Thierry Meyssan*
Este artigo foi retirado do livro
Under Our Eyes. Veja o índice.
Cega pelo seu sonho em
restabelecer a sua influência do passado na região, a França, nas mãos do
«partido colonial» dirigido por François Hollande, já não percebe a política
norte-americana no Médio-Oriente Alargado. Escolhe reaproximar-se de Israel,
mas, no entanto, não consegue provocar o bombardeamento aliado de Damasco.
Apesar de todos os esforços de Paris, Bashar al-Assad é eleito democraticamente
pelos Sírios do interior e do exterior na presença de numerosos observadores
internacionais.
27— A «linha vermelha»
Em Maio de 2013, a OTAN difunde
para os seus membros um relatório indicando que a população apoia o Presidente
al-Assad a 70 %. Os rebeldes serão apoiados por 20% e 10% não têm
opinião [1].
Paris e Ancara concluem que só haverá vitória voltando ao plano inicial e
bombardeando a Síria. É, pois, preciso tomar uma iniciativa para fazer pressão
sobre Washington.
Em 21 de Agosto, um ataque
químico atinge civis sírios nos arredores de Damasco, numa zona controlada
pelos jiadistas, a Ghuta. Nas horas seguintes, uma vasta máquina de comunicação
põe-se em marcha acusando a República Árabe Síria de ser a responsável por
isso. Este ataque marcaria o transpor da «linha vermelha», fixada pelo
Presidente Obama. Os Ocidentais aprestaram-se a «punir o regime» bombardeando a
sua capital.
O governo sírio desmente qualquer
implicação e lembra que, em 23 de Maio, a polícia turca prendeu 11 jiadistas,
em Adana, na posse de um importante stock de gás sarin. Se o chefe do grupo,
Hytam Qassap, é de nacionalidade Síria, os outros são todos Turcos [2].
Por outro lado, o Exército sírio livre exibiu, ele próprio, vídeos de um
pequeno laboratório de fabrico de armas químicas e ameaçou os alauítas de os
gazear [3].
O que se passou na Ghuta é
assunto suspeito : os Serviços Secretos do EUA afirmam ter observado durante os
quatro dias precedentes – sem intervir –
o Exército Árabe Sírio a preparar o gaz. São difundidos vídeos pela Oposição,
mas em que um deles é datado pelo YouTube (hora da Califórnia) antes do
nascer do sol em Damasco, quando foi filmado com luz do dia [4].
As vítimas são, ou crianças —todas da mesma idade—, ou homens, apenas aparecem
2 mulheres em 1. 429 vítimas contadas pelos Estados Unidos. As crianças mortas
mostram ser, na realidade, alauítas que foram raptadas pelos jiadistas, algumas
semanas antes. Muito embora estejam oficialmente ausentes do país, a França e o
Reino Unido garantem ter recolhido amostras no local e tê-las testado de
imediato. Confirmam que foi usado gás sarin. Azar, o único teste conhecido
requer 10 dias para ficar concluído.
No fundo, não se compreende por
quê o uso de armas químicas constituiria uma «linha vermelha». Em que é que é
pior do que as outras «armas de destruição maciça» ? Por que é que os Estados
Unidos, signatários da Convenção sobre a proibição de armas químicas, reprovam
à Síria, que não é signatária, o seu possível uso, quando eles próprios
violaram o seu compromisso em 2003 no palmar de Bagdade? [7]
Quando as armas químicas
apareceram, durante a Primeira Guerra Mundial, elas causaram surpresa e, por
isso, foram muito mortíferas. No entanto, os Estados rapidamente encontraram os
meios para lhes fazer face, de tal modo que ninguém as utilizou de forma
significativa no campo de batalha durante a Segunda Guerra Mundial. No
Próximo-Oriente, Israel recusou assinar a Convenção, levando com ele o Egipto e
a Síria. De 1985 a 1994, Israel financiou pesquisas na África do Sul visando
criar armas selectivas em função de características raciais. Tratava-se de
determinar agentes tóxicos que só matassem Negros e Árabes e não o povo judeu.
