terça-feira, 17 de março de 2020

Timor-Leste | Díli: água a mais e cidadania e governação a menos


A cidade de Díli foi fustigada pelas chuvas. As ribeiras transbordaram e muitos bairros estão inundados. Ocorreram mortes e muitos prejuízos materiais.

M. Azancot deMenezes* | Jornal Tornado

Há défice de cidadania, má governação e esquece-se que as inundações mais frequentes no país são as cheias rápidas, perigosas pela sua velocidade e capacidade destruidora.

Num momento em que Timor-Leste atravessa mais uma crise política devido à falta de entendimento (quase permanente) entre a liderança, actualmente com um governo praticamente inoperante, como se não bastasse, no passado dia 13 de Março, as fortes chuvadas provocaram a morte de várias pessoas e o caos na cidade de Díli.

Há vários sucos (divisões administrativas que podem ser constituídas por uma ou mais aldeias) inundados, Taibessi, Bidau, Balide, Matadouro e outras zonas da cidade estão parcialmente inundadas.

A Escola portuguesa, por exemplo, foi fortemente afectada, com correntes de água provenientes da ribeira de Bidau (Leste da cidade de Díli) que derrubaram um dos muros  e obrigaram alunos e professores a subir para o 1º andar.




Chuvas tropicais, morfologia do território e ineficácia do governo

É sabido desde o tempo colonial, “as catástrofes naturais que mais afectam o território de Timor-Leste são provocadas maioritariamente por inundações, tempestades, escorregamentos, sismos, tsunamis e erosão, sendo a actividade humana um factor agravante na maioria dos casos” (Filipe Thomaz, et al, 2002).

Esta vertente, a “actividade humana”, agrava a situação e deve merecer a atenção particular de governantes e cidadãos, mas isso não acontece.

O aumento demográfico que se está a registar na cidade de Díli, em 2015 havia cerca de 253 mil habitantes, e a falta de controlo governamental, na medida em que há uma forte pressão do ambiente pela alteração do uso do solo, contribuem para a mudança das relações naturais, como a impermeabilização e a canalização do escoamento.

Os governantes não podem esquecer que “as elevadas precipitações, os acentuados declives, as bacias hidrográficas de reduzidas dimensões e o estado do coberto vegetal são alguns dos factores que provocam este tipo de inundações” (Fonte: Atlas de Timor-Leste, 2002).

As construções desorganizadas, o uso e a ocupação do solo urbano sem os necessários estudos (competentes) sobre o impacto que essas acções geram ao ambiente são alarmantes e apresentam complicações geológicas devido às construções em áreas de declividade, portanto, originando quedas de pontes e de outras construções, bem como, deslizamentos.

Em relação à problemática em torno da nova ponte (BJ Habibie) situada no final da rua principal do Bairro de Lecidere que faz a ligação para a praia da Areia Branca, há necessidade absoluta de reflexão e análise.

Tomei conhecimento de fonte fidedigna que houve uma proposta portuguesa  para a  resolução do problema de todo o sistema hidráulico de Díli, com uma obra no valor de 150 milhões de dólares. A proposta foi ao Parlamento Nacional, sem aprovação.

Os chineses, através da sua Embaixada, apareceram e disseram que se ofereciam para a construção do “sistema hidráulico de Díli”, com o orçamento de 150 milhões de dólares, mas de forma gratuita.

Os deputados não aceitaram o orçamento da obra em favor da ADP – Águas de Portugal uma vez que os chineses a ofereciam, mas, depois, estes nada fizeram. Está tudo por fazer..não aceitaram os portugueses, aceitaram os chineses, mas estes últimos nada fizeram.

Entretanto, o governo timorense decidiu construir a ponte, em outro negócio, e agora a ponte caiu parcialmente com as chuvas de 13 de Março. Note-se que, antes, havia uma obra de 1960, construída pelos portugueses, contudo, a população timorense aumentou 26 vezes.

Face a este descalabro, o Secretário de Estado da Protecção Civil, no dia 13, anunciou a necessidade de nova obra no valor de 250 milhões de dólares. Que mais dizer?

Sobre esta matéria, eis o testemunho de um português que conhece bem a realidade de Timor-Leste:

“o grande problema é que os portugueses fizeram uma obra hidráulica em 1960 quando a cidade tinha uma dezena de milhar de habitantes … agora .. encanaram linhas de água .. construíram em cima .. a água ganha velocidade a descer de Dare .. leva tudo na frente ..”


Lixo na cidade de Díli

Quem conhece bem a cidade de Díli pode observar o lixo crescente nas ruas da cidade, principalmente com milhares de garrafas de plástico que entopem os esgotos e muitas delas vão para o mar, sabendo-se que levam 400 anos no processo de degradação.

As áreas comerciais, jardins públicos da cidade e residências não escaparam à força das águas.

PhD em Educação / Universidade de Lisboa

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