segunda-feira, 18 de maio de 2020

Destituição de presidente do parlamento timorense é inconstitucional -- constitucionalista


Díli, 18 mai 2020 (Lusa) -- O constitucionalista português Jorge Bacelar Gouveia considera inconstitucionais as normas do regimento do parlamento timorense que permitem a destituição do presidente do órgão porque, entre outros aspetos, violam o "regime de reserva" da constituição do país.

Num parecer a que a Lusa teve acesso, Bacelar Gouveia apresenta três argumentos que sustentam o que considera ser a inconstitucionalidade de um conjunto de alterações aprovadas em 2016 ao regime e que permitem a destituição do presidente do parlamento.

"As normas que foram introduzidas no Regimento do Parlamento Nacional, em 2016, no sentido de permitirem a destituição do respetivo Presidente (...) devem ser consideradas inconstitucionais, e a diversos títulos", considera o professor catedrático.

O parecer do constitucionalista português, a que a Lusa teve acesso, foi feito a pedido do presidente do Parlamento Nacional, Arão Noé Amaral depois de três partidos -- Fretilin, PLP e Khunto -- que representam a maioria absoluta no parlamento terem apresentado um requerimento a pedir a destituição do presidente.

Esse requerimento deveria, segundo o regimento, ter sido debatido no plenário num prazo de cinco dias, mas a sessão ainda não foi agendada e Arão Noé Amaral voltou hoje a rejeitar a sua realização.


Na sexta-feira os três partidos acusaram Arão Amaral de crimes de "abuso de poder, contra o Estado e de subversão" por paralisar o funcionamento parlamentar, nomeadamente por não agendar, como está previsto no regimento, um pedido da sua destituição apresentado no início de maio.

A maioria pediu à vice-presidente Angelina Sarmento, que conduza a plenária, tendo Arão Amaral considerado hoje que esse ato é uma tentativa de assalto ao poder que viola a constituição, a lei de organização, funcionamento e administração do parlamento, ao código penal e ao regimento do parlamento", disse.

No texto, Jorge Bacelar Gouveia defende que "a posição jurídico-institucional do Presidente do Parlamento Nacional, sendo membro e representante de um órgão constitucional de soberania do Estado, automaticamente comungará do regime especialmente reforçado que é atribuído ao estatuto destes órgãos, o qual se afere no tocante ao regime de reserva de Constituição".

Gouveia sustenta que as alterações vão além do que está definido na própria constituição que "em lado algum previu a possibilidade da 'destituição' do Presidente do Parlamento Nacional, nem sequer mandatou qualquer outro poder -- nem mesmo o poder regimental parlamentar -- para realizar tal tarefa".

Por isso, argumenta, "o silêncio nesta matéria corresponde à impossibilidade de essa delegação acontecer a favor de um outro poder, ainda por cima um poder infraconstitucional", como seria o regimento.

São ainda inconstitucionais, segundo Bacelar Gouveia, porque "supõem uma conceção que foi rejeitada" na lei base aprovada em 2002.

Esse texto, nota, abraçou o Constitucionalismo do Estado de Direito Democrático, em que "os mandatos políticos -- demais a mais os mandatos políticos eleitorais -- são 'representativos', apresentando-se como abusiva qualquer possibilidade de haver mandatos 'imperativos'".

Ou seja, a constituição não prevê que o exercício de mandatos como os do presidente do Parlamento Nacional "pudesse ser subitamente interrompido com uma revogação realizada pelo respetivo colégio eleitoral".

Finalmente, e na opinião de Bacelar Gouveia, as alterações são inconstitucionais porque a possibilidade de destituição "estando em causa o exercício de direitos, liberdades e garantias políticos, não preenche vários dos requisitos que a constituição estabeleceu no seu regime".

Em concreto, o facto da "sua efetivação não ter sido feita por lei (foi por regimento parlamentar)" ou da sua "consumação ter sucedido sem que tivesse qualquer credencial constitucional que a autorizasse expressamente" no texto constitucional.

Na constituição "nunca se admite tal hipótese" e não se encontrou "um motivo determinante que possa fundar o exercício de um poder de tão elevada magnitude em obediência às exigências decorrentes do princípio constitucional da proporcionalidade", refere.

ASP//MIM

Na imagem: Bacelar Gouveia

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