Elas foram realizadas sob a direcção do cardiologista do Presidente Peter
Botha, o Coronel Wouter Basson. Ignora-se se foram coroadas de êxito, o que
parece improvável no plano científico. Vários milhares cobaias humanas morreram
durante as experiências [8].
Rapidamente, os Serviços
britânicos validam as observações acima descritas e avisam o Primeiro-ministro,
David Cameron, para uma possível operação de bandeira falsa. A televisão Síria
transmite um vídeo com um chofer de jiadistas. Ele atesta ter-se dirigido à
Turquia e ter recebido os obuses tóxicos num quartel turco, depois tê-los
secretamente transportado para Damasco.
Interrogado pela imprensa Russa,
o Presidente sírio, Bashar al-Assad, responde:
«As declarações emitidas por políticos norte-americanos, ocidentais e de outros países constituem um insulto ao bom senso e uma expressão de desprezo pelas suas próprias opiniões públicas. É um total disparate: primeiro acusa-se e depois é que se reúne as provas (...) Este tipo de acusação é exclusivamente político, responde à série de vitórias registadas pelas forças governamentais sobre os terroristas». »
François Hollande, quanto a ele,
clama alto e forte que a sua consciência lhe ordena «atacar» Damasco.
Fazendo-o, ele prossegue a obra do partido da colonização que, durante o
governo provisório de Charles De Gaulle e o de Georges Bidault, em Maio de 1945
e Novembro de 1946, bombardeou por sua própria iniciativa Setif, Guelma
Kherrata (Argélia), depois Damasco (Síria), e finalmente Hải
Phong (Indochina/Vietname). No momento de retirar as suas tropas, logo
após a declaração de independência, o exército do General Fernand Olive atacou
Damasco, só para manifestar o seu despeito. Destruiu uma parte do souk milenar
(tal como hoje em dia foi feito em Alepo) e a Assembleia Nacional, símbolo da
nova República que rejeitava.
A Alemanha é a primeira a
observar que, mesmo que a Síria tenha utilizado armas químicas, bombardeá-la é
ilegal face ao Direito Internacional, salvo decisão do Conselho de Segurança.
Os Britânicos e os Norte-americanos estão definitivamente convencidos que o
assunto foi fabricado pela Turquia com o apoio da França e de Israel.
Em Londres, a Câmara dos Comuns
interdita ao Primeiro-ministro atacar Damasco antes que a responsabilidade do
governo de Bashar Al-Assad esteja provada com certeza. Os deputados, muitos dos
quais conhecem o grau de envolvimento do seu país contra a Síria, lembram-se
dos prejuízos sofridos pelo Reino no seguimento da sua guerra contra o Iraque,
em 2003, com base em acusações falsas de George Bush e Tony Blair. Em
Washington, Barack Obama remete para o Congresso que ele sabe oposto a qualquer
nova aventura militar, seja qual for. Trata-se, bem entendido, de uma manobra
dilatória já que o Syrian Accountability Act de 2003 lhe dá todos os
poderes para destruir a Síria.
François Hollande, que falou
grosso e forte cedo demais, fica sozinho em liça. Impotente, ele esconde-se no
Eliseu, enquanto a palavra da França fica desacreditada internacionalmente.
