Pedro Ivo Carvalho*
| Jornal de Notícias | opinião
Por princípio, duvido sempre da
bondade de qualquer decisão política aplicada à Justiça. Porque Portugal é o
que sabemos e porque a impunidade ainda é diretamente proporcional à relevância
mediática dos cargos públicos. Não é de estranhar, por isso, que os magistrados
do Ministério Público tenham caído em cima da procuradora-geral da República
quando Lucília Gago impôs uma diretiva que não apenas lhes retirava poder de
decisão nos processos, como conferia à hierarquia a discricionariedade para
deliberar sobre esses processos sob anonimato e sem justificação perante os
pares ou o país, alterando ou revogando, inclusivamente, decisões anteriores.
Basicamente, aquilo que a procuradora queria e agora travou (veremos se
provisoriamente) era que os procuradores ficassem subjugados a tudo o que fosse
determinado pelos chefes. Com a agravante de ninguém ficar obrigado a dar a
cara por essas decisões.
Não há mal nenhum que quem manda
no Ministério Público mande efetivamente. E nisso a Justiça e os procuradores
não podem querer arvorar-se em entidades supremas, impolutas, que criam e gerem
as próprias regras e conflitos sem necessidade de mediação. Mas sendo natural
que a procuradora-geral defina, dentro das suas competências e esfera de ação,
o caminho, não pode fazê-lo com metodologias opacas, escudadas no anonimato,
afastando qualquer esforço de transparência e de escrutínio público. É tão
perniciosa para a democracia uma república de juízes todo-poderosa sem freio
como uma hierarquia musculada que quer decidir por eles numa lógica
absolutista.
Na Justiça como na vida, o que
parece muitas vezes é. Ao Ministério Público exige-se que tenha o bom senso de
preservar a sua autonomia e independência, em respeito escrupuloso pela
hierarquia. Mas exige-se sobretudo que não caia na tentação recente de olhar
para os poderosos com uma candura típica dos países do Terceiro Mundo a quem a
corrupção não tira o sono. Se atendermos a que esta crise tem como epicentro o
processo de Tancos, acrescem razões para não ficarmos descansados.
*Diretor-adjunto
Imagem: em O Ouriço
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