sábado, 7 de março de 2020

Abandonada por Washington, Paris apoia-se em Telavive contra Damasco


Thierry Meyssan*

Este artigo foi retirado do livro Under Our Eyes. Veja o índice.

Cega pelo seu sonho em restabelecer a sua influência do passado na região, a França, nas mãos do «partido colonial» dirigido por François Hollande, já não percebe a política norte-americana no Médio-Oriente Alargado. Escolhe reaproximar-se de Israel, mas, no entanto, não consegue provocar o bombardeamento aliado de Damasco. Apesar de todos os esforços de Paris, Bashar al-Assad é eleito democraticamente pelos Sírios do interior e do exterior na presença de numerosos observadores internacionais.

27— A «linha vermelha»

Em Maio de 2013, a OTAN difunde para os seus membros um relatório indicando que a população apoia o Presidente al-Assad a 70%. Os rebeldes serão apoiados por 20% e 10% não têm opinião [1]. Paris e Ancara concluem que só haverá vitória voltando ao plano inicial e bombardeando a Síria. É, pois, preciso tomar uma iniciativa para fazer pressão sobre Washington.

Em 21 de Agosto, um ataque químico atinge civis sírios nos arredores de Damasco, numa zona controlada pelos jiadistas, a Ghuta. Nas horas seguintes, uma vasta máquina de comunicação põe-se em marcha acusando a República Árabe Síria de ser a responsável por isso. Este ataque marcaria o transpor da «linha vermelha», fixada pelo Presidente Obama. Os Ocidentais aprestaram-se a «punir o regime» bombardeando a sua capital.

O governo sírio desmente qualquer implicação e lembra que, em 23 de Maio, a polícia turca prendeu 11 jiadistas, em Adana, na posse de um importante stock de gás sarin. Se o chefe do grupo, Hytam Qassap, é de nacionalidade Síria, os outros são todos Turcos [2]. Por outro lado, o Exército sírio livre exibiu, ele próprio, vídeos de um pequeno laboratório de fabrico de armas químicas e ameaçou os alauítas de os gazear [3].

O que se passou na Ghuta é assunto suspeito : os Serviços Secretos do EUA afirmam ter observado durante os quatro dias precedentes –sem intervir– o Exército Árabe Sírio a preparar o gaz. São difundidos vídeos pela Oposição, mas em que um deles é datado pelo YouTube (hora da Califórnia) antes do nascer do sol em Damasco, quando foi filmado com luz do dia [4]. As vítimas são, ou crianças —todas da mesma idade—, ou homens, apenas aparecem 2 mulheres em 1. 429 vítimas contadas pelos Estados Unidos. As crianças mortas mostram ser, na realidade, alauítas que foram raptadas pelos jiadistas, algumas semanas antes. Muito embora estejam oficialmente ausentes do país, a França e o Reino Unido garantem ter recolhido amostras no local e tê-las testado de imediato. Confirmam que foi usado gás sarin. Azar, o único teste conhecido requer 10 dias para ficar concluído.

Segundo os Serviços de Inteligência francês e britânico [5], a utilização de armas químicas pelo Exército sírio é atestado por escutas telefónicas de oficiais. Mas acontece que estas escutas foram realizadas pelos Israelitas [6]. Subitamente, a Inteligência militar francesa torna-se prudente. Não assume a autoria da Nota de síntese divulgada pelo Ministério Francês da Defesa. Com efeito, ela fora redigida por Sacha Mandel, um conselheiro do Ministro com dupla nacionalidade israelo-francesa.

No fundo, não se compreende por quê o uso de armas químicas constituiria uma «linha vermelha». Em que é que é pior do que as outras «armas de destruição maciça» ? Por que é que os Estados Unidos, signatários da Convenção sobre a proibição de armas químicas, reprovam à Síria, que não é signatária, o seu possível uso, quando eles próprios violaram o seu compromisso em 2003 no palmar de Bagdade? [7]

Quando as armas químicas apareceram, durante a Primeira Guerra Mundial, elas causaram surpresa e, por isso, foram muito mortíferas. No entanto, os Estados rapidamente encontraram os meios para lhes fazer face, de tal modo que ninguém as utilizou de forma significativa no campo de batalha durante a Segunda Guerra Mundial. No Próximo-Oriente, Israel recusou assinar a Convenção, levando com ele o Egipto e a Síria. De 1985 a 1994, Israel financiou pesquisas na África do Sul visando criar armas selectivas em função de características raciais. Tratava-se de determinar agentes tóxicos que só matassem Negros e Árabes e não o povo judeu. Elas foram realizadas sob a direcção do cardiologista do Presidente Peter Botha, o Coronel Wouter Basson. Ignora-se se foram coroadas de êxito, o que parece improvável no plano científico. Vários milhares cobaias humanas morreram durante as experiências [8].