Ninguém pede contas à Turquia e sobretudo nada a Anne Lauvergeon, Alexandre
Adler, Joachim Bitterlich, Hélène Conway-Mouret, Jean-François Copé, Henri de
Castries, Augustin de Romanet, Laurence Dumont, Claude Fischer, Stéphane Fouks,
Bernard Guetta, Élisabeth Guigou, Hubert Haenel, Jean-Pierre Jouyet, Alain
Juppé, Pierre Lellouche, Thierry Mariani, Gérard Mestrallet, Thierry de
Montbrial, Pierre Moscovici, Philippe Petitcolin, Alain Richard, Michel Rocard,
Daniel Rondeau Bernard Soulage, Catherine Tasca, Denis Verret e Wilfried
Verstraete, os quais receberam todos «prendas» do Patronato turco em nome de
Recep Tayyip Erdoğan. A Rússia ajuda os Estados Unidos a sair da crise de
cabeça levantada. Ela convida a Síria a assinar a Convenção sobre Proibição de
Armas Químicas. O que ela faz sem demora. O Presidente Bachar al-Assad negoceia
com a OPAQ um modo de destruir os stoques existentes, o que será feito às
custas de Washington.
Posteriormente, o jornalista
norte-americano Seymour M. Hersh mostra a relutância do seu país neste
caso [9].
Depois, os Professores Richard Lloyd e Theodore Postol do Massachusetts
Institute of Technology demonstram que os obuses químicos foram disparados a
partir da zona «rebelde» [10].
A França persiste no entanto, sozinha, em acusar a República Árabe Síria. «Quem
quer afogar o seu cão culpa-o de raiva», diz-se na França rural.
Seja como for, os Ocidentais
regularmente reiterarão as suas acusações de emprego das armas químicas contra
a Síria, muito embora todos os stocks tenham sido destruídos conjuntamente pela
Rússia e pelos Estados Unidos. Este joguinho chegará ao fim quando Damasco
acabar por descobrir tais armas nos bunkers jiadistas. Elas tinham sido
fornecidas pela CIA e sido fabricadas pela Chemring Defense (Reino Unido),
Federal Laboratories e Non-Lethal Technologies (USA) [11].
28- Indecisão
Tendo fechado a sua embaixada e
retirado todo o seu pessoal em 2012, tendo retirado o essencial das suas Forças
especiais após o seu envolvimento no Mali, no início de 2013, tendo sido
desautorizada por Washington, Paris já não tem mais nem os meios no terreno,
nem plano de acção.
Não sabendo muito bem o que
fazer, François Hollande vira-se para o seu aliado de sempre, Telavive, que lhe
havia fornecido as falsas provas da responsabilidade síria no ataque de falsa
bandeira na Ghuta. Aqui é necessário um pequeno recordatório quanto à sua acção
a favor da colonização da Palestina durante o seu mandato como
Primeiro-secretário do Partido Socialista:
- Em 2000, quando o Sul do Líbano está ocupado, ele prepara com o futuro Presidente da Câmara de Paris, Bertrand Delanoë, a viagem do Primeiro-ministro Lionel Jospin à Palestina. O seu discurso inclui uma condenação da Resistência Libanesa à ocupação, que ele equipara a terrorismo.
- Em 2001, ele exige a demissão do Partido Socialista ao geopolitólogo Pascal Boniface, acusado de ter criticado, numa nota interna, o apoio cego do Partido a Israel.
- Em 2004, ele escreve ao Conselho superior do Audiovisual para pôr em questão a autorização de difusão dada à Al-Manar, a cadeia de televisão do Hezbolla. Ele não parará de pressionar até a televisão da Resistência ser bloqueada.
- Em 2005, ele é recebido, à porta fechada, pelo Conselho Representativo das Instituições Judaicas de França (CRIF). Segundo a informação da reunião tornada pública, teria dado o seu apoio a Ariel Sharon e teria criticado fortemente a política árabe gaullista. Teria declarado: _ «Há uma tendência que remonta longe, daquilo que se chama a política árabe da França, e não é admissível que uma administração tenha uma ideologia. Há um claro problema de recrutamento no Quai d’Orsay e na ENA e esse recrutamento deveria ser revisto». _ Ao fazer isto, ele vira a realidade do avesso já que a «política árabe da França» não é uma política a favor dos Árabes contra os Israelitas, mas uma política para o mundo árabe [12].
