticos invistam recursos suficientes para lhe encontrarem a cura. Este
coronavírus acaba por revelar-se elucidativo quanto à desigual importância
atribuída a ameaças à saúde pública, consoante se perspetivam maiores ou
menores riscos para as populações do próspero Ocidente. Com os vírus, que
provocam razias em África, mas não encontram condições de propagação nas
latitudes situadas fora dos limites tropicais, a preocupação mingua-se.
Ademais, para as atuais linhas
editoriais, influenciadas pelos tiques de Guerra Fria em que os chineses
tomaram o lugar outrora conferido aos soviéticos, uma situação comprometedora
para a grande potência económica emergente revela-se autêntico maná,
alimentando - mesmo que por alguns dias! - a inconfessada esperança de se
manter inalterada a relação de forças atual, com os Estados Unidos a
manterem-se como farol de referência do capitalismo selvagem. Mesmo que
adivinhemos a facilidade com que esses mesmos diretores de «informação se
renderão novamente aos encantos dos capitalistas chineses, se forem eles a
melhor lhes garantirem o adiamento do previsível dia em que nenhuma
recauchutagem desesperada conseguirá remendar o que já, há muito, se afigura condenado
pela dialética evolução das sociedades futuras...
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