Rapidamente, os Serviços britânicos validam as observações acima descritas e avisam o Primeiro-ministro, David Cameron, para uma possível operação de bandeira falsa. A televisão Síria transmite um vídeo com um chofer de jiadistas. Ele atesta ter-se dirigido à Turquia e ter recebido os obuses tóxicos num quartel turco, depois tê-los secretamente transportado para Damasco.

Interrogado pela imprensa Russa, o Presidente sírio, Bashar al-Assad, responde:

«As declarações emitidas por políticos norte-americanos, ocidentais e de outros países constituem um insulto ao bom senso e uma expressão de desprezo pelas suas próprias opiniões públicas. É um total disparate: primeiro acusa-se e depois é que se reúne as provas (...) Este tipo de acusação é exclusivamente político, responde à série de vitórias registadas pelas forças governamentais sobre os terroristas». »

François Hollande, quanto a ele, clama alto e forte que a sua consciência lhe ordena «atacar» Damasco. Fazendo-o, ele prossegue a obra do partido da colonização que, durante o governo provisório de Charles De Gaulle e o de Georges Bidault, em Maio de 1945 e Novembro de 1946, bombardeou por sua própria iniciativa Setif, Guelma Kherrata (Argélia), depois Damasco (Síria), e finalmente Hi Phong (Indochina/Vietname). No momento de retirar as suas tropas, logo após a declaração de independência, o exército do General Fernand Olive atacou Damasco, só para manifestar o seu despeito. Destruiu uma parte do souk milenar (tal como hoje em dia foi feito em Alepo) e a Assembleia Nacional, símbolo da nova República que rejeitava.

A Alemanha é a primeira a observar que, mesmo que a Síria tenha utilizado armas químicas, bombardeá-la é ilegal face ao Direito Internacional, salvo decisão do Conselho de Segurança. Os Britânicos e os Norte-americanos estão definitivamente convencidos que o assunto foi fabricado pela Turquia com o apoio da França e de Israel.

Em Londres, a Câmara dos Comuns interdita ao Primeiro-ministro atacar Damasco antes que a responsabilidade do governo de Bashar Al-Assad esteja provada com certeza. Os deputados, muitos dos quais conhecem o grau de envolvimento do seu país contra a Síria, lembram-se dos prejuízos sofridos pelo Reino no seguimento da sua guerra contra o Iraque, em 2003, com base em acusações falsas de George Bush e Tony Blair. Em Washington, Barack Obama remete para o Congresso que ele sabe oposto a qualquer nova aventura militar, seja qual for. Trata-se, bem entendido, de uma manobra dilatória já que o Syrian Accountability Act de 2003 lhe dá todos os poderes para destruir a Síria.

François Hollande, que falou grosso e forte cedo demais, fica sozinho em liça. Impotente, ele esconde-se no Eliseu, enquanto a palavra da França fica desacreditada internacionalmente. Ninguém pede contas à Turquia e sobretudo nada a Anne Lauvergeon, Alexandre Adler, Joachim Bitterlich, Hélène Conway-Mouret, Jean-François Copé, Henri de Castries, Augustin de Romanet, Laurence Dumont, Claude Fischer, Stéphane Fouks, Bernard Guetta, Élisabeth Guigou, Hubert Haenel, Jean-Pierre Jouyet, Alain Juppé, Pierre Lellouche, Thierry Mariani, Gérard Mestrallet, Thierry de Montbrial, Pierre Moscovici, Philippe Petitcolin, Alain Richard, Michel Rocard, Daniel Rondeau Bernard Soulage, Catherine Tasca, Denis Verret e Wilfried Verstraete, os quais receberam todos «prendas» do Patronato turco em nome de Recep Tayyip Erdoğan. A Rússia ajuda os Estados Unidos a sair da crise de cabeça levantada. Ela convida a Síria a assinar a Convenção sobre Proibição de Armas Químicas. O que ela faz sem demora. O Presidente Bachar al-Assad negoceia com a OPAQ um modo de destruir os stoques existentes, o que será feito às custas de Washington.