- Em 2006, toma posição contra o Presidente Ahmadinejad, o qual convidara para Teerão rabinos e historiadores, entre os quais negacionistas. Ele finge ignorar o sentido do Congresso, que pretendia mostrar que os Europeus tinham substituído a sua cultura cristã pela religião do Holocausto. E, a contra-senso, explica que o Presidente iraniano pretende negar o direito de Israel à existência e que se apresta a prosseguir o Holocausto.
- Ele movimenta-se a favor da libertação do soldado israelita Gilad Shalit, prisioneiro do Hamas, com a desculpa que este tem a dupla nacionalidade francesa e israelita. Pouco importa que o jovem tenha sido preso enquanto servia num exército de ocupação em guerra contra a Autoridade palestiniana, igualmente aliada da França.
- Em 2010, ele publica, com Bertrand Delanoë e Bernard-Henri Lévy, uma carta aberta no Le Monde para se opor ao boicote dos produtos israelitas. Segundo ele, o boicote seria uma punição colectiva, infligida também aos Israelitas que trabalham para a paz com os Palestinianos. Um raciocínio que ele não tinha mostrado aquando de similar campanha contra o apartheid na África do Sul.
À sua chegada ao aeroporto de
Telavive, ele declara : «”Tamid écha-èr ravèr chèl Israël" em hebreu, quer
dizer : «Eu sou vosso amigo e sempre serei». O Primeiro-ministro israelita,
Benjamin Netanyahu, observa que os Estados Unidos e o Reino Unido se retiraram
do teatro de operações, o que não impede a CIA e o MI6 de prosseguir a guerra
secreta. Ele propõe, pois, montar uma coordenação daqueles que desejam
continuar a guerra aberta até ao derrube da República Árabe Síria: a Arábia
Saudita, a França, Israel, o Catar e a Turquia. O Líbano e a Jordânia
continuarão a sua ajuda logística, mas não irão intervir na direção das
operações. Não desejando Washington continuar a aparecer, o conjunto será
liderado por Jeffrey Feltman a partir da ONU, em Nova Iorque. É preciso andar
depressa. Com efeito, a tempestade ruge em Washington. Os partidários do ataque
Síria são afastados. A 8 de Novembro, o General David Petraeus é forçado a
demitir-se das suas funções como director da CIA, enquanto Hillary Clinton é
vítima de um «acidente» e desaparece durante um mês.
Jeffrey D. Feltman, é o homem
orquestra das «Primaveras Árabes», e é também um grande amigo de Netanyahu. Ele
tornou-se Director dos Assuntos Políticos da ONU há já mais de um ano.
Ele fez Volker Perthes, Director
do Stiftung Wissenschaft und Politik (SWP), o mais poderoso “think-tank”
europeu, redigir um plano de rendição total e incondicional da Síria. Além
disso, este também tomou a cargo a Direção, para o Norte de África e Médio
Oriente, do Serviço de Acção Exterior da União Europeia. A Alta-comissária da
União, Catherine Ashton, tornou-se no seu papagaio. Feltman confia à Arábia
Saudita a formação, na Jordânia, pela segunda vez de um exército de 50.000
homens. Paralelamente, ele inicia uma reorganização dos grupos jiadistas. Por
fim, a instruções da Casa Branca, organiza as negociações de «Genebra 2».
Benjamin Netanyahu imagina uma aliança a três: a França irá defender os
interesses de Israel e da Arábia Saudita no plano internacional, em troca de
gigantescos contratos, de investimentos e de subornos. Trata-se de sabotar as
negociações EUA/Irão, de maneira a manter o monopólio do directório regional
Telavive /Riade.
O rei da Arábia, de quem um dos
agentes, entre os mais importantes, Majed al-Majed, acaba de ser preso pelo
Exército libanês, concorda em oferecer 3 mil milhões de dólares em armas
francesas se os Libaneses não gravarem a sua confissão [13].
