sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Cabo Delgado | Alegações de violação dos direitos humanos arrepiam Bruxelas


 MOÇAMBIQUE

A Comissão Europeia considera "extremamente chocante" o relatório da Amnistia Internacional, que acusa o Exército moçambicano de atrocidades na província de Cabo Delgado. E pede uma investigação "transparente".

A comissária europeia responsável pelas Parcerias Internacionais, Jutta Urpilainen, pede a Moçambique uma investigação "transparente e efetiva" às denúncias de violações de direitos humanos na província nortenha de Cabo Delgado.

"O recente relatório da Amnistia Internacional é extremamente chocante. Todas as alegações, incluindo as que envolvem membros das Forças Armadas de Defesa e da polícia, devem ser investigadas de forma transparente e efetiva, com total respeito pelos direitos legais tanto das vítimas como dos acusados", afirmou a comissária durante um debate no Parlamento Europeu sobre a situação no norte de Moçambique, na quinta-feira (17.09).

Jutta Urpilainen frisou que "a União Europeia advoga uma abordagem integrada e coordenada que promova a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito […] sem esquecer a liberdade de imprensa e a sociedade civil".

Ministro nega acusações

Na semana passada, a organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional acusou as Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas de cometerem atrocidades durante o combate aos insurgentes em Cabo Delgado.

A Amnistia disse estar na posse de vídeos e fotos que documentam "tentativas de decapitação, tortura e outros maus-tratos de detidos, o desmembramento de alegados combatentes da oposição, possíveis execuções extrajudiciais e o transporte de um grande número de cadáveres até valas comuns".

Esta semana, um vídeo em que uma mulher é executada por homens fardados, com um uniforme semelhante ao das Forças Armadas, tornou-se viral nas redes sociais, causando revolta na sociedade civil. Várias organizações, incluindo a Amnistia Internacional, insistiram na necessidade de abrir um inquérito.

ministro moçambicano da Defesa, Jaime Neto, nega que os homens que aparecem no vídeo sejam militares das Forças Armadas de Moçambique. Rejeita também que as FDS tenham cometido abusos durante o combate aos grupos armados em Cabo Delgado e suspeita de uma campanha para denegrir a imagem do Exército.

"Alguns moçambicanos tiram ou fazem essas imagens ou montagens e entregam lá fora e nós sabemos quem são, vamos expô-los um dia", afirmou Jaime Neto.

No entanto, a Human Rights Watch (HRW) refere que, embora o vídeo divulgado nas redes sociais ainda não tenha sido verificado, a execução da mulher, que aparece nua e indefesa, "surge num contexto de acusações de abusos por parte dos soldados do Governo". Daí a necessidade urgente de investigar o caso "de forma imparcial", salienta a organização não-governamental em comunicado.

Apoio a Moçambique: 25 milhões de euros já garantidos

Cabo Delgado é palco de ataques armados há quase três anos. A violência causou mais de mil mortos. 250 mil pessoas foram obrigadas a fugir para zonas mais seguras. Esta quinta-feira, a Comissão Europeia reafirmou a sua solidariedade com o povo moçambicano.

"Hoje, o norte de Moçambique enfrenta uma nova ameaça, um surto de violência armada, com uma dimensão regional perigosa", recordou a comissária Jutta Urpilainen.

"Temos uma relação política e de desenvolvimento forte com Moçambique e estamos prontos a discutir opções para assistência. Congratulo-me também por vos informar que o Governo e a UE abriram um diálogo político focado em desenvolvimentos humanitários e questões de segurança em Cabo Delgado".

Esta semana, o embaixador da União Europeia em Moçambique, António Sánchez-Benedito Gaspar, anunciou que o bloco está a preparar uma estratégia de apoio reforçado a Cabo Delgado, a definir até ao final do ano.

Segundo o embaixador, citado pelo jornal "O País", a UE já garantiu metade de um total de 50 milhões de euros a serem disponibilizados pelos países europeus para apoiar os deslocados e desenvolver o norte de Moçambique.

FRELIMO trava investigações?

Em conferência de imprensa, na quinta-feira (17.09), o porta-voz da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder) disse que o partido respeita e valoriza o apoio da União Europeia e de outras organizações para melhorar a vida dos moçambicanos. Mas, relativamente aos apelos para uma investigação às denúncias de violações dos direitos humanos, a FRELIMO declara "apoio incondicional" às Forças de Defesa e Segurança. Além disso, esta é uma questão que deve ser resolvida pelos moçambicanos, admoestou Caifadine Manasse.

"Continuaremos a respeitar o pensamento de todas as organizações internacionais e nacionais, mas sempre valorizando o nosso pensamento, porque só nós os moçambicanos devemos lutar e fazer tudo ao nosso alcance para manter a nossa soberania".

Mas o maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), acusa a FRELIMO de estar a inviabilizar as investigações sobre os ataques armados no país.

"Registaram-se assassinatos de cidadãos indefesos por parte das FDS. A RENAMO requereu a criação de uma comissão de inquérito com intuito de ir averiguar as graves violações que se registam na zona centro do país e na província de Cabo Delgado, [mas] a bancada maioritária rejeitou esta pertença", denunciou o porta-voz da RENAMO, José Manteigas, na quinta-feira.

Deutsche Welle | Agência Lusa, gcs

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