Posteriormente, o jornalista norte-americano Seymour M. Hersh mostra a relutância do seu país neste caso [9]. Depois, os Professores Richard Lloyd e Theodore Postol do Massachusetts Institute of Technology demonstram que os obuses químicos foram disparados a partir da zona «rebelde» [10]. A França persiste no entanto, sozinha, em acusar a República Árabe Síria. «Quem quer afogar o seu cão culpa-o de raiva», diz-se na França rural.

Seja como for, os Ocidentais regularmente reiterarão as suas acusações de emprego das armas químicas contra a Síria, muito embora todos os stocks tenham sido destruídos conjuntamente pela Rússia e pelos Estados Unidos. Este joguinho chegará ao fim quando Damasco acabar por descobrir tais armas nos bunkers jiadistas. Elas tinham sido fornecidas pela CIA e sido fabricadas pela Chemring Defense (Reino Unido), Federal Laboratories e Non-Lethal Technologies (USA) [11].

28- Indecisão

Tendo fechado a sua embaixada e retirado todo o seu pessoal em 2012, tendo retirado o essencial das suas Forças especiais após o seu envolvimento no Mali, no início de 2013, tendo sido desautorizada por Washington, Paris já não tem mais nem os meios no terreno, nem plano de acção.

Não sabendo muito bem o que fazer, François Hollande vira-se para o seu aliado de sempre, Telavive, que lhe havia fornecido as falsas provas da responsabilidade síria no ataque de falsa bandeira na Ghuta. Aqui é necessário um pequeno recordatório quanto à sua acção a favor da colonização da Palestina durante o seu mandato como Primeiro-secretário do Partido Socialista:

- Em 2000, quando o Sul do Líbano está ocupado, ele prepara com o futuro Presidente da Câmara de Paris, Bertrand Delanoë, a viagem do Primeiro-ministro Lionel Jospin à Palestina. O seu discurso inclui uma condenação da Resistência Libanesa à ocupação, que ele equipara a terrorismo.

- Em 2001, ele exige a demissão do Partido Socialista ao geopolitólogo Pascal Boniface, acusado de ter criticado, numa nota interna, o apoio cego do Partido a Israel.

- Em 2004, ele escreve ao Conselho superior do Audiovisual para pôr em questão a autorização de difusão dada à Al-Manar, a cadeia de televisão do Hezbolla. Ele não parará de pressionar até a televisão da Resistência ser bloqueada.

- Em 2005, ele é recebido, à porta fechada, pelo Conselho Representativo das Instituições Judaicas de França (CRIF). Segundo a informação da reunião tornada pública, teria dado o seu apoio a Ariel Sharon e teria criticado fortemente a política árabe gaullista. Teria declarado: _ «Há uma tendência que remonta longe, daquilo que se chama a política árabe da França, e não é admissível que uma administração tenha uma ideologia. Há um claro problema de recrutamento no Quai d’Orsay e na ENA e esse recrutamento deveria ser revisto». _ Ao fazer isto, ele vira a realidade do avesso já que a «política árabe da França» não é uma política a favor dos Árabes contra os Israelitas, mas uma política para o mundo árabe [12].

- Em 2006, toma posição contra o Presidente Ahmadinejad, o qual convidara para Teerão rabinos e historiadores, entre os quais negacionistas. Ele finge ignorar o sentido do Congresso, que pretendia mostrar que os Europeus tinham substituído a sua cultura cristã pela religião do Holocausto. E, a contra-senso, explica que o Presidente iraniano pretende negar o direito de Israel à existência e que se apresta a prosseguir o Holocausto.

- Ele movimenta-se a favor da libertação do soldado israelita Gilad Shalit, prisioneiro do Hamas, com a desculpa que este tem a dupla nacionalidade francesa e israelita. Pouco importa que o jovem tenha sido preso enquanto servia num exército de ocupação em guerra contra a Autoridade palestiniana, igualmente aliada da França.