O chefe terrorista morre, de forma oportuna, enquanto o Rei distribui «prendas»
aos Libaneses e aos Franceses (a título de exemplo, 100 milhões dólares para o
inconstitucional «Presidente» Michel Sleimane). Na realidade, enquanto os
beneficiários dos «presentes» reais ficarão com eles, as prometidas encomendas
de armas jamais serão concretizadas. O único líder francês a não receber
pessoalmente «prenda» real, o Ministro da Defesa Jean-Yves Le Drian negoceia
para a sua região a salvação do grupo avícola Doux, endividado pelo montante de
400 milhões de euros, que será parcialmente comprado e capitalizado pela
saudita Al-Munajem.
Após a demissão de Kofi Annan, o
Secretário-geral da ONU designou o argelino Lakhdar Brahimi para acompanhar o
dossiê sírio. Ao contrário de Annan, ele não tem o título de «mediador» porque
Ban Ki-moon considera agora que «Bashar deve partir!» A sua missão é a de levar
a Síria para «uma transição política, conforme às legítimas aspirações do povo
sírio». É a Brahimi que se deve a criação do «Serviço de apoio à decisão» [14];
o Serviço Secreto pessoal do Secretário-geral porque agora a ONU já não é mais
um fórum para a paz, antes dispõe de um serviço secreto para implementar a
política de Washington. A diplomacia francesa sabe disto muito bem, tendo em
conta as suas sucessivas missões aquando do fim da guerra civil no Líbano, do
golpe de Estado militar na Argélia e da agressão anglo-saxónica no Afeganistão.
Genebra 2 é uma armadilha. Ao
contrário de Genebra 1 —que reunia os Estados Unidos e a Rússia em presença dos
seus parceiros mais próximos, mas com a exclusão de todo e qualquer Sírio—, não
apenas a Síria e «representantes da oposição» são convidados para esta segunda
ronda, como também todos os Estados envolvidos. Salvo o Irão, cujo convite,
após ter sido lançado, é anulado pretensamente a pedido dos Sauditas. Mas como
que é que alguém pode crer que a Arábia tenha um tal poder sobre a ONU? Na
realidade, Jeffrey Feltman é quem organiza, além disso, as negociações dos 5+1
com o Irão e entende não antecipar o levantamento das sanções norte-americanas
e europeias a seu respeito. Quanto aos representantes da Oposição, serão
unicamente os que foram apadrinhados pela Arábia Saudita, quer dizer a nova
Coligação nacional das forças da oposição e da revolução, presidida por Ahmed
Jarba. Este, é um pequeno traficante de droga que tem aqui a sua hora de glória
já que é oriundo da tribo saudo-síria dos Chammars, a mesma do rei Saudita.
Dois dias antes da abertura da
Conferência, o Catar põe a circular, através do escritório londrino de
advogados Carter-Ruck, o anúncio de um relatório de três antigos Procuradores
internacionais sobre o testemunho de «César» e as provas de culpa que ele lhes
remeteu [15].
«César» declara ser um oficial da Polícia militar síria, habitualmente
encarregue de fotografar cenas de crime. Assegura ter fotografado durante o
conflito, em necrotérios dos hospitais militares, as vítimas do «regime». Teria
desertado recentemente. Ele remeteu 55.000 fotografias mostrando 11.000
cadáveres que diz ter fotografado. Para tornar a coisa mais dramática cada
página do comunicado, anunciando o relatório, trás a dupla menção
«Confidencial». Os antigos Procuradores concluem por sinais de privação de
alimentos e tortura, que teriam sido sistematicamente aplicadas pelo «regime»
às «pessoas» [que teriam sido] encarceradas. Na realidade, aqueles clichés que
foram realizados na Síria mostram os corpos de mercenários, de diversas
nacionalidades, que foram recolhidos pelo Exército Árabe Sírio no campo de
batalha e os do pessoal civil e militar que foram mortos sob tortura dos
jiadistas porque apoiavam a República Árabe Síria.
