A China registou mais de 80 mil
infetados pelo novo coronavírus, mas as autoridades do país recorrem agora a
teorias da conspiração para defenderem que o vírus não teve necessariamente
origem no país.
O regime comunista, que é acusado
de ter escondido informação crucial durante as primeiras semanas após a doença
ser detetada em Wuhan, epicentro do Covid-19, passou a referir a possibilidade
de o vírus ter origem no exterior, apesar da ausência de evidências.
"As forças armadas dos EUA
podem ter levado a epidemia para Wuhan", defendeu, esta sexta-feira, o
porta-voz da diplomacia chinesa Zhao Lijian, através da rede social Twitter,
que está bloqueada na China. "Os Estados Unidos devem-nos uma
explicação", assegurou.
Para apoiar as suspeitas, Zhao
citou dois artigos da Global Research, um portal conhecido pelas teorias da
conspiração.
No entanto, Pequim designou, no
início do ano, um mercado de marisco situado nos subúrbios de Wuhan como o
berço da epidemia, apontando que o vírus tinha sido transmitido inicialmente
através de uma espécie animal.
"Identificamos os animais
vivos vendidos no mercado de marisco como a fonte do vírus", defendeu
então o chefe do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças Gao Fu, no final de
janeiro, depois de Wuhan ter sido colocado em quarentena, com entras e saídas
bloqueadas.
O vírus responsável pela doença
Covid-19 "era desconhecido antes da epidemia que começou em Wuhan, em
dezembro de 2019", apontou a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Países geograficamente próximos
da China, como o Vietname, Taiwan ou Mongólia, que depois de a doença ser
conhecida barraram a entrada a quem tivesse estado no país 14 dias antes,
registam, atualmente, menos casos que Portugal ou qualquer país europeu.
Análises genéticas de amostras do
novo coronavírus em vários países revelam uma fonte comum na China, apontou
Christl Donnelly, professor de epidemiologia estatística do Imperial College de
Londres.
"Não se trata de atirar
pedras a um país em particular", enfatizou.
Para o investigador Yun Jiang, da
Universidade Nacional da Austrália, "ao semear dúvidas na mente das
pessoas sobre a origem do vírus, Pequim procura escapar à responsabilidade pela
epidemia".
Médicos chineses em Wuhan
alertaram desde dezembro para os perigos do surto de um novo coronavírus, mas
foram silenciados pelas autoridades, que os obrigaram a assumir publicamente
esses avisos como "rumores infundados".
"As informações falsas
divulgadas por departamentos relevantes [de que a doença era controlável e não
era infeciosa entre seres humanos] deixaram centenas de médicos e enfermeiros
no escuro, que fizeram tudo ao seu alcance para tratarem pacientes sem
conhecerem a doença", apontou o chefe de um dos departamentos do Hospital
Central de Wuhan, citado pela revista Caixin, uma das raras publicações
independentes na China.
"E mesmo aqueles que
adoeceram não puderam denunciar. Não puderam alertar os seus colegas e o
público a tempo, apesar do sacrifício", disse. "Essa é a perda e a
lição mais dolorosas".
Entretanto declarado pela OMS
como uma pandemia mundial, a epidemia provocou forte descontentamento popular
na China, com as redes sociais do país a encherem-se críticas diretas ao regime
e apelos por liberdade de expressão, num fenómeno inédito no país asiático,
onde ativistas ou dissidentes são frequentemente condenados por
"perturbação da ordem pública" ou "subversão do poder do
Estado".
Diplomacia de Pequim critica uso
do termo "vírus chinês"
Comentários da diplomacia chinesa
acusaram Washington e a imprensa estrangeira de usar o termo "vírus
chinês" para "implicar uma origem sem fundamento ou qualquer
evidência".
"Certos meios de comunicação
claramente querem colocar o chapéu na China", disse Zhao Lijian, em 4 de
março.
Segundo certas teorias que
circulam nas redes sociais chinesas, a delegação norte-americana que participou
nos Jogos Mundiais Militares, disputada em outubro passado, em Wuhan, poderia
ter trazido o vírus para a China.
Teorias semelhantes estão a
florescer nas redes sociais chinesas.
"Os norte-americanos usaram
as pessoas do mundo como ratos de laboratório para experiências de bioquímica
viral?", pergunta um internauta no Weibo, rede social chinesa.
Em Washington, o conselheiro de
segurança nacional Robert O'Brien acusou a China na quarta-feira de
"despedaçar o mundo em dois meses".
Pequim considerou as observações
"imorais e altamente irresponsáveis".
Jornal de Notícias com Agências |
Imagem: EPA/Alex Plavavski
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