O Governo regateia apoios a
empresas e trabalhadores independentes, aperta os cordões à bolsa nos apoios
sociais, nega subsídios de risco a quem está na linha da frente, mas à banca
continua a entregar os milhões de bandeja. Não estamos todos no mesmo barco.
Pedro Filipe Soares | opinião
Tudo está bem quando acaba bem?
Não se engane, esta crise política(link is external) foi apenas uma
encenação para nos distrairmos do essencial. Enquanto nos dão a entender que
podemos respirar fundo, que depois da tempestade veio a bonança, foram mais 850
milhões de euros nossos parar aos cofres do Novo Banco(link is external). Mais uma
vez, o prémio sai à banca à custa de cada um de nós.
O compromisso político era inequívoco(link is external):
“Até haver resultados da auditoria não haverá qualquer reforço do empréstimo do
Estado ao Fundo de Resolução para esse fim.” Esta foi a frase de António Costa
em resposta ao Bloco de Esquerda quando questionado se iria continuar a aceitar
meter dinheiro no Novo Banco.
A questão não era menor. Sempre
nos prometeram que não haveria custos para os contribuintes com o BES e o Novo
Banco, mas a realidade mostrou como isso era um enorme embuste. Até 2015, a resolução que PSD e
CDS garantiam não ter custos levou 3900 milhões de euros dos cofres do Estado.
Depois, a venda do Novo Banco que António Costa jurava não ter encargos
significou um rombo de 2130 milhões de euros. São promessas dolorosas para os
cofres públicos. Juram com uma mão no peito e a outra no nosso bolso.
O Novo Banco foi vendido em 2017
à Lone Star, um fundo abutre que viu no negócio uma boa fonte de especulação. A
venda foi acompanhada de um mecanismo de capital contingente, uma espécie de
garantia pública sobre os créditos duvidosos. A gestão destes ativos tóxicos
poderia levar à injeção de capital público, coisa que o Governo garantia ser
difícil de acontecer. Como a realidade tem demonstrado, esta escolha foi
ruinosa para os cofres públicos. O Estado paga mas não manda e no final a Lone
Star terá um banco limpinho para vender.
A um mau negócio junta-se uma
gestão muito questionável. Há suspeitas da venda de créditos abaixo do seu
valor a entidades relacionadas com o fundo Lone Star, imputando os prejuízos
depois para o tal mecanismo de capital contingente, isto é, aos cofres
públicos. Foi com esta suspeição que surgiu a necessidade da auditoria à gestão
do Novo Banco e às necessidades de injeção de capital.
As suspeitas são incontornáveis e
mesmo os defensores desta venda desastrosa, como o Presidente da República ou o
primeiro-ministro, exigiram essa auditoria. O Ministério das Finanças escreveu
que “o valor expressivo das chamadas de capital em 2018 e 2019 [1,9 mil milhões
de euros] tornava indispensável a realização de uma auditoria para o
escrutínio do processo de concessão dos créditos incluídos no mecanismo de
capital contingente” e acompanhou esse coro. Contudo, não esperou pelo seu
resultado para despejar mais 850 milhões de euros públicos nos cofres do Novo
Banco.
Mário Centeno diz que foi um problema de comunicação(link is external) que
justifica o desentendimento com António Costa mas não consegue explicar porque
não podia esperar umas semanas até que a auditoria fosse concluída(link is external). Aqui
está a origem da suposta crise política. O resto resume-se rápido: Costa dá a
mão a Marcelo para que este tire o tapete a Centeno. Como a divergência não era
de fundo – nenhum deles questiona a injeção de dinheiro no Novo Banco porque
isso significaria questionar a própria venda –, a questão passou a ser de
calendário. A crise política tinha pés de barro e por isso rapidamente se
sanou, apenas com mais um problema de comunicação de Centeno, desta feita com o
Presidente da República.
Centeno não sai mas também não
fica, é uma espécie de antecâmara para o tão desejado cargo de governador do
Banco de Portugal. O mal estar no seio do Governo não fica mas também não sai,
é uma espécie de paz podre onde se decidirão as respostas mais importantes para
a saída da enorme crise que enfrentamos. E, no meio disto tudo, centenas de
milhões que podiam ajudar a responder à crise já foram parar aos cofres do Novo
Banco.
O Governo regateia apoios a
empresas e trabalhadores independentes, aperta os cordões à bolsa nos apoios
sociais, nega subsídios de risco a quem está na linha da frente, mas à banca
continua a entregar os milhões de bandeja. Não estamos todos no mesmo barco.
Esquerda.net
Artigo publicado no jornal
Público a 15 de maio de 2020
*Pedro Filipe Soares
-- Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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