Em Londres, decorrem
as audições do caso ligado às "dívidas ocultas". Privinvest
tenta arbitragem para se livrar. Ex-executivos do Credit Suisse contestam ação
do Estado moçambicano. Pesquisador do CIP comenta a postura.
Começou na terça-feira (26.05) no
Tribunal Superior de Justiça de Londres um segundo julgamento dos ilícitos
financeiros relacionados com as "dívidas ocultas" moçambicanas. Desta
vez trata-se de uma ação encetada pelo Estado moçambicano contra 10 entidades,
entre elas três ex-trabalhadores do Credit Suisse e a Privinvest. O Estado pede
que os réus sejam condenados a pagar uma indeminização
a Moçambique pelas perdas e danos causados na contração das
dívidas, avaliadas em mais de dois mil milhões de euros.
A DW entrevistou o pesquisador da
ONG Centro de Integridade Pública (CIP), Borges Nhamire, que acompanha os
processos relativos às dívidas ocultas desde o começo, sobre
esta nova etapa.
Borges Nhamire (BN): O
julgamento em Londres é importante para o processo que decorre em Moçambique
porque vai permitir a recolha de mais informação, da mesma forma que o
julgamento em Nova Iorque
de Jean Boustani foi importante para Moçambique. Depois do julgamento em Nova Iorque , foram
conhecidos novos arguidos, conforme anunciou a Procuradora-Geral da República
na semana passada na Assembleia da República. Muitos dos novos dez arguidos que
foram constituídos, excluindo Manuel Chang, foram revelados no julgamento
de Nova Iorque. Portanto, penso que o principal contributo do julgamento é em
temos de informação - para alimentar o processo em Maputo, por um lado. Por
outro lado, temos que lembrar que a questão central do julgamento é que
Moçambique está a pedir a declaração da nulidade das garantias emitidas pelo
então ministro das Finanças [Manuel Chang], argumentando que o ministro emitiu
as garantias das dívidas da Proindicus sem autorização e que todas as outras
pessoas envolvidas no processo das dívidas arrolados na petição contrataram as
dívidas em benefício próprio.
DW África: Entretanto, a
Privinvest, uma das acusadas pelo Estado moçambicano, entende que o Tribunal
não tem competência para a julgar e defende uma arbitragem para o caso. E sabe
que as arbitragens, a partida, não são pró-Estado... O que restaria a
Moçambique se a arbitragem vier a ser uma opção?
BN: Compreendo a preocupação
com a possibilidade de o caso vir a ser dirimido pela arbitragem, mas, neste
momento, devíamos antes atender à postura da Privinvest. Esta empresa, cujo
negociador principal das dívidas, Jean Boustani, esteve a dizer em tribunal que
distribuiu dinheiro a altos funcionários do Estado de Moçambique - deu dinheiro
ao diretor do SISE, deu dinheiro ao diretor geral das empresas, deu dinheiro a
Manuel Chang, deu dinheiro ao filho do Presidente Guebuza - agora não quer que
o assunto seja julgado em tribunal, quer ver o assunto resolvido através da
arbitragem. Não, nós estamos a falar de um crime de corrupção internacional,
que a Privinvest promoveu no negócio em Moçambique. Isso
é julgado em tribunal. E
é preciso ver o que a acusação de Moçambique está a dizer - tem duas partes:
uma parte é comercial, que está a dizer que as garantias não são válidas. Mas
há outra parte, que é mesmo uma acusação de que aquelas entidades lesaram o
Estado moçambicano e causaram danos. E está arrolado no processo que
aquilo que fizeram é conspiração para defraudar o Estado. Esse é um
assunto de tribunais. Sei que esta quinta-feira está programada a audição
da Privinvest e, de princípio, esta audição seria pública, mas, à última
hora, a transmissão por Skype foi cancelada e a audição passa a ser
privada. De alguma forma, vai sair na quinta-feira ou depois a informação
sobre o que foi discutido lá, e também será possível requer através
dos documentos do tribunal para ver as transcrições. Mas agora é
difícil prever o que irá acontecer.
DW África: Surjan Singh, Andrew
Pearse e Detelina Subeva, que inicialmente assumiram ter recebido subornos no
contexto da contração das dívidas, agora contestam a ação do
Estado moçambicano. O que pode significar este "virar
do jogo" para o processo moçambicano?
BN: Compreende-se a postura
deles, de se declararem inocentes, porque é assim que agem os criminosos. Não
restam dúvidas que eles receberam o dinheiro, e as provas da receção do
dinheiro foram mostradas, através de contas bancárias que abriram em Abu Dhabi , e os valores
estão lá especificados. Eu assisti ao julgamento de Surjan Singh, que recebeu
cerca de sete milhões de dólares pela sua participação nesse negócio. Também
assisti ao julgamento de Andrew Pearse nos EUA, disse que recebeu 45 milhões de
dólares e ainda disse que o dinheiro que recebeu investiu para comprar poços de
petróleo na Polónia, e outra parte investiu para comprar propriedades na África
do Sul, outro investiu para comprar viaturas desportivas… Ele disse isso em
tribunal, em Nova Iorque ,
porque a Justiça norte-americana tem provas de que ele fez isso.
Agora está a contar outra história na Justiça britânica, porque talvez acredita
que não haja provas. É daí que defendemos que é importante que os julgamentos
sejam feitos em locais onde as entidades que fizeram
as investigações têm provas. Mas penso que a recusa deles não vai
muito longe, porque tem transcrições do julgamento que aconteceu nos EUA e
naturalmente haverá cooperação entre as duas jurisdições, a americana e a
britânica.
DW África: Entretanto,
em Moçambique, o processo parece ter entrado em letargia. Como
interpreta a estagnação do caso?
BN: Efetivamente, o processo
em Moçambique foi aberto em 2015, estamos em 2020 e ainda não há sequer data
para o julgamento. Mas isso é o que se sabe. A Justiça moçambicana é muito
lenta, nunca acontece em tempo útil e as pessoas que se beneficiaram dos bens
já se desfizeram deles e não está a acontecer nada. Em 2018 já conhecemos a
acusação dos EUA, em 2019 o caso foi julgado. No Reino Unido, o Estado
moçambicano submeteu a petição em 2019 e em 2020 está a ser julgado. Em
Moçambique, o caso começou em 2015, em 2017 houve uma auditoria da Kroll, que
foi a base para a acusação norte-americana, e até hoje não há julgamento.
A procuradora tentou justificar que não há julgamento porque a ausência de
Chang está a atrasar o processo, mas quando Chang é detido na África do Sul, em
dezembro de 2018, o processo em Moçambique já estava em andamento há
mais de três anos. O Ministério Público, que a Sra. Buchili, dirige levou
a julgamento os assassinos de Anastácio Matavele, morto no ano passado na
província de Gaza, e aquele que é apontado como chefe da quadrilha está
foragido, mas nem por isso se adiou o julgamento. Essa ausência de data para o
julgamento mostra que a nossa Justiça não tem muita capacidade de resolver este
assunto - os que têm estão a resolver.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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