sábado, 7 de março de 2020

Portugal | Os milhões do futebol


Inês Cardoso | Jornal de Notícias | opinião

Ninguém terá estranhado que a maior operação de sempre da Autoridade Tributária tenha visado esta semana os principais clubes do país, jogadores de futebol, agentes e empresários.

Estranho só mesmo o tempo que já leva a investigação, muito mais demorada do que noutros países, incluindo a vizinha Espanha. São públicas desde 2017 informações da abertura de inquéritos a transferências em que haverá ocultação de valores, com suspeita de crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Criou-se há muito a ideia de que o futebol é um mundo à parte, uma espécie de campo primitivo onde se autorizam comportamentos irracionais e violentos nas bancadas, na linguagem dos próprios dirigentes e na engenharia das contas. As dezenas de buscas agora realizadas mostram que, apesar das garantias públicas dadas pelos presidentes dos clubes, haverá seguramente muitos negócios à margem da lei. Suspeita-se que o Estado tenha sido lesado em cerca de 40 milhões de euros.

Além de dependerem muitas vezes da colaboração de autoridades de países terceiros, já que os esquemas financeiros usados passam pelo recurso a offshores, estamos a falar de crimes de extrema complexidade, cuja investigação exige um elevado grau de especialização e recursos por parte das autoridades. A falta de meios é uma das razões invocadas para a demora na investigação.

Numa altura em que a justiça vive uma crise de confiança e em que a discussão em torno da prisão de Rui Pinto divide opiniões, não pode perder-se de vista o essencial. Seja qual for a sanção a aplicar (ou não) em relação à pirataria informática, não pode haver complacência quanto aos crimes postos a nu. E neste filme não há inocentes. Também a Ordem dos Advogados deve ser clara a posicionar-se contra o planeamento fiscal abusivo. Em 12 anos, só dois advogados denunciaram ao Fisco esquemas abusivos. O papel de um advogado é fazer cumprir a lei, não ensinar como lhe escapar.

*Diretora-adjunta

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