O novo Secretário de Estado, John
Kerry, que conhece muito bem Bashar al-Assad, sabe evidentemente que tudo isto
é a mais pura propaganda, mas o comunicado do escritório Carter-Ruck dá-lhe um
argumento extra para o seu discurso em Genebra 2, a 22 de Janeiro de 2014. Como
ninguém sabe muito bem o que se passa depois da demissão de Hillary Clinton e
dos seus apoiantes, as televisões do mundo inteiro estão presentes. Quando o
Ministro dos Negócios Estrangeiros sírio, que os Franceses tentaram assassinar,
Walid Mouallem, toma a palavra, não capta a situação e dirige-se à opinião
pública Síria, perdendo a única oportunidade que lhe será oferecida para
desmontar, ao vivo, aos olhos de todo o mundo, o complô ocidental.
Trata-se de um diplomata de uma
rara lealdade : durante uma reunião da Liga Árabe, ele recusou um suborno de
100 milhões de dólares oferecidos pelo seu homólogo Catariano se se virasse
contra o seu país. O seu discurso levanta a questão do apoio ao terrorismo dado
pela «Delegação da oposição» e pelos seus patrocinadores presentes na sala.
No final, nada sairá de Genebra 2
porque, entre o momento da sua convocação e da sua realização, Washington
adoptou uma nova estratégia. Os Estados Unidos não são obrigados a abdicar do
seu sonho de um mundo unipolar e a pactuar com a Rússia. Eles ainda têm uma
carta para jogar: precisamente, a do terrorismo.
Enquanto os diplomatas peroram em
Genebra 2, o Presidente Obama recebe o rei da Jordânia para fixar os termos da
participação do seu país. Paralelamente, a Conselheira de Segurança Nacional,
Susan Rice, acolhe os Chefes dos Serviços secretos da Coligação.
Tal como nos anos anteriores, o
Congresso realiza uma sessão à porta fechada durante a qual vota os «orçamentos
secretos» do Pentágono. A existência desta sessão é atestada por um despacho da
agência britânica Reuters [16],
mas jamais será noticiada pela imprensa norte-americana e não figura nos
registos oficiais. Os parlamentares autorizam a continuação do financiamento e
do armamento de grupos armados na Síria, em violação das Resoluções 1267 e 1373
do Conselho de Segurança. Sem o saber, eles acabam de abrir as portas do
inferno.
29— O Povo sírio pronuncia-se
Enquanto Bassma Kodmani, a
porta-voz da «oposição síria» —e companheira do antigo director dos Serviços
Secretos franceses Jean-Claude Cousseran— declarara que «o regime é incapaz de
organizar uma eleição presidencial [e que] isto é bem a prova que é uma ditadura»,
um novo Código eleitoral é adoptado —conforme às normas ocidentais— e a eleição
é convocada.
Até agora, o Presidente era
nomeado pelo Partido Baath, depois validado por referendo. Pela primeira vez,
ele será eleito por sufrágio universal directo. É pouco provável que a
Coligação Nacional das Forças da Oposição e da Revolução apresente um
candidato, não por causa da cláusula exigindo que os candidatos tenham habitado
na Síria durante os últimos dez anos, mas porque os grupos armados são
violentamente opostos à democracia. Segundo eles, tal como tem formulado a
confraria dos Irmãos Muçulmanos, «o Alcorão é a nossa Constituição» e qualquer
escrutínio é ilegítimo. Não há, pois, dúvida que o candidato do regime será
eleito. No entanto a sua legitimidade irá depender não da percentagem de
sufrágios expressos em seu favor, mas do número destes votos e da sua
representatividade em comparação com o conjunto da população.
