São já cinco os juízes envolvidos
em suspeitas de viciação na distribuição de processos, entre os quais o atual e
o anterior presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. A posição hierárquica,
a abrangência das irregularidades e o facto de se tratar de um caso inédito em
Portugal lançam uma sombra de efeitos imprevisíveis sobre a justiça.
Inês Cardoso | TSF | opinião
Em concreto, a provarem-se as
interferências, há espaço para efeitos nas decisões proferidas pelos
magistrados, podendo vir a ser pedida pelas partes interessadas revisão ou
mesmo nulidade dos acórdãos. Num plano geral, abre-se um clima
generalizado de desconfiança sobre a justiça e sobre o risco, pelo menos
teórico, de mais interferências inquinarem (ou terem inquinado) o sistema.
O Observatório da Justiça, nos
inquéritos que tem promovido junto da população, assinala como pontos negativos
fortemente destacados a morosidade ou a dificuldade de acesso, mas não têm sido
referidos problemas de corrupção ou abuso de poder por parte dos magistrados.
Esta é uma perceção que poderá mudar. O presidente do Conselho Superior da
Magistratura, órgão que abriu processos disciplinares, admitiu que a suspeita
sobre os juízes é de "gravidade extrema" e põe em causa um dos
pilares do Estado de Direito.
Esse rigor não pode limitar-te a
este caso, mas ser sustentado e continuado na ação fiscalizadora dos órgãos
próprios. Em 2018, dos juízes avaliados, 311 tiveram bom com distinção e muito
bom, contra 28 bons, sete suficientes e dois medíocres. Quanto ao Conselho
Superior do Ministério Público, no mesmo ano classificou todos os procuradores
inspecionados com bom com distinção ou muito bom - as duas notas mais altas
entre cinco. Transmite-se uma ideia de facilitismo e de proteção entre pares.
Maior proximidade e transparência
da justiça em relação aos cidadãos também ajudariam a perceber melhor o sistema
e confiar nele. Temos uma tradição de distanciamento e de pouca
comunicação sobre processos mediáticos ou sobre a própria forma de
funcionamento dos órgãos judiciários. Deixar que o sorteio seja assistido, como
aconteceu hoje, é um exemplo simples que permite aproximar as pessoas e
reforçar o sentimento de transparência.
O que certamente não ajuda, num
momento de crise, é alimentar polémicas escusadas com nomeações políticas para
o Tribunal Constitucional e para o Conselho Superior da Magistratura. Em
lugares de tamanha relevância, no primeiro caso por tomar decisões das quais
não há recurso, no segundo pelo papel fiscalizador que desempenha, não pode
haver margem para suspeições ou fragilidade das pessoas escolhidas. O
poder político, que deve imiscuir-se o menos possível nestas matérias, tem aqui
a responsabilidade de encontrar consensos e aumentar a respeitabilidade das
suas escolhas. Não o inverso, como tem acontecido nas últimas semanas, com
o nome de Vitalino Canas a representar o pior da desconfiança que se pretende afastar.
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