Inês Cardoso | Jornal de
Notícias | opinião
Deve ser humilhante, para alguém
que de coração aberto confessou ter andado 40 anos a preparar-se "para ser
juiz do Tribunal Constitucional", ver o Parlamento chumbar o seu nome de
forma categórica.
Tão categórica que a lista, que
carecia de uma maioria de dois terços para a eleição, não conseguiu sequer
convencer toda a bancada do PS, o partido responsável pela proposta. São 108 os
deputados socialistas, mas os nomes para o TC obtiveram apenas 93 votos
favoráveis.
Vitalino Canas, conotado não
apenas com José Sócrates mas também com o mundo dos negócios, recebeu neste
caso um cartão vermelho que vale a pena aplaudir. Não especificamente pelas
amizades passadas ou presentes de Vitalino, mas porque a importância do
Tribunal Constitucional não se compadece com ligações políticas perigosas.
Trata-se de um tribunal superior,
de cujas decisões não há recurso, com uma intervenção relevante em situações de
conflitualidade política (como se viu durante o período de resgate financeiro)
e um papel ativo na fiscalização dos partidos. Ser juiz do Tribunal
Constitucional, ao contrário do que afirmou Vitalino Canas, deveria ser muito
mais do que "um bocadinho diferente" de exercer funções políticas.
Em segundo lugar, porque casos
graves como o que recentemente envolveu o juiz Vaz das Neves, ex-presidente do
Tribunal da Relação de Lisboa, minam por completo a confiança na Justiça e
restaurá-la é absolutamente vital.
Há ainda uma terceira lição que o
PS deve retirar. A tentação da autossuficiência paga-se caro. Há decisões
demasiado importantes para não serem devidamente negociadas e houve avisos mais
do que evidentes do que iria ser a votação.
Espantoso, para usar o adjetivo
escolhido pela líder da bancada socialista, é reagir com ar ofendido ao
funcionamento democrático do Parlamento. Espantoso, ainda recorrendo ao
adjetivo de Ana Catarina Mendes, é invocar "acordos de cavalheiros"
em decisões de sentido único. A palavra negociar tem mudado, e muito, no
dicionário do PS.
*Diretora-adjunta
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