- Em 2010, ele publica, com Bertrand Delanoë e Bernard-Henri Lévy, uma carta aberta no Le Monde para se opor ao boicote dos produtos israelitas. Segundo ele, o boicote seria uma punição colectiva, infligida também aos Israelitas que trabalham para a paz com os Palestinianos. Um raciocínio que ele não tinha mostrado aquando de similar campanha contra o apartheid na África do Sul.

À sua chegada ao aeroporto de Telavive, ele declara : «”Tamid écha-èr ravèr chèl Israël" em hebreu, quer dizer : «Eu sou vosso amigo e sempre serei». O Primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, observa que os Estados Unidos e o Reino Unido se retiraram do teatro de operações, o que não impede a CIA e o MI6 de prosseguir a guerra secreta. Ele propõe, pois, montar uma coordenação daqueles que desejam continuar a guerra aberta até ao derrube da República Árabe Síria: a Arábia Saudita, a França, Israel, o Catar e a Turquia. O Líbano e a Jordânia continuarão a sua ajuda logística, mas não irão intervir na direção das operações. Não desejando Washington continuar a aparecer, o conjunto será liderado por Jeffrey Feltman a partir da ONU, em Nova Iorque. É preciso andar depressa. Com efeito, a tempestade ruge em Washington. Os partidários do ataque Síria são afastados. A 8 de Novembro, o General David Petraeus é forçado a demitir-se das suas funções como director da CIA, enquanto Hillary Clinton é vítima de um «acidente» e desaparece durante um mês.

Jeffrey D. Feltman, é o homem orquestra das «Primaveras Árabes», e é também um grande amigo de Netanyahu. Ele tornou-se Director dos Assuntos Políticos da ONU há já mais de um ano.

Ele fez Volker Perthes, Director do Stiftung Wissenschaft und Politik (SWP), o mais poderoso “think-tank” europeu, redigir um plano de rendição total e incondicional da Síria. Além disso, este também tomou a cargo a Direção, para o Norte de África e Médio Oriente, do Serviço de Acção Exterior da União Europeia. A Alta-comissária da União, Catherine Ashton, tornou-se no seu papagaio. Feltman confia à Arábia Saudita a formação, na Jordânia, pela segunda vez de um exército de 50.000 homens. Paralelamente, ele inicia uma reorganização dos grupos jiadistas. Por fim, a instruções da Casa Branca, organiza as negociações de «Genebra 2». Benjamin Netanyahu imagina uma aliança a três: a França irá defender os interesses de Israel e da Arábia Saudita no plano internacional, em troca de gigantescos contratos, de investimentos e de subornos. Trata-se de sabotar as negociações EUA/Irão, de maneira a manter o monopólio do directório regional Telavive /Riade.

O rei da Arábia, de quem um dos agentes, entre os mais importantes, Majed al-Majed, acaba de ser preso pelo Exército libanês, concorda em oferecer 3 mil milhões de dólares em armas francesas se os Libaneses não gravarem a sua confissão [13]. O chefe terrorista morre, de forma oportuna, enquanto o Rei distribui «prendas» aos Libaneses e aos Franceses (a título de exemplo, 100 milhões dólares para o inconstitucional «Presidente» Michel Sleimane). Na realidade, enquanto os beneficiários dos «presentes» reais ficarão com eles, as prometidas encomendas de armas jamais serão concretizadas. O único líder francês a não receber pessoalmente «prenda» real, o Ministro da Defesa Jean-Yves Le Drian negoceia para a sua região a salvação do grupo avícola Doux, endividado pelo montante de 400 milhões de euros, que será parcialmente comprado e capitalizado pela saudita Al-Munajem.

Após a demissão de Kofi Annan, o Secretário-geral da ONU designou o argelino Lakhdar Brahimi para acompanhar o dossiê sírio. Ao contrário de Annan, ele não tem o título de «mediador» porque Ban Ki-moon considera agora que «Bashar deve partir!» A sua missão é a de levar a Síria para «uma transição política, conforme às legítimas aspirações do povo sírio». É a Brahimi que se deve a criação do «Serviço de apoio à decisão» [14]; o Serviço Secreto pessoal do Secretário-geral porque agora a ONU já não é mais um fórum para a paz, antes dispõe de um serviço secreto para implementar a política de Washington. A diplomacia francesa sabe disto muito bem, tendo em conta as suas sucessivas missões aquando do fim da guerra civil no Líbano, do golpe de Estado militar na Argélia e da agressão anglo-saxónica no Afeganistão.