A França está ciente que no total
de 22 milhões de Sírios, menos de 2 milhões vivem nas «zonas libertadas» e não
participarão, portanto, na votação. Outros 2 milhões estão refugiados na
Jordânia, no Líbano, na Turquia e na Europa. Para sabotar as eleições, tudo
deve pois ser feito para impedir estes Sírios, os que o desejem, de nelas
participar. A França consegue convencer os seus parceiros europeus a segui-la e
a proibir a colocação de gabinetes de voto nos Consulados sírios, em violação
da Convenção de Viena de 24 de Abril de 1963 [17].
Apresentada queixa por refugiados quanto a este abuso de poder, o Conselho de
Estado declara-se incompetente para julgar. Enquanto, por seu lado, os «Amigos
da Síria» denunciam uma «paródia de democracia» visando «prosseguir a
ditadura».
A eleição opõe três candidatos: o
comunista Maher el-Hajjar, o liberal Hassan al-Nouri e o baathista Bashar
al-Assad. O Estado fornece aos candidatos os meios para conduzir a sua campanha
e garante a sua segurança. Os média dão-lhes cobertura. De facto, se os
eleitores seguem com interesse as propostas de uns e de outros, al-Assad está
numa situação comparável à de Gaulle em 1945. A escolha é, ou a de o apoiar
para garantir a sobrevivência da República Árabe Síria, ou de não votar e se
colocar do lado dos jiadistas.
Antes que o escrutínio abra na
Síria, inicia-se a votação pelos refugiados, que o desejem, sem realmente se
acreditar muito. A propaganda ocidental convenceu os Sírios que os refugiados
são todos «oposicionistas». Ora, a maioria, quando os interrogamos, assegura
ter deixado a sua Pátria por causa dos combates e não «por causa da ditadura».
A 28 e 29 de Maio de 2014, o escrutínio no Líbano, onde é permitido na
embaixada, movimenta uma multidão de pelo menos 100.000 pessoas, segundo a
Segurança geral libanesa, o que bloqueia toda a capital. O Exército intervêm
para dispersar o ajuntamento, mas surge gente vinda de toda a parte.
Ultrapassada, a embaixada tem de prolongar o horário e, depois, até as datas
para a votação. É uma bela surpresa para os Sírios da Síria e um choque para as
chancelarias ocidentais [18].
No fim, apesar dos apelos ao
boicote, vão às urnas 73,42% dos Sírios em idade de votar. No terreno estão 360
média estrangeiros, e todas as embaixadas em funções em Damasco atestam o bom
desenrolar da eleição. Bashar al-Assad obtém 10. 319. 723 votos, ou seja 88,7%
dos sufrágios expressos e 65% da população em idade de voto. O candidato
liberal, Hassan al-Nuri, obtém 500. 279 votos e o candidato comunista, Maher
el-Hajjar, 372. 301 votos.
Durante esta campanha, a França e
os seus aliados, empurrados por Jeffrey Feltman, tentaram fazer com que o
Conselho de Segurança imponha a jurisdição do Tribunal Penal Internacional na
guerra civil síria. É claro que o projecto de Resolução designava o conjunto de
actores Sírios, tanto a República como os jiadistas, mas antecipava que a
Procuradora, Fatou Bensouda, pudesse agir como o seu antecessor, Luis Moreno
Ocampo, tinha feito na Líbia: cumprir as ordens da OTAN.
Este projecto de Resolução seguiu
as acusações do relatório «César» e do escritório Carter-Ruck, bem como as do
diário Le Monde, segundo o qual a «ditadura alauíta» viola
sistematicamente as mulheres sunitas da Oposição. A jornalista do Le Monde,
Annick Cojean, publica o testemunho de uma vítima que afirma : «Nós éramos
violadas diariamente aos gritos de: ...”Nós, os alauítas, vamos arrasar-vos”»
Cojean, presidente do Prémio Albert Londres, fora formada na Fundação
Franco-Americana. Foi ela que publicou, um ano após a morte do Guia, Les
proies : dans le harem de Kadhafi («As presas : no harém de
Kadhafi») [19],
um livro fantasioso que o acusa de ter violado inúmeras crianças, pretendendo
justificar assim, a posteriori, e sem o menor indício de prova, a destruição da
Líbia.
