quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Portugal | Dar a cara pela Justiça


Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

Por princípio, duvido sempre da bondade de qualquer decisão política aplicada à Justiça. Porque Portugal é o que sabemos e porque a impunidade ainda é diretamente proporcional à relevância mediática dos cargos públicos. Não é de estranhar, por isso, que os magistrados do Ministério Público tenham caído em cima da procuradora-geral da República quando Lucília Gago impôs uma diretiva que não apenas lhes retirava poder de decisão nos processos, como conferia à hierarquia a discricionariedade para deliberar sobre esses processos sob anonimato e sem justificação perante os pares ou o país, alterando ou revogando, inclusivamente, decisões anteriores. Basicamente, aquilo que a procuradora queria e agora travou (veremos se provisoriamente) era que os procuradores ficassem subjugados a tudo o que fosse determinado pelos chefes. Com a agravante de ninguém ficar obrigado a dar a cara por essas decisões.

Não há mal nenhum que quem manda no Ministério Público mande efetivamente. E nisso a Justiça e os procuradores não podem querer arvorar-se em entidades supremas, impolutas, que criam e gerem as próprias regras e conflitos sem necessidade de mediação. Mas sendo natural que a procuradora-geral defina, dentro das suas competências e esfera de ação, o caminho, não pode fazê-lo com metodologias opacas, escudadas no anonimato, afastando qualquer esforço de transparência e de escrutínio público. É tão perniciosa para a democracia uma república de juízes todo-poderosa sem freio como uma hierarquia musculada que quer decidir por eles numa lógica absolutista.

Na Justiça como na vida, o que parece muitas vezes é. Ao Ministério Público exige-se que tenha o bom senso de preservar a sua autonomia e independência, em respeito escrupuloso pela hierarquia. Mas exige-se sobretudo que não caia na tentação recente de olhar para os poderosos com uma candura típica dos países do Terceiro Mundo a quem a corrupção não tira o sono. Se atendermos a que esta crise tem como epicentro o processo de Tancos, acrescem razões para não ficarmos descansados.

*Diretor-adjunto

Imagem: em O Ouriço

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