Genebra 2 é uma armadilha. Ao contrário de Genebra 1 —que reunia os Estados Unidos e a Rússia em presença dos seus parceiros mais próximos, mas com a exclusão de todo e qualquer Sírio—, não apenas a Síria e «representantes da oposição» são convidados para esta segunda ronda, como também todos os Estados envolvidos. Salvo o Irão, cujo convite, após ter sido lançado, é anulado pretensamente a pedido dos Sauditas. Mas como que é que alguém pode crer que a Arábia tenha um tal poder sobre a ONU? Na realidade, Jeffrey Feltman é quem organiza, além disso, as negociações dos 5+1 com o Irão e entende não antecipar o levantamento das sanções norte-americanas e europeias a seu respeito. Quanto aos representantes da Oposição, serão unicamente os que foram apadrinhados pela Arábia Saudita, quer dizer a nova Coligação nacional das forças da oposição e da revolução, presidida por Ahmed Jarba. Este, é um pequeno traficante de droga que tem aqui a sua hora de glória já que é oriundo da tribo saudo-síria dos Chammars, a mesma do rei Saudita.

Dois dias antes da abertura da Conferência, o Catar põe a circular, através do escritório londrino de advogados Carter-Ruck, o anúncio de um relatório de três antigos Procuradores internacionais sobre o testemunho de «César» e as provas de culpa que ele lhes remeteu [15]. «César» declara ser um oficial da Polícia militar síria, habitualmente encarregue de fotografar cenas de crime. Assegura ter fotografado durante o conflito, em necrotérios dos hospitais militares, as vítimas do «regime». Teria desertado recentemente. Ele remeteu 55.000 fotografias mostrando 11.000 cadáveres que diz ter fotografado. Para tornar a coisa mais dramática cada página do comunicado, anunciando o relatório, trás a dupla menção «Confidencial». Os antigos Procuradores concluem por sinais de privação de alimentos e tortura, que teriam sido sistematicamente aplicadas pelo «regime» às «pessoas» [que teriam sido] encarceradas. Na realidade, aqueles clichés que foram realizados na Síria mostram os corpos de mercenários, de diversas nacionalidades, que foram recolhidos pelo Exército Árabe Sírio no campo de batalha e os do pessoal civil e militar que foram mortos sob tortura dos jiadistas porque apoiavam a República Árabe Síria.

O novo Secretário de Estado, John Kerry, que conhece muito bem Bashar al-Assad, sabe evidentemente que tudo isto é a mais pura propaganda, mas o comunicado do escritório Carter-Ruck dá-lhe um argumento extra para o seu discurso em Genebra 2, a 22 de Janeiro de 2014. Como ninguém sabe muito bem o que se passa depois da demissão de Hillary Clinton e dos seus apoiantes, as televisões do mundo inteiro estão presentes. Quando o Ministro dos Negócios Estrangeiros sírio, que os Franceses tentaram assassinar, Walid Mouallem, toma a palavra, não capta a situação e dirige-se à opinião pública Síria, perdendo a única oportunidade que lhe será oferecida para desmontar, ao vivo, aos olhos de todo o mundo, o complô ocidental.

Trata-se de um diplomata de uma rara lealdade : durante uma reunião da Liga Árabe, ele recusou um suborno de 100 milhões de dólares oferecidos pelo seu homólogo Catariano se se virasse contra o seu país. O seu discurso levanta a questão do apoio ao terrorismo dado pela «Delegação da oposição» e pelos seus patrocinadores presentes na sala.

No final, nada sairá de Genebra 2 porque, entre o momento da sua convocação e da sua realização, Washington adoptou uma nova estratégia. Os Estados Unidos não são obrigados a abdicar do seu sonho de um mundo unipolar e a pactuar com a Rússia. Eles ainda têm uma carta para jogar: precisamente, a do terrorismo.

Enquanto os diplomatas peroram em Genebra 2, o Presidente Obama recebe o rei da Jordânia para fixar os termos da participação do seu país. Paralelamente, a Conselheira de Segurança Nacional, Susan Rice, acolhe os Chefes dos Serviços secretos da Coligação.