Mas após a triunfal eleição
democrática de Bashar al-Assad, quem pode ainda crer na crueldade, nas torturas
generalizadas e na «ditadura alauíta»? O projecto francês de Resolução é
rejeitado pela Rússia e pela China que opõem o seu quarto veto.
(Continua …)
*Intelectual francês,
presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas
análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana
e russa. Última obra em francês: Sous
nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores,
2008).
Possui versão já traduzida em Língua Portuguesa (à atenção de possíveis Editores - NdT).
Notas:
[1]
“NATO
data : Assad winning the war for Syrians’ hearts and minds”, World
Tribune, May 31, 2013.
[2]
“Turkish
prosecutors indict Syrian rebels for seeking chemical weapons”, Russia
Today, September 14, 2013. «Türkiye’den
sarin gazının üretim maddelerini almaya çalışanlara dava açıldı», T24, 11
Eylül 2013.
[3]
«Los Contras sirios presentan
su laboratorio de armas químicas», Red Voltaire , 6 de diciembre
de 2012.
[4]
“A propósito dos vídeos
do massacre de 21 de Agosto”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 31 de
Agosto de 2013.
[5]
“Letter From the Chairman
of the UK Joint Intelligence Committee on Syria”, Voltaire Network, 29
August 2013. « Synthèse
du Renseignement français sur l’attaque chimique du 21 août 2013 »,
par Sacha Mandel, Réseau Voltaire, 2 septembre 2013.
[6]
« Tsahal indique que [le] gouvernement syrien est responsable », Jewish
News One, 27 août 2013.
[7]
“US Government
Assessment of the Syrian Government’s Use of Chemical Weapons on August 21,
2013”, Voltaire Network, 30 August 2013.
[8]
“O segredo do gaz
israelita”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 15 de
Setembro de 2013. «L’affaire Wouter
Basson - Rapports officiels suisses» (2002).
[9]
“Syria: Whose sarin?”, by Seymour M. Hersh, London Review of Books, vol.
35 no 24, 19 December 2013, p. 9–12. “Sarin de quem?”,
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu.
[10] Possible
Implications of Faulty US Technical Intelligence in the Damascus Nerve Agent
Attack of August 21, 2013, Richard Lloyd & Theodore A. Postol, MIT,
January 14, 2014, 46 pp.
[11]
“Londres e Washington
têm fornecido armas químicas aos jiadistas”, Tradução Alva, Rede
Voltaire, 22 de Agosto de 2017.
[12]
«Francia: el Partido
Socialista se compromete a eliminar a los diplomáticos proárabes», por
Ossama Lotfy, Red Voltaire , 11 de enero de 2006.
[13]
“O silêncio
e a traição que valerá
3 biliões de dólares”, Thierry Meyssan,
Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Janeiro de 2014. «Arabia Saudita cancela su
donación de 3 000 millones al Líbano », Red Voltaire , 20 de
febrero de 2016.
[14] Rapport
du groupe d’études sur les opérations de paix de l’Organisation des Nations
Unies dit « Rapport Brahimi », 20 août 2000, 84 pages, Référence
A/55/305- S/2000/809.
[15] A
Report into the credibility of certain evidence with regard to Torture and Execution
of Persons Incarcerated by the current Syrian regime, Carter-Ruck, January
20, 2014.
[16]
“Congress
secretly approves U.S. weapons flow to ’moderate’ Syrian rebels”, par Mark
Hosenball, Reuters, January 27, 2014.
[17]
«Francia, culpable de
prohibir la elección presidencial siria», por Damien Viguier, Red
Voltaire , 19 de mayo de 2014.
[18]
«Elección presidencial
siria en Beirut: multitudinaria participación de los residentes sirios », Red
Voltaire , 29 de mayo de 2014.
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