Tal como nos anos anteriores, o Congresso realiza uma sessão à porta fechada durante a qual vota os «orçamentos secretos» do Pentágono. A existência desta sessão é atestada por um despacho da agência britânica Reuters [16], mas jamais será noticiada pela imprensa norte-americana e não figura nos registos oficiais. Os parlamentares autorizam a continuação do financiamento e do armamento de grupos armados na Síria, em violação das Resoluções 1267 e 1373 do Conselho de Segurança. Sem o saber, eles acabam de abrir as portas do inferno.

29— O Povo sírio pronuncia-se

Enquanto Bassma Kodmani, a porta-voz da «oposição síria» —e companheira do antigo director dos Serviços Secretos franceses Jean-Claude Cousseran— declarara que «o regime é incapaz de organizar uma eleição presidencial [e que] isto é bem a prova que é uma ditadura», um novo Código eleitoral é adoptado —conforme às normas ocidentais— e a eleição é convocada.

Até agora, o Presidente era nomeado pelo Partido Baath, depois validado por referendo. Pela primeira vez, ele será eleito por sufrágio universal directo. É pouco provável que a Coligação Nacional das Forças da Oposição e da Revolução apresente um candidato, não por causa da cláusula exigindo que os candidatos tenham habitado na Síria durante os últimos dez anos, mas porque os grupos armados são violentamente opostos à democracia. Segundo eles, tal como tem formulado a confraria dos Irmãos Muçulmanos, «o Alcorão é a nossa Constituição» e qualquer escrutínio é ilegítimo. Não há, pois, dúvida que o candidato do regime será eleito. No entanto a sua legitimidade irá depender não da percentagem de sufrágios expressos em seu favor, mas do número destes votos e da sua representatividade em comparação com o conjunto da população.

A França está ciente que no total de 22 milhões de Sírios, menos de 2 milhões vivem nas «zonas libertadas» e não participarão, portanto, na votação. Outros 2 milhões estão refugiados na Jordânia, no Líbano, na Turquia e na Europa. Para sabotar as eleições, tudo deve pois ser feito para impedir estes Sírios, os que o desejem, de nelas participar. A França consegue convencer os seus parceiros europeus a segui-la e a proibir a colocação de gabinetes de voto nos Consulados sírios, em violação da Convenção de Viena de 24 de Abril de 1963 [17]. Apresentada queixa por refugiados quanto a este abuso de poder, o Conselho de Estado declara-se incompetente para julgar. Enquanto, por seu lado, os «Amigos da Síria» denunciam uma «paródia de democracia» visando «prosseguir a ditadura».

A eleição opõe três candidatos: o comunista Maher el-Hajjar, o liberal Hassan al-Nouri e o baathista Bashar al-Assad. O Estado fornece aos candidatos os meios para conduzir a sua campanha e garante a sua segurança. Os média dão-lhes cobertura. De facto, se os eleitores seguem com interesse as propostas de uns e de outros, al-Assad está numa situação comparável à de Gaulle em 1945. A escolha é, ou a de o apoiar para garantir a sobrevivência da República Árabe Síria, ou de não votar e se colocar do lado dos jiadistas.

Antes que o escrutínio abra na Síria, inicia-se a votação pelos refugiados, que o desejem, sem realmente se acreditar muito. A propaganda ocidental convenceu os Sírios que os refugiados são todos «oposicionistas». Ora, a maioria, quando os interrogamos, assegura ter deixado a sua Pátria por causa dos combates e não «por causa da ditadura». A 28 e 29 de Maio de 2014, o escrutínio no Líbano, onde é permitido na embaixada, movimenta uma multidão de pelo menos 100.000 pessoas, segundo a Segurança geral libanesa, o que bloqueia toda a capital. O Exército intervêm para dispersar o ajuntamento, mas surge gente vinda de toda a parte. Ultrapassada, a embaixada tem de prolongar o horário e, depois, até as datas para a votação. É uma bela surpresa para os Sírios da Síria e um choque para as chancelarias ocidentais [18].

No fim, apesar dos apelos ao boicote, vão às urnas 73,42% dos Sírios em idade de votar. No terreno estão 360 média estrangeiros, e todas as embaixadas em funções em Damasco atestam o bom desenrolar da eleição. Bashar al-Assad obtém 10. 319. 723 votos, ou seja 88,7% dos sufrágios expressos e 65% da população em idade de voto. O candidato liberal, Hassan al-Nuri, obtém 500. 279 votos e o candidato comunista, Maher el-Hajjar, 372. 301 votos.

Durante esta campanha, a França e os seus aliados, empurrados por Jeffrey Feltman, tentaram fazer com que o Conselho de Segurança imponha a jurisdição do Tribunal Penal Internacional na guerra civil síria. É claro que o projecto de Resolução designava o conjunto de actores Sírios, tanto a República como os jiadistas, mas antecipava que a Procuradora, Fatou Bensouda, pudesse agir como o seu antecessor, Luis Moreno Ocampo, tinha feito na Líbia: cumprir as ordens da OTAN.

Este projecto de Resolução seguiu as acusações do relatório «César» e do escritório Carter-Ruck, bem como as do diário Le Monde, segundo o qual a «ditadura alauíta» viola sistematicamente as mulheres sunitas da Oposição. A jornalista do Le Monde, Annick Cojean, publica o testemunho de uma vítima que afirma : «Nós éramos violadas diariamente aos gritos de: ...”Nós, os alauítas, vamos arrasar-vos”» Cojean, presidente do Prémio Albert Londres, fora formada na Fundação Franco-Americana. Foi ela que publicou, um ano após a morte do Guia, Les proies : dans le harem de Kadhafi («As presas : no harém de Kadhafi») [19], um livro fantasioso que o acusa de ter violado inúmeras crianças, pretendendo justificar assim, a posteriori, e sem o menor indício de prova, a destruição da Líbia.

Mas após a triunfal eleição democrática de Bashar al-Assad, quem pode ainda crer na crueldade, nas torturas generalizadas e na «ditadura alauíta»? O projecto francês de Resolução é rejeitado pela Rússia e pela China que opõem o seu quarto veto.

(Continua …)


*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).


Este livro está disponível em FrancêsEspanholRussoInglês e Italiano em versão em papel.
Possui versão já traduzida em Língua Portuguesa (à atenção de possíveis Editores - NdT).

Notas:
[3] «Los Contras sirios presentan su laboratorio de armas químicas», Red Voltaire , 6 de diciembre de 2012.
[4] “A propósito dos vídeos do massacre de 21 de Agosto”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 31 de Agosto de 2013.
[5] “Letter From the Chairman of the UK Joint Intelligence Committee on Syria”, Voltaire Network, 29 August 2013. « Synthèse du Renseignement français sur l’attaque chimique du 21 août 2013 », par Sacha Mandel, Réseau Voltaire, 2 septembre 2013.
[6] « Tsahal indique que [le] gouvernement syrien est responsable », Jewish News One, 27 août 2013.
[8] “O segredo do gaz israelita”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 15 de Setembro de 2013. «L’affaire Wouter Basson - Rapports officiels suisses» (2002).
[9] “Syria: Whose sarin?”, by Seymour M. Hersh, London Review of Books, vol. 35 no 24, 19 December 2013, p. 9–12. “Sarin de quem?”, Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu.
[11] “Londres e Washington têm fornecido armas químicas aos jiadistas”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Agosto de 2017.
[12] «Francia: el Partido Socialista se compromete a eliminar a los diplomáticos proárabes», por Ossama Lotfy, Red Voltaire , 11 de enero de 2006.
[13] “O silêncio e a traição que valerá 3 biliões de dólares”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Janeiro de 2014. «Arabia Saudita cancela su donación de 3 000 millones al Líbano », Red Voltaire , 20 de febrero de 2016.
[14Rapport du groupe d’études sur les opérations de paix de l’Organisation des Nations Unies dit « Rapport Brahimi », 20 août 2000, 84 pages, Référence A/55/305- S/2000/809.
[16] “Congress secretly approves U.S. weapons flow to ’moderate’ Syrian rebels”, par Mark Hosenball, Reuters, January 27, 2014.
[17] «Francia, culpable de prohibir la elección presidencial siria», por Damien Viguier, Red Voltaire , 19 de mayo de 2014.
[19] Les Proies: dans le harem de Kadhafi, Annick Cojean, Grasset (2012).

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